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LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: CULPA E PERDÃO!

De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>
Date: qua., 8 de out. de 2025
Subject: culpa e perdão
CULPA E PERDÃO!
Eis a grande questão desde a origem: lidar com a
realidade. Que embora apareça cercada por muitos
aspectos construídos por nós mesmos, assume
igualmente feições específicas, diversas e com
as quais não contávamos. Mesmo porque, seja lá o
que fizermos, estamos sempre na dependência de
uma situação maior e daqueles que a vida nos
deixou cercar. Somos sempre influenciados e
determinados por fatores não manipuláveis por
nossos objetivos e esforços de vida. E nossa
onipotência, se houver, encontrará sérios
limites. Se houver amor e respeito ao nosso
redor quando crianças, talvez possamos realizar
grande parte de nossos sonhos. Seremos capazes
de, conscientemente, utilizarmos o poder que nos
for legado para realizar mudanças e produzirmos.
No entanto, não é fácil e, assim, nem sempre
somos o que esperávamos. Nem sempre realizamos
tudo o que queríamos. Mas, certamente, se
conseguirmos forças e poder de decisão, nossa
vida não passa em vão. E à medida em que
vencemos as dificuldades, desde a tenra
infância, vamos criando este sentimento de que
vale a pena viver. Não nos tornamos submissos,
mas reivindicamos nosso lugar, a consciência do
ser.
No entanto, há elementos que permanecem e com os
quais, surpreendentemente, não sabemos lidar. A
culpa é uma delas. Entre outras, esta tem me
perturbado bastante. Assim, venho lidando há
algum tempo com o fato de que tendo de viajar
para outro estado, levei meu cachorro para uma
clínica, onde o deixei para buscá-lo quando
chegasse, cerca de 20 dias depois. Todas as
lembranças vieram bem vívidas após eu descobrir
os vídeos com cachorros e gatos, com os quais
comecei a me distrair. Lembrava então da
confiança de Buck ao entrar no carro, não
esperando ser deixado em um lugar que não fosse
sua casa. E, depois, seus latidos me chamando
quando voltei para o carro. Após viajar,
passados alguns dias, o chefe da Clínica me
telefona dizendo que ele tinha morrido. Clínica
na qual, soube tempos depois, costumavam morrer
muitos cães. Bem, isto aconteceu há cerca de 20
anos e não tem me deixado em paz.
Marilia Velano em seu artigo “Crueldade,
promessa e perdão”, na revista Cult, cita Arendt
quando diz que “o perdão é um dos remédios da
alma para lidar com a irreversibilidade da
vida.” Talvez eu precise pensar muito nesta
possibilidade. Com mais de oitenta, para muitos
de nós já passou da hora de nos desvencilharmos
do medo, da raiva, do arrependimento e da culpa.
Do medo assevero que é um tanto difícil porque,
sinceramente, a proximidade da morte é
avassaladora.
A realidade, como lembra Velano, não se curva a
nenhum controle e “o que resta ao sujeito é
renúncia atrás de renúncia e algumas promessas
no horizonte.” Esta relação com o real,
portanto, requer uma força, uma confiança, uma
consciência que nos façam mais compassivos,
menos exigentes, mais confortáveis com a vida e
seus limites. Que nos permita realizarmos o que
nos prometemos para sermos felizes e fazer os
outros igualmente felizes. Sim, realizarmos
nossas promessas como condição de vida.
Incluindo nos livrarmos das culpas. A autora
cita mais uma vez Hannah Arendt ao afirmar: “a
promessa é um dos remédios da alma para darmos
conta da imprevisibilidade da vida”. (10/2025/luiza) |
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