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								(1992) 
								 
								RACHEL de QUEIROZ: primeira mulher eleita para a 
								ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS 
								 
								 
								A grande escritora Rachel de Queiroz, prestes a 
								completar 82 anos, começou a sua carreira em 
								1927. Neste ano de 1992, comemora também 65 anos 
								de jornalismo e lança um novo livro: “Memorial 
								de Maria Moura” (com 485 páginas), que conta a 
								história de uma mulher envolvida com o poder. 
								Rachel de Queiroz escreveu a primeira crônica 
								aos 16 anos e passou toda a sua infância em 
								Quixadá. Entre os seus livros, destacam-se "O 
								Quinze" (1930), “As Três Marias” (1939), “Dôra, 
								Doralina” e “João Miguel" (1932). 
								 
								Em 1977, com 21 acadêmicos modernos, de um total 
								de 40, a primeira mulher a ingressar na Academia 
								Brasileira de Letras vestiu o fardão em forma de 
								saia e tornou-se imortal. Seu trabalho 
								literário, além de romances, inclui teatro, 
								crônica, tradução, literatura infantil e até uma 
								contribuição ao cinema nacional. “O Cangaceiro", 
								o clássico de Lima Barreto, teve seus diálogos 
								assinados por RacheI de Queiroz. 
								 
								PERSONA - O que a influenciou mais em suas 
								obras, o Regionalismo, o coronelato ou a 
								tradição de autoridade das mulheres de sua 
								família? 
								 
								RACHEL DE QUEIROZ - Eu sou oriunda de duas 
								grandes e velhas famílias nordestinas; nós 
								estamos há mais de 200 anos por aquela região: 
								os Alencares, no Cariri, e os Queiroz, no 
								Quixadá e Quixeramobim. Em 1817, todos os meus 
								ascendentes se mantiveram naquela revolução; em 
								1826, na chamada Confederação do Equador, minha 
								avó Bárbara de Alencar, um nome famoso no 
								Nordeste e nessa revolução, era avó de José de 
								Alencar, e minha tetravó era mãe do herói 
								nacional, Tristão Gonçalves, presidente da 
								Revolução do Equador, que foi fuzilado pelos 
								imperiais. Na minha árvore genealógica, não há 
								nenhum ascendente que estivesse vivo nessa fase 
								de 1917 a 1926 e do século passado, que não 
								estivesse morto ou preso, de forma que essa 
								tradição política é muito antiga. 
								 
								Nasci em Fortaleza, na casa de meu avô na 
								cidade; entretanto, me considero sertaneja. 
								Quixadá é no sertão central, célebre pelos seus 
								monólitos, que são maravilhosos, e conhecida 
								pelo famoso Açude de Cedro, um monumento erigido 
								ainda no tempo do Império; é uma cidade do 
								Agreste – tenho muito orgulho dela, por 
								pertencer àquela região, como a minha família. 
								 
								P. Como foi a sua vinda do sertão para o Sul, 
								por onde passou, e como chegou ao Rio de 
								Janeiro? 
								 
								R.Q. O meu tio era Reitor da Faculdade de 
								Direito e a minha família sempre esteve muitos 
								anos por aqui. Quando lancei “O Quinze", o livro 
								foi muito bem recebido e os editores me 
								convidaram para vir. Ganhei o primeiro prêmio da 
								Fundação Graça Aranha, que concedeu premiação em 
								três áreas: poesia, romance e pintura, sendo 
								agraciados Murilo Mendes (já falecido), Cecílio 
								Dias e eu. Vim receber o prêmio e, aqui, 
								fortaleci as minhas relações. De lá pra cá, 
								nunca mais me desliguei do Rio, onde sempre 
								estive; em 1939, vim morar definitivamente, 
								portanto, há 52 anos. Casei-me com um nordestino 
								e poeta, José Auto (falecido); divorciamo-nos 
								após oito anos de casamento. Depois, me casei 
								com um médico, Oyama de Macedo, sendo este o meu 
								real casamento, o mais importante de minha vida. 
								 
								MILITANTE POLÍTICA OU APENAS SIMPATIZANTE? 
								 
								P. Como foi que sua vocação jornalística veio a 
								ser canalizada para um pensamento político, se 
								desenvolvendo na linha do comunismo? 
								 
