Theresa Catharina de Góes Campos

  ACORDO  QUEBRADO

A FIDELIDADE SALVA A VIDA DE UM CASAL


“Acordo Quebrado”, ganhador do prêmio de Melhor Filme de 2003, da Associação de Críticos da França, completa uma trilogia – os outros se intitulam “Um Casal Admirável” e “Em Fuga” – que o ator e cineasta belga, Lucas Belvaux, realizou em 2002, abordando a vida de três casais que se conhecem, mas que são focalizados, nas três películas, sob tons diferentes de thriller, comédia e melodrama.

Embora não seja necessário ver um filme para compreender o outro (ou os outros), é bom saber que as ações se repetem nos três. No primeiro, Cécile, ao perceber mudança de comportamento do marido, Alain Costes, contrata o policial Pascal Manise, marido de sua amiga Agnes, para investigar se procede sua suspeita de adultério. No segundo, o terrorista Bruno Le Roux, preso há mais de quinze anos, foge da cadeia e procura manter contato com pessoas, como Jeanne Rivet, amiga de Cécile Costes e de Agnes Manise.

O terceiro, “Acordo Quebrado” – em exibição nos cinemas -  mostra a intimidade da vida do policial sem escrúpulos, Pascal Manise (Gilbert Melki) que, nos últimos quinze anos, vem mantendo ligações com  traficantes de droga para abastecer a mulher, professora, Agnes (Dominique Blanc), viciada em morfina.

O filme de Belvaux é desde o início de atmosfera lúgubre, pesada, semelhante à dos filmes “noir”, aos quais remete também o comentário musical de Ricardo Del Fre, que pode parecer por isso ao espectador um pouco superado.  A imagem inicial  - em que Pascal vê de um teleférico o cair da noite sobre a cidade de Grénoble na fotografia sombria de Pierre Mélon – dá por sinal  o tom de melodrama em que se vai desenrolar a narrativa.

O amor que Pascal nutre pela mulher, embora comovente, o torna escravo também do seu vício. Essa é a questão. Impotente para negar-lhe o pedido da droga sob o poder da qual ela se mantém dormindo, enquanto ele trabalha noites a fio, Pascal é um indivíduo que se sente ridículo. Por isso é amargo, de face pesada, dura e marcada, que descarrega as frustrações domésticas nas pessoas sobre as quais incidem as investigações policiais que realiza.

Com a fuga de Bruno Le Roux (Lucas Belvaux) da cadeia, a situação de Pascal se complica ainda mais, pois, o chefe do tráfico de drogas, de forma pouco justificável, impõe como condição para continuar lhe fornecendo a morfina para a mulher a morte do terrorista. É a partir dessa questão que o roteiro de Belvaux claudica e se torna às vezes vago, impreciso e, muitas vezes, desconexo, repetitivo, tanto que confunde o espectador.

Se o roteiro tem esses defeitos, a direção de Belvaux - ex-assistente de Marcel Camus e de Claude Chabrol, com quem mais se identifica -  é segura, firme, caracterizada por uso constante de planos fechados sobre os dois personagens principais, captados pela câmara no ombro, que se põe assim a serviço dos atores. E como os atores sabem tirar proveito disso!... De forma magnífica.

Gilbert Melki e Dominique Blanc estão soberbos em suas atuações. Melki compõe o personagem contraditório de Pascal de forma perfeita e Dominique tem momentos memoráveis nas crises das fortes dores que sofre por falta da morfina ou na busca tresloucada por heroína nos pontos de venda da droga pelas escuras ruas da cidade. Os dois se complementam para dar ao espectador ao imagem exata de um casal que se definha e que pouco a pouco se aproxima de um triste final.

É Ornella Muti – atriz que continua muito bonita por mais que passem os anos – que, no papel de Cécile Costes, suscita a idéia central do filme, isto é, a questão da fidelidade na vida conjugal. No primeiro filme, “Um Casal Admirável”, a obsessão pela fidelidade é dela. Em “Acordo Quebrado”, é ela também que recusa com sonoro tapa na cara a pretensão de Pascal  de flertá-la, quando o contrata para investigar o marido.

De qualquer forma, porém, a fidelidade, nesse terceiro filme da trilogia de Belvaux, é preocupação, não só de Cécile, mas também e principalmente de Agnes e de Pascal. Por mais que ambos se exponham ao mundo exterior e não se satisfaçam – Agnes ajuda a fuga para a Itália do terrorista procurado pelo marido -  é na fidelidade que vão encontrar a pedra de salvação. Em outras palavras, o que Belvaux quer mostrar, de forma um tanto complicada – concordo - por deficiências do roteiro, é que a fidelidade pode salvar a vida de um casal. A imagem final, com a visão da cidade de Grénoble ao fundo, é bastante elucidativa, a meu ver, neste sentido.

 

                                               REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

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FICHA TÉCNICA

ACORDO QUEBRADO

APRÉS LA VIE

França/Bélgica, 2002

Duração – 123 min.

Direção – Lucas Belvaux

Roteiro – Lucas Belvaux

Fotografia – Pierre Melon

Música – Ricardo Del Fre

Elenco – Dominique Blanc, Gilbert Melki, Ornella Muti, Catherine Frot, François Morel, Lucas Belvaux, Bernard Mazzinghi, Patrick Descamps

 

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