Theresa Catharina de Góes Campos

 
Data: Tue, 21 Feb 2006 09:03:52 -0300
De: "REYNALDO FERREIRA"
Para: theresa.files
Assunto:  EU E O VELHO CHICO

Repasso. Só que, ao contrário da Elba, acho que a violência contra ela é algo perfeitamente concebível nas circunstâncias políticas e sociais que estamos vivendo. RDF


EU E O VELHO CHICO
(Elba Ramalho)
www.elbaramalho.com.br

Recebi, com muita honra, o convite para cantar na festa de aniversário da Ong ONDA AZUL, criada e presidida pelo atual Ministro da Cultura, Gilberto Gil, comemorado no ano passado no Rio de Janeiro. Um show intimista para uma platéia seleta de amigos, adeptos da ecologia e da imprensa. Ao final da apresentação, lancei um apelo aos representantes da Onda Azul para que tratassem com carinho a questão da transposição das águas do velho Chico, exigindo do governo Federal mais transparência quanto aos trâmites que envolvem este grandioso projeto.

Naquele instante, não manifestei nenhuma posição, nem contrária nem favorável à transposição do velho Chico, apenas uma observação sutil, uma tênue sugestão de um alargamento do diálogo entre o governo Federal e os representantes das diversas Ongs que defendem a preservação do meio ambiente como parte fundamental na sobrevivência natural da vida no nosso Planeta.

Foi publicado no Estado de São Paulo uma nota relatando o fato, o que levou a Câmara de Vereadores de Campina Grande a redigir um ato de repúdio à minha pessoa transmitida por alguns órgãos de comunicação. O mais surpreendente é que em momento algum fui procurada pelos Vereadores ou qualquer órgão da imprensa para um esclarecimento.

Pouco tempo depois, ao desembarcar em João Pessoa para um show com a Orquestra Sinfônica da Paraíba, no Fenarte, festival do qual sou madrinha, sou surpreendida por um bombardeio de desafetos e melindros, como se fosse eu responsável pelo projeto de transposição do velho Chico, guardado a sete chaves nas gavetas do palácio da República desde o tempo do império, ou fosse capaz de impedir sua execução.

Como se meu humilde sentimento de amor ao velho e belo rio São Francisco pudesse vir a causar danos ao povo sofrido do nordeste: o meu povo! Por quem tanto chorei, para quem tanto deixei ecoar no tempo os trinados de minha voz.

Silenciei e retornei a minha casa, a minha vida, a minha luta pelo que acredito e sempre defendi: minha cultura, meus costumes, minha música e minha família.

Por fim, sou convidada a cantar no bloco Muriçoca, criado e dirigido por meu amigo Fuba, parceiro de velhos carnavais. Penso: que maravilha, vou cantar no Muriçoca e dizer mais uma vez à Paraíba o quanto a amo e a desejo feliz! A Orquestra convidada desta vez é a belíssima e competente orquestra de frevos do maestro Spok, com a qual tenho feito shows no tradicional carnaval pernambucano.

Seria lindo se fosse possível, querido Muriçoca do Miramar. Seria quase perfeito não fosse mais uma vez a truculência e ignorância de uns, em desejar transformar o que tenho de mais sagrado que é minha integridade e caráter em algo piegas e vil.

A guerra está deflagrada no coração de alguns irmãos e conterrâneos. Logo eu, que só sei falar de flores e jamais mataria qualquer ser vivo deste Planeta. Logo eu que tanto amor sempre declarei por esse sublime torrão.

Não sou este ser que os senhores estão pintando para o povo simples e pobre do sertão. Também para o povo rico e afortunado da capital, para o estudante desavisado que pega o bonde andando e vai na onda sem saber o destino que virá. E o que dizer aos meus parentes e amigos que sofrem, ao ver-me exposta ao ridículo, carregando nos ombros a culpa de um crime que não cometi?

É um jogo sujo e do qual não desejo fazer parte, pois mesmo tendo explicado a toda imprensa, quando aí estive, sobre meu pensamento puramente ecológico e sem qualquer comprometimento político, até porque não me envolvo com políticos, não tive o direito de resposta.

