Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: A GRANDE OMISSÃO!



De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>
Date: sex., 12 de set. de 2025
Subject: omissão

A GRANDE OMISSÃO!



Um assunto que me ocupou durante alguns anos foi o tratamento do alcoolismo, como coordenadora de um Programa no Hospital Universitário de Brasília. Com uma equipe formada de psiquiatra, psicólogas e assistentes sociais. A convivência diária com os problemas decorrentes da dependência do álcool me deixou obrigatoriamente curiosa sobre o que se fazia no DF sobre o tema e a dependência de drogas em geral. Então, naquela época, fui a um encontro de comunidades terapêuticas ligadas ao atendimento da dependência química. E me senti incomodada, pois não havia profissionais da área. Somente a autoridade governamental e os responsáveis pelas comunidades. A maioria deles ligados às Igrejas protestantes. Não houve discussão sobre o enfrentamento do problema. O incômodo com a situação voltou agora, recentemente, com a reportagem do Correio Braziliense sobre o incêndio que aconteceu na comunidade terapêutica Liberte-se, com 11 feridos. Dos quais quatro em estado grave.

Qual o problema? A suspeita do Delegado responsável pelo caso é que o incêndio não foi uma pane elétrica, mas produto da ação humana. E ele se refere como “chocante” a situação apresentada por funcionários e usuários da clínica sobre o modo como os pacientes eram tratados: trancados por fora, maus tratos, trabalhos forçados. E punição se algum interno se negasse a realizar o que lhes era exigido. Lúcio Carvalho de Freitas Junior é autor de um trabalho sobre financiamento de comunidades terapêuticas de 2019 a 2022. Financiamento que vem do Fundo Antidrogas do Distrito Federal (FUNDOC) e da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção de Drogas (SENAPRED). No trabalho é igualmente abordada a violência encontrada nessas comunidades, na forma como tratam os dependentes químicos - seus pacientes. Foram denúncias bastante divulgadas, segundo o autor e, tal como agora, abrangiam sérios problemas no atendimento: falta de assistência, de alimentação e higiene básicas, os maus tratos e a humilhação. Além da utilização dos pacientes como mão de obra.

Na verdade, os resultados e condições de atendimento abordados na imprensa apontam uma significativa omissão das fontes financiadoras na escolha e avaliação das comunidades terapêuticas. Pois, quais rigorosos critérios técnicos são utilizados no processo de escolha? Quantas possuem equipe técnica básica, que inclui o psiquiatra, psicólogo e assistente social? Trata-se de uma condição indispensável e sem a qual não é possível assumir a responsabilidade do atendimento. Necessário também identificar as estratégias de tratamento e o processo de avaliação. O fato é que a persistência dos problemas no atendimento dos pacientes é de extrema gravidade e demonstra a omissão do governo em fiscalizar as comunidades terapêuticas. Tornando-se, portanto, igualmente responsável pelo indigno e perverso tratamento dos dependentes químicos em serviços financiados com recursos públicos.

O dependente químico é um ser em sofrimento. A droga é o caminho e a destruição. Para o qual ele é impelido por suas circunstâncias de vida, sua profunda inquietude diante da existência e a negação de si mesmo. Não desejar o tratamento faz parte de sua visão de mundo. E podem estar nas clínicas obrigados pela família. Esta realidade tem de ser compreendida no tratamento, fundamentado no acolhimento, no respeito, na seriedade e capacidade dos terapeutas. Condições que exigem capacidade institucional.

Por fim, somos muito generosos em dizer que vivemos em um país democrático. E profundamente envolvidos em reiterar a importância da livre expressão e do voto. Democracia é principalmente igualdade de direitos vivida no cotidiano, na realidade dos cidadãos. Principalmente os menos favorecidos. Mas que direitos têm os pacientes dessas comunidades terapêuticas, nas quais a omissão estatal aprofunda o sofrimento dos dependentes? Tratados como excluídos, alienados de sua dignidade, de sua importância como pessoa, desrespeitados? Este é o fundamento de nossa democracia. Que de democracia só tem o nome. (09/2025/luiza)
 

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