Theresa Catharina de Góes Campos

  COMO  EU  GOSTO  DE  NADAR?

Theresa Catharina de Góes Campos

(Poema dedicado aos  meus  professores de natação, Juliana Emiko Taroda Gomes e Emerson Corona   -  Health Club Academia - São Paulo)

Como eu gosto de nadar?

Tranqüilamente...

Lanço-me de peito

na água-espelho,

com o rosto mergulhado

e os braços como asas

impulsionadas,

ritmadas.

 

Como eu gosto de nadar,

é bem devagar,

lentamente,

tranqüilamente

reconquistando o silêncio

que chega bem devagar,

harmoniosamente,

em sintonia com a água

que recebe meu corpo

por inteiro.

 

Recebe, mas não retém,

nem aprisiona.

Abraça-me, beija-me...

Sustenta e acolhe

e logo me liberta

docemente,

com suavidade,

tranqüilamente.

 

Quando eu nado sem parar,

tranqüila e calmamente,

é como se, dentro de mim,

eu alçasse vôo!

 

E nadar deixa de ser exercício,

porque braços e pernas

magicamente,

lentamente,

transformam-se em asas,

emprestadas pelos anjos,

permitindo a contemplação

individual, escondida,

de paisagens íntimas,

interiores.

 

São asas e olhos,

impulsos e batidas

do coração e da alma

pulsando juntos!

 

Como eu gosto de nadar?

Vou repetir:

lentamente,

para ver melhor

as paisagens interiores

de minha alma

e me reconciliar com o mundo.

Para me perdoar e

perdoar ao próximo.

 

Porque só nadando lentamente,

suavemente,

harmoniosamente,

com o sorriso que ninguém vê,

enxergo a harmonia íntima

de meu corpo,

no seu potencial de comunicação.

Porque só então eu me aceito

( ainda que temporariamente )

como sou ...

nas imperfeições e

limitações

que devo corrigir.

 

Recebendo em troca

dessa minha aceitação

que é ponto de partida,

poder enxergar na água,

que acolhe o meu corpo,

sem me prender,

as asas dos anjos

e das borboletas

que recebi emprestadas.

Enxergo também

o rosto invisível de Deus,

na beleza indescritível da água,

fonte e caminho,

embarcação e porto,

oásis e viagem,

berço e canção de ninar,

espelho e reflexo de luz.

 

Como eu gosto de nadar?

Lentamente, suavemente.

Porque a velocidade

confunde a minha mente,

desconecta-me do corpo,

arranca de mim as asas

que os anjos me emprestaram!

Faz-me cair das mãos de Deus,

embora eu saiba:

continuo sob o Seu olhar.

 

A velocidade me torna

ansiosa e sobressaltada,

prisioneira de objetivos

que não são meus,

de pensamentos que rejeito.

Fico buscando, como louca,

sem foco nem rumo,

onde está meu coração!

 

Como nadar bem,

se meu coração

saiu pela boca?

Como gostar de nadar,

se não encontro

minha respiração?

 

Onde estão as asas

a mim emprestadas

pelos anjos?

Bem, se não foram os anjos,

foram as borboletas...

Onde estão, pergunto, ansiosa,

essas asas emprestadas?

 

Subitamente rebelde,

intimamente

não aceito essa dicotomia

entre o corpo e minha alma.

Nadar assim, não posso!

Nem gosto!

 

Sim, é verdade

que eu devo

e posso aprender...

exercitando uma análise mental,

até mesmo em contexto de

dicotomia...

desde que seja temporária...

como se fosse a busca da utopia

a permitir meu crescimento

como pessoa,

mesmo rebelde,

pesada

e limitada.

 

Envolvida, embalada

pela água,

posso me acalmar,

para fragmentar

e decupar

os movimentos da natação.

 

O melhor pode vir depois,

realizando a montagem final

dos movimentos.

Perceber que a água

é comunhão

e livre arbítrio,

e comunicação

do corpo com a água

que recebe, acolhe,

sem reter, nem prender.

 

Ao invés de aprisionar,

a água liberta,

emprestando as asas

de anjos e borboletas.

 

Lá vou eu, consciente,

singrando, vencendo as águas,

sem ser navio nem barco,

praticando silenciosamente

a maiêutica das perguntas fundamentais.

 

Perguntando para aprender

avançar e crescer,

chego ao porto da hermenêutica,

ainda que resmungando 

íntima e silenciosamente,

fotogramas de rebeldia.

 

Afinal, para que serve

essa velocidade toda

nos exercícios de natação?

Eu nem vou competir !

Nem sou atleta...

Porque meu exercício do coração

é a leitura,

é escrever

com a inspiração

dos "travellings" cinematográficos

e as lentes anamórficas da alma.

 

Mesmo assim, aprisionada

em rebeldia pouco inteligente,

procuro raciocinar

tranqüilamente,

lentamente -

devo reconhecer

o indiscutível...

 

Toda essa velocidade,

que eu preciso praticar,

é para fugir

do excesso de peso,

escapar das doenças,

ficar bem distante

dos hospitais.

 

E fugir também,

(quem sabe, no futuro,

nas possíveis aventuras),

de tubarões  velozes, famintos

e das baleias assassinas.

 

Em paz com a verdade - 

irrefutável porque racional -

volto ao lirismo da natação.

Inegável ser a água libertadora.

Não aprisiona, acolhe,

sustenta e liberta!

Empresta-nos

os movimentos mais belos

que expressam,

na lentidão e

na velocidade,

as asas invisíveis

de anjos e borboletas.

Theresa Catharina de Góes Campos

São Paulo, 28 de fevereiro de 2006 ( Terça-feira de Carnaval )

 

Jornalismo com ética e solidariedade.