Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
EYNALDO FERREIRA comenta e repassa: 
 
O JUDICIÁRIO PASSOU DOS LIMITES. LEIA
 
De: Reynaldo Domingos Ferreira
Date: ter., 13 de jun. de 2023 
Subject: Fwd: O JUDICIÁRIO PASSOU DOS LIMITES. LEIA

 

 
Repassando: É O JUDICIÁRIO PETISTA!... Nunca foram tão atuais as palavras de Carlos Drummond de Andrade, em uma de suas belas crônicas para o extinto "Correio da Manhã", quando disse, com muita certeza e propriedade, como era de seu costume, por sinal, que o Brasil "parece um pai desalmado, irresponsável, desejoso de se ver livre de seus filhos tao prontamente, quanto possivel!..."  Essa calabrosa decisão do CNJ é plenamente adequada, nesse sentido!...
Reynaldo Domingos Ferreira
 

Assassinos, estupradores e pedófilos em liberdade

Determinação do CNJ pode deixar doentes mentais criminosos abandonados à própria sorte

Estação de metrô Sé, uma das mais movimentadas da capital paulista. Terça-feira, 25 de fevereiro de 2014, por volta das 7 horas. Um homem olhava atentamente os usuários esperando o próximo trem na plataforma de embarque. Quando a composição chegou, ele furtivamente se aproximou de uma desconhecida e a empurrou sobre os trilhos. Na queda, Maria da Conceição de Oliveira, de 27 anos, perdeu o braço e, por sorte, sobreviveu.

Segundo testemunhas, o homem saiu “correndo e sorrindo”. Naquele momento, Eduardo Rodrigues da Silva Camargo, 36 anos, estava feliz.  Ele havia atendido ao pedido de uma voz em sua mente que dizia: “Você tem que matar alguém hoje”.

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Eduardo tem esquizofrenia, o mesmo diagnóstico da mãe, e, antes de ser preso, teve nove registros de agressão, quatro deles no metrô. Hoje, está internado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) Professor André Teixeira de Lima, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, uma das três unidades de custódia do Estado. Em maio de 2024, Eduardo pode estar novamente nas ruas, caso se concretize a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina o fechamento de todos os 28 hospitais do tipo existentes no país.

HCTP Professor André Teixeira de Lima, fundado em 1933 | Foto: Reprodução Internet

Ao lado do Parque Estadual do Juquery, numa área cercada por verde, o hospital se divide em oito pavilhões, com dormitórios, refeitório, enfermaria e área de lazer. Os leitos de emergência estão vazios, os pacientes estão ocupados com outros afazeres. Numa sala, mulheres estão tendo aula do Ensino Fundamental e Médio. No ateliê, outras bordam panos de prato. Nos bancos espalhados pelo pátio, grupos conversam. Na quadra, homens jogam bola. Sem gritos nem amarras, os quase 500 internos da casa de custódia convivem em liberdade entre os muros. Não parece uma prisão nem um hospício. O local é bem diferente do cenário desenhado por quem defende a política antimanicomial.

Todos estão de banho tomado e devidamente medicados. O custo de cada interno equivale ao de um preso comum: cerca de R$2 mil mensais. Ou seja, o orçamento da unidade passa de R$1 milhão por mês. As despesas incluem um cardápio variado, com feijoada e frango assado. 

Em abril deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, por meio da Resolução 487/2023, o fechamento das 28 unidades de custódia no Brasil até maio de 2024. As instituições abrigam mais de 4.600 doentes mentais, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)

Com o fim das casas de custódia, Eduardo pode voltar para casa. A irmã, Ana Paula Gonçalves, de 42 anos, está preocupada. Os pais morreram e, entre os irmãos, ela é a mais próxima. Ana Paula é técnica de enfermagem e, como se divide entre plantões de 12 horas em dois hospitais, não tem como cuidar dele.

“Em ambiente terapêutico ele sempre está medicado, é um ambiente controlado, mas e aqui fora?”, pergunta Paula. “Não tenho como ficar de olho nele 24 horas por dia para ver se tomou a medicação, se está bem, se não vai surtar e cometer outro delito.”

