Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA: MEMORÁVEIS TEMPOS NO "CORREIO BRAZILIENSE "




Date: qua., 17 de set. de 2025
Repassando: MEMORÁVEIS TEMPOS NO "CORREIO BRAZILIENSE "

Recordar é viver! E, às vezes, exercitando a memória, a respeito de tempos passados, a gente pensa, com serenidade, que gostaríamos de permanecer para sempre, como éramos, em tempos do distante passado. Mas é o próprio tempo que se encarrega de tudo apagar, e talvez de tudo matar, se a memória é curta e não deseja ser exercitada..

O cenário politico brasileiro, na década de 1960, era duro, assim como se nota, tmbém nos dias de hoje, sob o disfarce de uma democracia fantasiosa, que não existe e nunca existirá , como acredito, neste ingrato país.

Era aquela época do AI 05 (13 de dezembro de 1968), em que também, como hoje, baniu-se a liberdade de expressão da nossa estúpida realidade nacional. Havia censores nas redações de todos os jornais. Alguns - como "O Estado de S. Paulo", para o qual eu trabalhava - ocupavam o espaço destinado ao noticiário de natureza polica censurado, pela publicação de longos poemas de Camões, de Fernando Pessoa, de Castro Alves, de Jorge de Lima, de Olavo Bilac, e de muitos outros bardos portugueses e brasileiros.

O principal matutino da Capital brasileira - hoje tomada por pombos, ratos,
morcegos, calçadas estraçalhadas, e ladrões -, o "Correio Braziliense", para não perder sua volumosa tiragem, decidiu investir mais no noticiário cultural, que, em tese, poderia escapar à fúria da tesoura dos censores.
Assim, foi criado o "Caderno Dois ", que o editor do jornal, Ari Cunha, convidou, para editá-lo, o jornalista José Helder de Souza, meu amigo.

Ele, conhecedor dos meus pendores de cinéfilo inveterado - na época eu estudava os elementos da linguagem cinematográfica, através do manual de Jean Mitriz, que fora professor de Jean Luc-Godard - pensando, não nego, em, um dia, tornar-me um cineasta. Na boca da escuridão, eram sonhos, muitos sonhos, que eu cultivava, mas não o suficiente para
concretizá-los.

De imediato, Zé Helder, como o tratávamos, formou poderosa equipe para, no período matutino, editoriar o "Caderno Dois". A equipe era formada pela francesa Yvonne Jean, que se encarregava de cobrir as atividades culturais das Embaixadas - como a da França, que exibia, com regularidade, em seu espaçoso auditório, os mais recentes lançamentos da Nouvelle Vague - filmes de Godard, de Truffaut, de Melville e outros; o desembargador Hugo Auler e Olívio Tavares, que cuidavam das artes plásticas, ou seja, das exposições de pinturas e esculturas, de artistas de fora, como Marchetti, nas duas ou três galerias da cidade e alguns da cidade; Arnaldo Paz, que cuidava dos assuntos televisivos; Liana Sabo, que cuidava da arte culinária, destacando as especialidades dos diversos restaurantes de Brasília; José Jezerde Oliveira, que cuidava de literatura, comentando os mais recentes livros, lançados no país; Alfredo Obliziner, que escrevia crônicas variadas; Talita de Abreu, que comentava a vida do "grand monde" social da cidade (festas de aniversários, casamentos, batizados, etc.); e eu, que me tornei assim o primeiro crítico regular de cinema e de teatro do jornal.

Como relato, em meu novo livro “ Profissão: Jornalista “ - já editado em processo digital ( e-book ) pelo Kindle Direct Publishing, da Amazon -, a coluna de Cinema chegou a receber elogio da 20th Century Fox, através de seu Departamento de Relações Públicas. Além disso, pelo menos, duas matérias, ao que me lembro, ganharam destaque, na primeira página do Caderno Dois: a primeira foi em defesa da liberação, pela Censura, do filme “ Teorema “, de Píer Pasolini, que eu conheceria, anos mais tarde - 1973 - almoçando, com amigos, véspera do Natal, em um restaurante, em Roma.
A película estava ameaçada de ter sua exibição interditada no Brasil. A matéria, que escrevi, era baseada em farto noticiário publicado pela imprensa estrangeira, na qual eu citava, inclusive, o parecer do Office Catholique du Cinéma, que premiara o filme no Festival de Veneza. Não deu outra. O Departamento de Censura, vinculado ao Ministério da Justiça, pressionado, se viu forçado a fazer uma exibição especial, destinada à cúpula do governo, para a qual eu também fui convidado. E, logo depois, "Teorema" foi liberado a fim de ser exibido, em todo o país; a segunda matéria foi sobre a morte da primeira dama do teatro brasileiro, como era tida, Cacilda Becker, que morreu, talvez, como quisesse, no palco, vítima de um AVC fatal, quando interpretava um dos personagens de "Esperando Godot", de Samuel Beckett. Eu conhecera Cacilda Becker, em São Paulo, na primeira fase de minha vida profissional, no palco e, posteriormente, em um café, da Sete de Abril, já tarde da noite, depois de terminado o programa "Grande Teatro Tupi", no qual ela interpretara "A Dama das Camélias", de Alexandre Dumas Filho. Acompanhada do marido, Walmor Chagas, ela, embora cansada, me atendeu, muito cordialmente, como era do seu estillo, para uma entrevista. A matéria, sobre a morte da grande atriz, estampada também na primeira página do Caderno Dois, ganhou grande repercussão nos meios arísticos nacionais. Afinal, é isso aí!... São as minhas lembranças, jamais apagadas da memória, da minha atuação no Caderno Dois do "Correio Braziliense ".

Na foto ilustativa deste artigo, que consta dos meus arquivos pessoais, aparecem, da esquerda para a direita, Alfredo Obliziner, Dora Pacheco - da área publicitária -, Liana Sabo, eu, Yvonne Jean e Ari Cunha.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
Brasília, setembro de 2025

 

Jornalismo com ética e solidariedade.