Theresa Catharina de Góes Campos

 
   
 
11 de Abril de 2006
 
Fale Conosco Expediente Mapa do Site
 
 
Assessorias
 
 

 

Artigo 10/04/2006 | 18:56
A mentira da objetividade
 
*Carlos Chaparro

O XIS DA QUESTÃO Jornalismo é um exercício mental inevitavelmente subjetivo. Não há como observar, apurar, depurar, para relatar ou comentar, sem a intervenção inteligente de ajuizamentos valorativos. Apesar disso, ainda há quem defenda a objetividade como virtude essencial do jornalismo. Fala-se em separação de opinião e informação como se a manchete não contivesse um ponto de vista, ou não fosse o resultado de uma intervenção opinativa provavelmente complexa. E como se a pedra angular da argumentação não estivesse nos fatos.

1. "Verdade" dogmática
Ainda fico impressionado com a quantidade de gente que exige e espera do jornalismo o milagre da objetividade, como se isso fosse possível e desejável. Sei, até, de professores e pensadores do ramo que não se acanham de ensinar e espalhar por aí que a tal objetividade deveria ser a virtude essencial da linguagem jornalística. Na concepção deles, estaria aí a grande marca de caráter do jornalismo. Por essa maneira de olhar e entender as coisas, teríamos de atribuir à objetividade propriedades de valor ético.
Dos que conheço, porém, nenhum dos pregadores da objetividade diz que bicho é esse. E porque nada explicam, transformam a objetividade em uma espécie de verdade dogmática, pairando acima de polêmicas e dúvidas.

Por causa dessa proposta dogmática do conceito, chegam-me, por e-mail, freqüentes solicitações de entrevistas, em busca do que penso sobre o assunto. Na esperança de reduzir a demanda, e também para dar uma satisfação aos que, por alguma circunstância, ficaram sem resposta, resolvi tratar do assunto neste espaço que a generosidade do mundo me concede.

Como jornalismo não é religião nem objeto de fé, há que pelo menos tentar explicar o que vem a ser esse "dogma" racionalista.

Mesmo correndo o risco de uma explicação pobre, começo por dizer que objetividade, no jornalismo, seria a capacidade de olhar os fatos em sua realidade material, sem perspectivas individuais "deformadoras". Os fatos teriam de ser olhados como "objetos reais" perceptíveis, mensuráveis, que valem e se esgotam em sua materialidade. Portanto, livres de componentes abstratos. O que significa dizer, descolados de qualquer dimensão valorativa.

Por esse conceito, não haveria na notícia nem espaço nem função para leituras ou entendimentos da interpretação. E aí temos uma asserção incompatível com o jornalismo, linguagem que, por natureza e vocação, está culturalmente obrigada a atribuir valor às coisas que narra. Para a narração jornalística, as coisas (os fatos, as falas...) são o que valem, não o que são.

2. Objetividade X Precisão
A notícia e a reportagem não são relatos frios, de coisas meramente materiais. Os fatos jornalísticos têm materialidade, sim. Mas têm, principalmente, causas, efeitos, contextos, significados. Valem pelas razões que os geraram, pela ação discursiva que contêm e pelas conseqüências que produzem ou podem produzir. Além disso, estão inseridos em cenários de conflito, onde sujeitos sociais agem e interagem no mundo pela notícia do que fazem e dizem. Isso obriga o jornalismo à ação de atribuir valor às coisas, para que o mais relevante se diferencie do secundário e com o secundário se relacione. E esse é um exercício mental inevitavelmente subjetivo.

Como (por exemplo) assumir critérios éticos de observação e relato sem a intervenção subjetiva, criativa, do sujeito narrador?

Decidir o que deve ser tratado como mais importante, para fazer um título ou uma abertura de matéria, é escolha impossível de realizar sem a utilização de critérios subjetivos de valoração dos fatos.

Em resumo, a objetividade simplesmente não existe, no jornalismo. Porque a observação e o relato estão no espaço do individual. Têm perspectiva, pertencente ao sujeito observador.

O que existe, e deve ser cultivado com crescente empenho e rigor, é a precisão, no recorte de dados, fatos e falas, para que o relato jornalístico tenha as indispensáveis virtudes da clareza e da veracidade.

Há quem confunda objetividade com precisão. Pois são coisas diferentes. Objetividade pertence ao universo das atitudes mentais. É um conceito de "objeto real", a ser visto pelo que é, não pelo que significa. Já a precisão é o resultado do uso competente de um conjunto de técnicas (de observação e captação) que servem aos fundamentos da linguagem jornalística, para que nela seja preservada a natureza da veracidade asseverativa, sua principal característica.

Mas não há como observar, apurar, depurar e relatar ou comentar sem a intervenção inteligente de ajuizamentos valorativos. Que, por sua vez, dependem de critérios subjetivos - qualquer que seja o texto, da simples notícia à mais complexa reportagem ou ao mais elaborado editorial.

3. Fraude secular
A crença na objetividade é filha legítima do velho paradigma que propõe a divisão do jornalismo em classes de textos opinativos e informativos. E essa é uma fraude teórica surpreendentemente persistente, já secular. Com a conservação de tal matriz mentirosa, se esparramam efeitos que, além de empobrecer o ensino e a discussão do jornalismo, tornam cínicas as suas práticas profissionais.

Fala-se em separação de opinião e informação como se a manchete não contivesse um ponto de vista, ou não fosse o resultado de uma intervenção opinativa provavelmente complexa.

Se não é hipocrisia, é ingenuidade dizer, e tentar convencer os outras a acreditar, que onde se informa não se opina, como se isso fosse possível. Ainda por cima, ao se propor essa fronteira entre opinião e informação, os manuais de redação sugerem que a opinião pode contaminar perigosamente o noticiário. É uma abordagem moralista que ilude a opinião pública.

Ora, o que qualquer bom jornalista procura fazer, em seu trabalho? Boas reportagens, boas entrevistas, boas notícias, bons editoriais, boas fotos.
Narrando ou argumentando, entregam-se à arte de associar os fatos às idéias, o essencial ao secundário, a aparência à essência, o particular ao geral, os dados às emoções, os acontecimentos à reflexão, os sintomas ao diagnóstico, a observação à explicação, o pressuposto à aferição.

A boa obra jornalística resulta, portanto, da relação interativa entre informação e opinião – uma relação dialética, estratégica, carregada de subjetividades.

O jornalismo não se divide em opinião e informação, mas se constrói com informação e opinião, tanto nos esquemas da narração (para relatar os fatos) quanto nos esquemas da argumentação (para comentar os fatos). O que existe, e se deveria estudar com seriedade, é a divisão entre esquemas narrativos e esquemas argumentativos – ambos com informação e opinião, em proporções e estratégias diferenciadas.

* Artigo originalmente publicado no site Comunique-se em 07/04/2006.

 
Últimas notícias:
10/04/2006 - Entidades criam Frente de luta para democratizar comunicação digital
10/04/2006 - Movimento da categoria foi intenso
10/04/2006 - Programação do Congresso dos Jornalistas estará disponível em poucos dias
 
HIGS 707 - Bl. R. Casa 54. CEP 70.351-718. Brasília - DF. Tels.: (61) 3244-0650/3244-0658. Fax: (61) 3242-6616. E-mail: fenaj@fenaj.org.br

 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.