Entre os detentos dos hospitais de custódia estão estupradores, pedófilos, assassinos de pai e mãe. Todos poderão voltar para o convívio da sociedade.

O psiquiatra Paulo Sérgio Calvo trabalha com atendimento em presídios no Estado de São Paulo há mais de 30 anos. Para ele, a diferença entre um preso comum e um internado em hospital de custódia está na loucura. “Se você soltar um assaltante, dias depois ele volta a roubar”, afirma. “Assim é com o doente mental criminoso. Se estiver na rua, vai voltar a cometer delitos.”

O aposentado Luciano Gomes da Silva, de 57 anos, conhecido como “Zé Marreta”, foi posto em liberdade depois de ficar 18 anos no HCTP de Franco da Rocha por ter matado a noiva, em 1993. Na época da prisão, testes indicaram em Luciano “deficiência mental, consistente em esquizofrenia paranoide, doença congênita, permanente e irreversível”. Em 2018, contudo, sua pena foi extinta por decisão judicial. Solto, ele voltou a atacar. Em 2021, Luciano matou a marretadas a auxiliar de limpeza Roseli Dias Bispo, de 46 anos, dentro de um dos trens da Linha 1-Azul do Metrô de São Paulo. 

Segundo os seguranças que o detiveram, Luciano alegou ter ouvido “vozes” e achou que a auxiliar de limpeza, que ia para o trabalho, o havia chamado de “mulher ou gay”. Em liberdade, Zé Marreta deveria ter sido amparado pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps) ou pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps), órgãos indicados na resolução do CNJ para acompanhar os doentes mentais criminosos que forem soltos.

“Esses órgãos não vão ficar 24 horas por dia com o paciente para saber se ele está tomando a medicação, diferentemente das casas de custódia, onde o medicamento é vigiado pelo profissional para não correr o risco de o interno jogá-lo fora”, afirma Calvo. “Se o Caps e o Raps tivessem capacidade, isso não teria acontecido.”

Outro caso bastante conhecido é o de Francisco da Costa Rocha, o Chico Picadinho, agora com 81 anos, condenado por matar e esquartejar duas mulheres. O primeiro assassinato foi em 1966, aos 24 anos, no centro de São Paulo. A vítima foi a bailarina austríaca Margareth Suida, de 38 anos, que fazia programas. Depois de uma noite de muita bebida, drogas e sexo, ele se tornou violento e a estrangulou, primeiro com a mão e, depois, com o cinto. Para se livrar do corpo, Chico Picadinho esquartejou a mulher e a colocou em uma sacola. 

Dez anos depois do crime, liberado por bom comportamento, voltou a estuprar, matar e estrangular outra mulher. A cena se repetiu em 1976 com a prostituta Ângela Silva, conhecida como “Moça da Peruca”, 34. Depois de espancá-la e estrangulá-la, ele a esquartejou e tentou jogar os pedaços do corpo pelo vaso sanitário. Picadinho fugiu para o Rio de Janeiro e foi preso 28 dias depois. 

Em 2019, depois de mais de 40 anos, trocou as grades de uma cela de penitenciária pela internação em hospital psiquiátrico por ultrapassar o limite de 30 anos de prisão. O futuro do assassino ainda é incerto.

Com o fim das casas de custódia, essas pessoas são abandonadas à própria sorte, colocando em risco a elas e à sociedade



Guido Palomba tem vasta experiência em psiquiatria forense | Foto: Reprodução Internet

Segundo o psiquiatra forense Guido Palomba, nenhum médico gosta de internar um paciente, seja qual for a especialidade. A internação só acontece quando não há outra forma de tratamento. “O médico quer tratar, a medicina alivia, só em último caso a gente interna um paciente, não para castigar, mas para confortar”, diz.