								R.Q. Sempre fui um animal político, sempre me 
								interessei por política e minha família também. 
								Quando jovem, comecei a trabalhar como 
								jornalista; influenciada pelos amigos, que eram 
								marxistas: Iraci Menezes, Ilda Correia Lima e, 
								quando cheguei para receber o prêmio no Rio de 
								Janeiro, já vim credenciada pelo Luiz Isqueta, 
								do Ceará, para me aproximar do Partido 
								Comunista, levar as credenciais para a nossa 
								fundação, e promover a ascensão do Partido 
								regional, em Fortaleza, porque o que havia de 
								movimento esquerdista lá, tinha sido destroçado 
								com o Bloco Operário Camponês, o predecessor do 
								Partido. Eu ajudei na fundação, embora sempre em 
								posição subalterna, como secretária, porque os 
								intelectuais eram considerados muito inferiores 
								aos operários. Nós éramos uma casta, os párias 
								do movimento; não merecíamos confiança, porque 
								os príncipes eram os operários; um ambiente 
								estreito e negativo, onde havia briga pelo 
								poder; lá dentro, e das teses que eles pregavam, 
								da precariedade da teoria, onde entravam o que 
								os dirigentes chamavam de camponeses, o bloco 
								dos camponeses deu origem ao Partido Comunista, 
								o bloco que o Austro Luiz destroçou, quando ele 
								dizia que o socialismo, no Brasil, era um caso 
								de polícia, e os remanescentes do bloco 
								operário, que no Rio era chamado de Camponeses 
								e, no Nordeste, de Matutos. No Nordeste, estes 
								reiniciaram o Partido Comunista, e foi para eles 
								que eu trabalhei durante 6 a 8 meses, onde me 
								horrorizei com o ambiente, a estreiteza, a 
								burrice, a subserviência, principalmente o 
								dogmatismo muito burro. Enfim, me aproximei dos 
								trotskistas, fiquei algum tempo com eles; mas 
								sem militância, porque eles já haviam me 
								decepcionado; quando mataram Trotsky foi a 
								"última gota d’água"; me afastei da política 
								militante, que eu já fazia bem pouco; como 
								teoria política, como processo de governo, o 
								comunismo tinha se esgotado. O homem tem que se 
								renovar. Havia chegado a hora, mas não sei como 
								vai ser isso; estou inquieta; felizmente, estou 
								velha, e se for ruim, não vou ver. A revolução 
								da humanidade é muito surpreendente; o homem é 
								muito surpreendente. Agora chegamos ao fim de 
								uma era e de um milênio. Assim como caiu o 
								Império Romano, não sabemos o que vai acontecer. 
								Pode vir um novo dilúvio, ou uma nova chuva de 
								fogo, ou uma evolução pacífica da humanidade, ou 
								um processo social mais humano e mais normal. 
								Isso não parece próximo porque a divisão atual 
								do mundo entre paupérrimos e riquíssimos, Norte 
								e Sul, tende a se acentuar. 
								 
								A CORAGEM DE MARIA MOURA 
								 
								R.Q. O livro não é uma tese, não é uma 
								literatura engajada. Eu crio os personagens de 
								acordo com o que eu sonho que eles são e o que 
								eu quero que eles sejam, mas não há uma 
								definição de tese, com o propósito de ressaltar 
								que a mulher tem coragem, pois há mulheres 
								corajosas e outras, não. Inspirei-me na Rainha 
								Elizabeth I da Inglaterra, que era uma mulher 
								empreendedora, ambiciosa; atravessou terríveis 
								dificuldades para chegar onde chegou e nunca 
								teve escrúpulos de usar meios de conquistas mais 
								inusitados. Ela se apropriou de tudo que os 
								espanhóis conquistaram. Com o drama psicológico 
								de ser uma grande amante, mas teve que matar a 
								paixão de sua vida, o Conde de Essex. A Maria 
								Moura é urna espécie de Elizabeth I num sertão 
								imaginário ou num território não devastado, onde 
								viveu de 1840 a 1850. Numa luta pelo poder, o 
								prestígio e a força. Além do "Memorial de Maria 
								Moura", vai ser lançado um livro meu para 
								crianças, e a Editora Siciliano está reeditando 
								toda a minha obra. 
								 
								Depois de minha militância no Partido Comunista, 
								eu tomei horror e nunca mais fui militante de 
								partido algum. Todo governo é opressor; então, é 
								esse o meu lema: eu não voto e não entro em 
								campanhas políticas. 
								 
								 
								Theresa Catharina de Góes Campos 
								Brasília - DF, 13 de outubro de 1992 
								Texto redigido em formato de entrevista - Jornal 
								"Persona" | 
							 
							
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