Theresa Catharina de Góes Campos

  ESTRELA SOLITÁRIA

TRÊS ATRIZES DOMINAM O NOVO FILME DE WIM WENDERS

 

Após vinte e dois anos, Wim  Wenders reconstitui parceria com Sam Shepard, com quem realizou o seu mais famoso filme, “Paris, Texas” – Palma de Ouro, em Cannes (1984) – para produzir esse outro belo trabalho, “Estrela Solitária”, em exibição nos cinemas, que aproveita o cenário do tradicional “western” para abordar,  também, como o anterior, dentro da linha do “road movie”, a questão da desintegração da família como fator da decadência social.

Na verdade, Wim Wenders já estava a dever aos apreciadores de sua obra um filme dessa categoria de “Estrela Solitária” – também selecionado pelo Festival de Cannes (2005) -  pois, desde a memorável colaboração com Michelangelo Antonioni, em “Além das Nuvens” (1995), em termos de ficção, ele não havia realizado nada comparável. O melhor que fez, nos últimos anos, foi o documentário, rodado em Havana, “Buena Vista Social Club” (1998).

A história de “Estrela Solitária” se passa em Nevada, Montana e Utah. Neste último Estado, diante da paisagem de montanhas registrada na obra de grandes mestres do “western”, como John Ford, se estabelece um set de filmagem de mais um filme do gênero, estrelado por um ator, Howard Spence ( Sam Shepard), que já teve seus anos de glória, quando abusou do uso de álcool, de droga e de homéricas farras com mulheres.

Sem que ninguém da equipe de filmagens perceba, Howard foge a cavalo, atravessa montanhas, troca sua roupa com um andarilho, pega um trem, que o leva até onde possa alugar um carro e, enquanto dirige, pelo celular, comunica-se com a mãe – que não vê há mais de trinta anos –  e pergunta-lhe se pode visitá-la. Numa outra cidade, ele apanha um ônibus e segue para Elko, Nevada, local em que passou boa parte de sua vida e onde sua mãe ainda vive.

A mãe (Eva Marie Saint) o recebe na parada do ônibus, com um buquê de flores de plástico. Surpreso, ele lhe pergunta se as flores são para ele. Prontamente, ela lhe responde: “Não!... Que absurdo! O que você vai fazer com flores de plástico?” Ela o leva ao cemitério, onde se encontra enterrado o marido. Reclama por não haver conseguido, na época do enterro, lápide branca de mármore, usada em quantidade nas sepulturas dos soldados mortos no Vietnam. O que foi possível conseguir, segundo ela, foi um tampo de sepultura de granito, do qual não gosta, em cuja lápide se esclarece que o pai de Howard foi combatente da II Guerra Mundial.

Enquanto isso, em Utah, a empresa produtora do filme, estrelado por Howard, sem poder dar continuidade às filmagens, contrata um detetive particular, Sutter (Philipe Roth), para ir à procura dele. Sutter  logo deduz que, tendo ele rompido com quase todas suas amizades, só poderia ter ido visitar a mãe em Nevada. E parte à sua procura. Em Elko, Howard, depois de se envolver em confusões no cassino da cidade, fica sabendo, pela mãe, que tem um filho em Montana, pois, uma moça da cidade, onde ele realizou um filme, lhe telefonara para dar conhecimento do nascimento do neto. Para que ele vá em busca do filho, a mãe lhe dá o carro do pai guardado na garagem desde a sua morte.

É em Butte, Montana -  cidade que teve fase de esplendor no passado, mas se encontra hoje em decadência - que Howard vai saber que tem, não apenas um filho, Earl (Gabriel Mann), cantor de rock, mas também uma filha, Sky ( Sarah Polley), pois engravidara duas mulheres, uma das quais ainda viva, a garçonete Doreen (Jéssica Lange), durante as filmagens que ali realizou. É nas seqüências de Butte também que Wim Wenders vai impor as características de seu estilo, as quais guardam ainda  as influências marcantes de Godard e de Antonioni.

Lembram o mestre italiano, por exemplo, as tomadas, pela fotografia de Franz Lustig, das ruas desertas da cidade decadente, bem como a cena em que Earl, depois de conhecer aquele que se diz seu pai, vai tirar satisfações com a mãe pela forma como tudo se deu para que ele nascesse, vinte e cinco anos atrás. Doreen chama o filho para o fundo do bar, do qual de garçonete passou a ser proprietária. Leva-o para um beco, onde existe um paredão de cor vermelho-ocre que compõe, como pano de fundo - à maneira também de Antonioni - o quadro do desespero em que se encontra o inconseqüente Earl.

Não só pela direção de Wim Wenders, como pela interpretação de Jéssica Lange, a seqüência é, como não poderia deixar de ser, memorável. É, na verdade, o preâmbulo do embate que mais tarde vai-se dar entre Earl e Howard por meio do qual o roteiro – de Wim Wenders e Sam Shepard – ataca  a questão da paternidade irresponsável, melhor entendida talvez pela tradução literal do título do filme em inglês -  “Não venha batendo” : “Eu não quero saber de pai!” – diz Earl. “Por quê? – pergunta-lhe a namorada, Amber (Fairuza Balk).  Pode ser legal ter um pai...”  “Mas eu não quero!... – insiste Earl. Ao que Amber complementa: “De repente, ele pode lhe trazer um zilhão de dólares!...Você não sabe!...” Então Earl pega da guitarra, que atirara da janela para a rua, e extrai dela uma canção: “Quem é Howard?...Onde está Howard? Por onde anda Howard? ... Por sinal, o comentário musical do filme, de T-Bone Burnett, constituído em parte de baladas -  uma das quais interpretada por Earl -  é magnífico.

Embora os intérpretes masculinos, Sam Shepard e Gabriel Mann tenham boas atuações, é o trio de mulheres – Eva Marie Saint, Jéssica Lange e Sarah Polley – que domina o filme. A primeira – Oscar, por “Sindicato de Ladrões”, de Elia Kazan (1954) - , em breve atuação como a mãe, que não via o filho há anos, mas seguia sua vida pelas notícias de jornais, as quais colecionava num álbum, tem atuação inesquecível. Jéssica Lange, como Doreen, é a mulher madura, orgulhosa do patrimônio que construiu e do filho que criou, fruto do amor que um dia sentiu por Howard, mas que soube sufocar dentro de si mesma. A terceira, Sarah Polley, comove pela expressão de ingenuidade de Sky, que anda, sem destino, pelas ruas da cidade com as cinzas da mãe dentro de um vaso, sozinha, tentando se aproximar dos dois tipos imbecis e arrogantes: o  pai e o irmão. Além de ter a face meiga e bonita, Sarah Polley, é uma atriz de muitos recursos que, por ser a mais jovem das três, tem belo futuro pela frente. Enfim, “Estrela Solitária” é o filme que Wim Wenders há muito devia aos apreciadores de sua obra.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
                                                                  ROTEIRO, Revista

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FICHA TÉCNICA

 

ESTRELA SOLITÁRIA

DON´T COME KNOCKING

França/Alemanha/EUA/2005

Duração – 122 min.

Direção – Wim Wenders

Roteiro – Wim Wenders, Sam Shepard

Produção – Peter Schwartzkopff

Fotografia – Franz Lustig

Música – T-Bone Burnett

Editor – Peter Pizygodda

Elenco – Sam Shepard (Howard), Jéssica Lange (Doreen), Tim Roth (Sutter), Gabriel Mann (Earl), Sarah Polley (Sky), Eva Marie Saint (mãe de Howard),

Fairuza Balk (Amber)

 

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