É comum, no momento da prisão, o suspeito dizer que não é responsável por seus atos, porque é usuário de drogas ou tem transtorno mental, mas o psiquiatra tem a capacidade de identificar cada caso. “É muito complexo”, afirma Palomba. “Juízes e psicólogos não têm noção, mas o psiquiatra sabe. Quando a pessoa pode ficar internada dois meses só para medicação, por exemplo, a gente indica um hospital comum. Quando é crônico, não tem respaldo familiar ou social e não adere à medicação, indica-se uma internação mais prolongada.”

Ao contrário do que dizem os defensores da política antimanicomial, o hospital de custódia não é uma entidade asilar, onde os internos ficam confinados por tempo indeterminado. Ele tem alta rotatividade. O Código Penal, entre os artigos 96 e 99, prevê que o paciente seja reavaliado a cada ano e que a desinternação seja progressiva. 

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A média de tempo de permanência dos pacientes no HCTP de Franco da Rocha é de três anos. Quando saem, o hospital aciona a Raps ou o Caps e faz acompanhamento fora dos muros por seis meses. No período de internação, além do tratamento clínico e psiquiátrico, os internos têm assistência odontológica e complementar, com núcleo de educação, recreação e terapia ocupacional. Os detentos ainda trabalham no ateliê de costura, em reforma de móveis escolares, conservação e jardinagem.

Entidades médicas contra o fim

A resolução do CNJ regulamenta a Lei Antimanicomial (2001), que já previa o atendimento desses pacientes na rede pública de saúde, como Raps e Caps. Mas é preciso entender que há uma diferença entre o doente mental e o doente mental criminoso. O primeiro pode conviver com a família, em sociedade e ser tratado. O segundo precisa de internação por tempo indeterminado.

Guido Palomba explica que a maioria dos doentes mentais não é portadora de periculosidade. “Estamos falando de uma minoria, da mesma forma que a maioria das pessoas não é criminosa”, garante. “Essa turma acaba estigmatizando o doente.”

Enquanto associações de psiquiatria e de direitos humanos defendem a aplicação da política antimanicomial, até como forma de pôr em prática o que hoje diz a lei, entidades médicas lançaram uma nota contra a resolução. Um texto assinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a Associação Médica Brasileira (AMB), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a Federação Médica Brasileira (FMB) diz que a medida não foi debatida com médicos e que haveria risco para a segurança pública.

“O sistema público de saúde e o sistema prisional comum não estão preparados para receber todas essas pessoas, por isso haverá abandono do tratamento médico, aumento da violência, aumento de criminosos com doenças mentais em prisões comuns, recidiva criminal, dentre outros prejuízos sociais”, informa a nota.

“É uma irresponsabilidade acabar com a instituição de custódia que está habituada com o paciente que comete crimes, que é muito diferente da psiquiatria comum”, afirma Paulo Sérgio Calvo. “Tanto as terapêuticas quanto o tratamento são diferentes.”

Foto: Reprodução

Para Guido Palomba, a medida de fechamento é incompreensível. Nos mais de 40 anos de psiquiatria forense, o especialista afirma que é uma das piores determinações que ele já viu. Em sua opinião, o texto assinado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, não deve ter sido lido.

Palomba cita como exemplo o ataque a uma creche em Blumenau (SC), em 5 de abril deste ano. Um homem matou, com uma machadinha, quatro crianças, feriu outras e depois se entregou. “Foi um franco surto delirante psicótico”, diz o psiquiatra. “Ele é um doente mental criminoso, então tem que sair do convívio da sociedade, porque se ele ficar vai delinquir.”

Palomba chama de ideológicos e terraplanistas os idealizadores da determinação do CNJ. “É um absurdo, eu conheço bem esse movimento”, diz. “Ele começou em 1970 em Trieste, na Itália. Teve certo desenvolvimento nos anos 1990, declinou e em 2000 estava morto. E eis que surge da noite para o dia agora de novo. Eles querem holofotes, querem pôr em perigo a sociedade. Por que não levam esse indivíduo para ser jardineiro na casa deles ou para ser babá da filha?”

Paulo Sérgio Calvo também remete à Itália o início da política antimanicomial. “Só que lá, dois anos depois recuaram, porque o número de homicídios em ônibus, metrô e barcas aumentou.”