Acredito existirem meios melhores e mais eficazes de levar a sagrada água ao povo do sertão.Sei das necessidades do povo humilde de minha terra. Também sou fruto da seca e nunca irei esquecer o poço que meu pai cavou no quintal de casa de onde jorra, até hoje, água em abundância.

Ouço de longe tudo que falam a meu respeito e lembro, como sempre, do que fizeram com Jesus Cristo, Mestre e Senhor do mundo. Em alguns raros momentos de minha vida consigo imitá-lo. Pego nesse instante meu Rosário, dedilho algumas contas e imploro: Senhor perdoa-lhes, não sabem o que fazem!

A incitação feita por certos jornalistas paraibanos visando à violência contra minha pessoa, caso viesse a cantar na festa do Muriçoca é algo descabível na atual conjuntura político-social em que vivemos.

"Que tempo é este em que uma conversa sobre árvores, rios, chega a ser uma falta?" Como o poema de Brecht recitado por mim na FACMA, esse não seria o tempo de vislumbrar o despertar da consciência para alcançarmos a elevação do espírito e a graça da Luz, pela verdade e justiça ?!

Onde estão a verdade, a justiça, o direito do existir e do pensar, senhores jornalistas, vereadores e adeptos da violência contra minha pessoa?

Quando julgamos alguém estamos automaticamente nos colocando no jugo do Senhor, não esqueçam....

É nas mãos do Senhor sempre que coloco este momento delicado e de pesar que vivo perante meus conterrâneos, perante meus familiares, meus amigos e fãs!

Saibam que após as incitações e ameaças feitas na imprensa paraibana contra mim, vieram de muitos lados manifestações ofídicas contra minha integridade física, razão pela qual o show no bloco do Muriçoca foi cancelado. E digo mais: Caso venha acontecer algum incidente que atente contra minha vida vocês serão chamados à responsabilidade, porque não se pode agir de forma irresponsável e vulgar contra um Cidadão do Bem.

Após trinta e cinco anos nos palcos da vida, é a primeira vez que vejo meu direito de cantar cerceado. Pasmo com tanta ignorância e inveja. Sim, porque vim e venci, porque sempre aceitei que me chamassem de "paraíba" e com orgulho pulei os muros do preconceito para conquistar o mundo. Não para minha honra, mas pela honra do meu povo, da terra que me gerou, da cultura que ganhou na minha voz e no meu discurso força e vitalidade. Vocês deveriam me ser gratos, uma gratidão sem parâmetros, de culpa, por nada que viesse de mim, pois o que vem de mim é bem, é saudável, é íntegro e honesto. É verdadeiro e legítimo!

Não importa se sou rejeitada por uns que me tomam como inimiga.. Eu, pessoalmente, sou fiel e aqui permanecerei sempre às ordens, pois não nasci para ser servida e sim para servir.

Aceito o sacrifício imposto por vós, amigos, como Cristo aceitou a Cruz, porém meu ponto de vista ainda é o mesmo: "Deixe o Chico no seu canto que eu canto um acalanto, faço outra canção. Deixe o peixe, deixe o Rio que o Rio é o fio de inspiração!" Até que provem o contrário. Que a transposição ocorra de forma sadia tanto para o rio quanto para o povo pobre e simples que dele tira seu sustento. São os meus votos.

Certamente os governantes deste país saberão encontrar um meio menos truculento de oferecer água a quem tem sede e pão a quem tem fome, sem ter que matar um Rio, o qual já está em estado caótico e sem prejudicar quem dele tira o pão, o leite, o mel e a água! Mas, isto é apenas um sentimento pessoal, ecológico, humanitário, repito, de alguém que sonha com um Planeta liberto de iniqüidades praticadas pelo mal, com um mundo onde não matem crianças, nem estuprem mulheres indefesas. Um mundo sem armas, sem guerras, sem canhões. Um mundo onde haja respeito e liberdade de expressão!

Não esqueçam: SOMOS TODOS IRMÃOS!

Por fim, gostaria de pedir o mínimo de consideração aos oitenta e oito anos de meu pai, a meus irmãos e amigos que zelam por mim enquanto ser humano.

Luz, amor e Paz! Elba Ramalho.

 

Jornalismo com ética e solidariedade.