Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: POLÍTICA OU BARGANHA?

De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO

Date: dom., 9 de jul. de 2023

POLÍTICA OU BARGANHA?

Salvo engano e com a devida vênia, tenho a impressão de que a mídia, de forma geral, aborda de modo difuso e leve a questão das emendas parlamentares e outras negociações entre Legislativo e Executivo. O que se encontra em jogo? A barganha como estratégia política. Ou seja, a troca, a permuta. E barganhar é negociar o preço da mercadoria. Qual a mercadoria em questão? O voto do qual o parlamentar é apenas o portador. Não é o dono. Voto que ele recebeu de seu eleitor para representá-lo no Parlamento. Acreditando no parlamentar que o representa, ao expressar os interesses de seus eleitores e o que é melhor para o país.

O que acontece na prática? A barganha dos votos dos parlamentares x adesão aos projetos de governo. Quando recebem como pagamento liberação de emendas e cargos na máquina governamental. Se existe preço, não existe a posição consciente do parlamentar baseada em princípios, conhecimento e demanda dos seus eleitores. Ou seja, a depender do governo e de sua visão de mundo, políticas públicas podem ser votadas trazendo por exemplo: uma proliferação enorme de armas com danos para a sociedade. Ou uma mudança na pauta de costumes, representando um atraso para conquistas já conseguidas pelo povo. Assim, cada vez mais naturalizada, a prática do é “dando que se recebe” prescinde de avaliação crítica e critérios morais. Contando com a leniência da sociedade e, aparentemente, incertos fundamentos.

Vejamos: o primeiro deles, ouvi esta semana, repetido por uma apresentadora em importante canal de televisão. Trata-se de argumento muito utilizado pelos parlamentares para justificar a existência das emendas: eles conhecem melhor seu município que o pessoal de Brasília. Qual o pessoal de Brasília? Os municípios são geridos pelos Prefeitos e suas equipes que, por sinal, residem no local e conhecem muito bem os desafios e as dificuldades de gestão. Assim como os governadores que “desfrutam” das emendas de bancada. Se os gestores são capacitados e honestos para os cargos é outro problema. Eles possuem vivência e conhecimento do município ou estado que governam, além de uma equipe técnica a lhes assessorar. Logo, decididamente, os parlamentares não têm a exclusividade sobre um conhecimento profundo e técnico de seus currais eleitorais.

Por outro lado, ao se colocarem como um intermediador de benesses entre comunidade e gestores, criam e fazem proliferar nos eleitores a dependência política, a alienação de seus direitos como protagonista e sujeito do processo político.Tornando permanente a personalização das relações políticas, em lugar da construção do coletivo, da cidadania organizada.

O segundo argumento é: as emendas são constitucionais. Sim. Mas quem as criou? Os próprios parlamentares. Sob quais fundamentos administrativos e éticos? Assim como criaram a verba indenizatória, levando para seu gabinete decisões de contratação de pessoal? Cuja lógica de descentralização administrativa é tão bizarra que deixa dúvidas e suposições estranhas no ar? Assim como criaram privilégios como os de passagens semanais para seus locais de origem, para todos os mais de 500 parlamentares? Embora substancialmente diferentes em suas origens, estas iniciativas fazem parte de uma mesma organizada e sistêmica criação de uma estrutura de privilégios e mordomias dentro do Congresso Nacional. Com uma enorme expansão de despesas para o Tesouro Nacional. Diga-se de passagem, em uma das grandes economias do mundo e uma das mais injustas sociedades em termos de desigualdade e injustiça social.

 Em terceiro lugar, afirmam que elas significam melhorias para as comunidades às quais são dirigidas. Sim, com recursos desviados do Orçamento. Em última análise, do Orçamento municipal ou estadual, nos quais estarão as obras mais importantes para a comunidade. E aí surge uma verdadeira aberração quanto à gestão administrativa. Em lugar dos recursos ficarem nas mãos dos Prefeitos, Governadores ou Ministros, ou seja, dos verdadeiros gestores, parte considerável deles é pulverizada nas mãos dos parlamentares através de decisões pessoais. Então, como decorrência, temos uma perversa inversão administrativa: os gestores ficam dependentes das emendas. Lembrando que uma parcela significativa dos recursos não terá nenhum controle ou fiscalização. Este ano o valor total empregado será de R$ 234 bilhões.

A pulverização de recursos que deveriam ser concentrados no Orçamento privilegia apenas uma parte do infindável número de municípios brasileiros. Aprofundando uma relação antidemocrática e clientelista entre parlamentares e população. Esclarecendo qual o verdadeiro interesse parlamentar, ou seja: o aumento do capital eleitoral através da propaganda gratuita, com recursos públicos do pagamento de nossosimpostos.

Por fim, lembremos três graves problemas relacionados a esse tipo de relação entre Legislativo e Executivo: a corrupção, a distorção da função parlamentar e a degradação do voto popular. Não é necessário falar de corrupção. Estamos todos cansados de vê-la nos noticiários de ontem e de hoje quanto a destinação das emendas e o desempenho nos cargos. Lembremos então, que a segunda função precípua do Legislativo é fiscalizar o Executivo. No entanto, ao barganhar emendas e cargos, a função fiscalizadora do Congresso se perde na iniquidade da adesão irrestrita ao governo. Pois, como fiscalizar estando na estrutura da máquina governamental? Quem exercerá o papel institucional de resguardar a qualidade dos serviços públicos?

Perde a democracia sob todos os aspectos. Inclusive pelo mais aterrador: os tentáculos do poder Legislativo sobre o Executivo ferem a harmonia e a independência entre os Poderes. Há uma perda da independência do Presidente do país para exercer a função de gestor. Que começa pela liberdade de escolha de seus auxiliares diretos. Eleito pela maioria da população, é limitado em suas funções por um Congresso que dita normas e indica quem quer para altos cargos da cúpula administrativa. Mas não se responsabilizará pelo fracasso do Governo.

Por fim, a degradação do voto popular quando é utilizado como objeto e moeda para barganhas. Sem nenhuma relação com uma decisão parlamentar racional e sensível aos destinos do país e de seu povo. O voto perde o seu significado. E nos convence de que não estamos em uma democracia. Seria em uma cleptocracia?

A impressão que fica de tudo quanto vemos, com a devida vênia, é que nosso processo de governabilidade é uma tsunami moral de falta de compromisso político, de ausência de representação. Nosso conceito de participação política é totalmente desvirtuado. Não diz da importância do debate democrático e da construção de soluções para os problemas do país. Engavetamos importantes votações desejadas pela sociedade como a extinção do foro privilegiado, prisão em segunda instância, limites para a reeleição de parlamentares, entre outras. Atrasamos reformas importantes para o povo em quase trinta anos. E quando elas são votadas, como a tributária, o Governo tem de barganhar para que seu projeto consiga passar no Congresso. Valor do pagamento do Governo para emendas parlamentares na última quarta-feira, segundo jornais: R$ 5.3 bilhões. Este valor é apresentado como maior por outras fontes. Ainda serão barganhados cargos no Executivo. Além de abrirem possibilidades de favorecimento de setores ligados a poderosos grupos de interesse. (07/2023/luiza)

 

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