Caberá à equipe de profissionais decidir quem ganhará a liberdade para receber tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) e quem permanecerá sob custódia do Estado, recebendo tratamento médico, mas longe do convívio social. Uma junta médica terá um ano para avaliar a situação de cada paciente. 

Se o laudo médico recomendar a reintegração social, a família do paciente poderá acolhê-lo “ou buscar a Defensoria ou o Ministério Público para pedir que ele continue longe das ruas”. 

Ao responder se tem medo que Eduardo volte a cometer delitos, Ana Paula não hesita. “Se não estiver sendo vigiado, como está agora, ele ficará mais suscetível a uma reincidência e a cometer os mesmos atos que o fizeram entrar nessa situação”, afirma. “Meu irmão tem uma doença.”

Champinha: o caso do criminoso não se enquadra na resolução do CNJ

Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, é autor de um dos crimes mais aterradores já cometidos no Brasil. Aos 16 anos, ele torturou e matou o casal de namorados Liana Friedenbach, de 16 anos, e Felipe Caffé, de 19, em Embu-Guaçu, na Região Metropolitana de São Paulo. 

Champinha | Foto: Reprodução

Era novembro de 2003. Liana e Felipe planejavam passar o fim de semana acampados perto de um sítio abandonado em Embu-Guaçu quando foram surpreendidos por Champinha e Paulo César da Silva Alves, o Pernambuco. Quando a dupla de criminosos percebeu que os adolescentes tinham pouco dinheiro, resolveram sequestrar Liana e Felipe. 

Os quatro foram para a casa de Antônio Matias de Barros, outro comparsa, que serviu de primeiro cativeiro para o crime. Na primeira noite, Liana foi violentada sexualmente por Pernambuco, enquanto Felipe permanecia no quarto ao lado. No dia seguinte, Pernambuco percebeu que Felipe não seria útil e o matou com um tiro na nuca. O corpo foi abandonado na mata e o criminoso fugiu para São Paulo.

Liana foi levada para a casa de outro comparsa, Antônio Caetano da Silva. No primeiro dia, Champinha a estuprou e, nos dias seguintes, o estupro passou a ser coletivo, com a participação de Antônio Caetano da Silva e Aguinaldo Pires.

Na madrugada do dia 5 de novembro, Champinha levou a vítima para o mesmo matagal em que Felipe havia sido morto. Ele tentou degolá-la e, ao falhar, desferiu golpes de faca nas costas e no tórax. Liana morreu de traumatismo craniano, quando Champinha golpeou sua cabeça com o lado cego da faca. Os corpos das vítimas foram encontrados cinco dias depois. Os assassinos foram localizados e presos em 10 de novembro.

Felipe Silva Caffé e a namorada, Liana Friedenbach | Foto: Reprodução

Aguinaldo Pires foi condenado a 47 anos e três meses de reclusão por estupro. Antônio Caetano da Silva recebeu 124 anos de reclusão por diversos estupros, e Antônio Matias de Barros foi sentenciado a seis anos de prisão e um ano, nove meses e 15 dias de detenção por cárcere privado, favorecimento pessoal, ajuda à fuga dos outros acusados e ocultação da arma do crime. Pernambuco pegou 110 anos e 18 dias por homicídio qualificado, sequestro, estupro e cárcere privado. 

Mesmo sendo menor de idade, Champinha era o líder do bando. Ele foi condenado a três anos na Fundação Casa. Ao completar 21 anos, no entanto, o Ministério Público requereu sua interdição civil depois que um laudo psiquiátrico apontou que ele tem doenças mentais graves, como transtorno de personalidade antissocial e leve retardo mental, sendo que pode apresentar risco à sociedade.

Champinha está preso na Unidade Experimental de Saúde (UES), na Vila Maria, zona norte da capital paulista. O local, vinculado à Fundação Casa, foi criado pelo governo do Estado para abrigar adolescentes e adultos infratores com transtornos psiquiátricos graves. A unidade é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde, e a segurança é feita pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Os internos da UES não se enquadram na resolução do CNJ.

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