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Pedro Valls Feu Rosa: A nossa alma
Pedro Valls Feu Rosa
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A nossa alma
31/08/2025 21:30 | Atualizado 31/08/2025 22:08 -
DiáriodoPODER
Nos idos de 2018, respondendo a uma pergunta
sobre o valor do idioma, o saudoso jornalista
Ricardo Boechat cunhou uma frase notável: “a
língua é a alma de um povo”. Eis aí, perfeito e
acabado, um alerta.
Fiquei a recordá-lo ao percorrer as galerias de
um centro comercial brasileiro (se houver algum
inglês lendo este texto, esclareço que “centro
comercial” é “shopping center” ou “mall”) e
deparar-me com uma placa dizendo “Join us for
50% OFF Black Friday week long Sale”. Estaria
ali, naquela vitrine, estampada a nossa alma?
Decidi ir a um restaurante, no mesmo centro
comercial. Era hora do almoço. Recebi, das mãos
de um funcionário, um cardápio intitulado “Lunch
Menu”. As opções eram as seguintes: “ribs”, “chicken”,
“crusted chicken” e “steakhouse pasta”. E quem
não falar inglês? Ora, que vá estudá-lo. Ou que
“peça ajuda aos universitários”. Ou que fique
com fome, para deixar de ser ignorante. Voltei a
me perguntar: estaria ali, naquele cardápio,
impressa a nossa alma?
Saindo do restaurante dirigi-me a uma loja
especializada em aparelhos eletrônicos. Buscava
adquirir um prosaico “radinho de pilha” para
presentear um amigo – sim, um daqueles aparelhos
portáteis que nosso povo costuma utilizar para
acompanhar jogos de futebol.
O primeiro modelo que me foi exibido pelo
vendedor não tinha sequer um controle em
português. E nem o segundo. E nem o terceiro.
Encurtando a prosa, não encontrei um único
“radinho de pilha”, feito no Brasil para
brasileiros, que dispusesse de um simples botão
“Liga/Desliga” – só “Pocket Radios” com
“On/Off”. Uma vez mais me indaguei se estaria
ali, no painel daquele aparelhinho tão popular,
retratada a nossa alma.
Saindo dali, tomei um taxi. O veículo era um
daqueles modelos tipicamente brasileiros,
fabricados por compatriotas nossos para nosso
exclusivo consumo. Porém, lá estava o painel de
instrumentos totalmente em inglês! Ao motorista
que não souber que o botão “start” aciona o
motor recomenda-se conduzir alguma carroça –
talvez o burro, brasileiro “da gema” que é,
entenda português, afinal!
Não sou – e fique isso muito claro – adepto do
isolamento. Defendo, antes, que temos muito a
aprender com outros povos. Só acho que nossa
alma de brasileiro não pode ser – como não é –
medíocre a este ponto. Só isso, e nada mais do
que isso.
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal
de Justiça do Espírito Santo. |
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