Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO: VIDA E CINEMA!



De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>
Date: dom., 7 de dez. de 2025
Subject: cinema

VIDA E CINEMA!

Em “O que Sócrates diria a Woody Allen – (cinema e filosofia)” o autor, Juan Antonio Rivera, afirma que o livro pretende “ser ao mesmo tempo uma introdução à filosofia para os amantes do cinema e uma introdução ao cinema para os amantes da filosofia.” Explica que o critério para a seleção dos filmes foi, em primeiro lugar, a força com que ele deixa ilustrada uma determinada questão filosófica, e só depois levou em conta a sua qualidade estética. Esclarece que, embora sejam apresentados filósofos clássicos como Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho, por exemplo, nomes como John Rawls, Robert Nozick ou John Ester também aparecem. E que são tratadas certas matérias consideradas perenes e indispensáveis da filosofia: o amor, a morte, a felicidade, a racionalidade, a maldade, a falta de vontade, o acaso... Assim como a formação do gosto moral, a tentação do bem, “o apetite faustiano ou as agruras da escolha racional”.

O primeiro texto do livro, “O que não se pode conseguir pela vontade 1 – O colecionador”, é a história de Freddie - um rapaz muito tímido que trabalha em um Banco. Após ganhar 71 libras nas apostas, abandona seu trabalho e resolve levar a sério sua paixão por Miranda, sequestrando-a. Ela tenta fugir sem conseguir a liberdade. Assim, procura também convencer Freddie de que ela o ama, mas ele não acredita nela. O autor cita Ortega y Gasset ao afirmar que a paixão é um estado de imbecilidade transitória. Aparentemente, não é o que acontece com o sequestrador. Embora permaneça enamorado por Miranda, ele sabe que as declarações dela de amor por ele são falsas. Os dois passam por momentos esclarecedores, nos quais sentem alguma compreensão mútua. Miranda, inclusive, sente solidariedade em relação à tortura pela qual Freddie está passando. Ao mesmo tempo, ele se ressente pela reação negativa de Miranda ao fato dele colecionar mariposas. O que ela considera um aspecto “patológico”, julgando seu sequestrador um embalsamador de vidas. O que o deixa desiludido e constrangido. Por outro lado, quando Miranda, pressionada, demonstra ceder aos seus anseios de amor, Freddie tem consciência de que tudo não passa de mentira. Que ninguém se enamora tendo de se esforçar para isto.

A análise de Juan Antonio Rivera sobre o texto ensina que, mesmo acreditando em alcançar objetivos na vida, não conseguimos em relação a muitos deles. Apesar, diz ele, “da intensidade com que os desejamos e apesar do ímpeto selvagem que pomos em consegui-los.” E esclarece: ao contrário, esse empenho tenaz pode se voltar contra nós e nos impedir de alcançar as coisas que desejamos intensamente. “Trata-se de objetivos que atingimos melhor quando desistimos de ansiar por eles, ou só os atingimos se desistimos deles.” Por outro lado, ele chama a atenção para o fato de nossas intuições e sentimentos morais não terem muita coerência como imaginávamos. Além de não se esclarecerem diante de nosso olhar “como uma superfície embaçada e contínua”. Ao contrário, eles se revelam como “estranhos reflexos e rugas”, principalmente para nós mesmos. Ressalta a importância do conhecimento prático da vida, que costuma não ser percebido, mas constitui a base da existência tanto individual como coletiva.

Freddie, ao sequestrar Miranda, cada vez mais se afasta de conseguir o seu amor. A convivência os aproxima, estimula a sensibilidade para com o outro, no entanto, como afirma Rivera: “Há em toda situação uma interferência inevitável: tratar de conseguir uma situação como a paixão impede de fato que alguém se apaixone”. O autor chama a atenção para a palpável assimetria das relações no filme. Freddie sabe de seu fracasso em conseguir estar mais próximo de Miranda. E esta “usa as luvas e a máscara anti-gás colocadas no momento em que Freddie lhe faz ingressar em seu mundo particular, quando decidiu que as paixões de um “louco” só podem ser tóxicas.”

O filme de William Wyler “O Colecionador” e sua análise filosófica nos coloca diante de nossa ambiguidade diante da vida, de nosso esforço para ser feliz. De quanto podemos usar nossa vontade de conseguir algo e, mesmo assim, sentir que tudo escapa de nosso controle. De compreendermos o quanto o alcance de nossos desejos está condicionado à nossa situação de vida. E dos limites que se estabelecem no cotidiano pois, como esclarece Rivera, “o próprio ato de tentar algo interfere em conseguir aquilo que foi tentado.” (12/2025/luiza)
 

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