Theresa Catharina de Góes Campos

  Fenaj - Federação Nacional dos Jornalistas
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Afinal, o que faz uma assessoria de imprensa?
 
*Elisa Kopplin e Luiz Artur Ferraretto
Qual o papel de uma assessoria de imprensa? A resposta óbvia a tal pergunta está na sua própria denominação. Pode-se, de fato, propor a seguinte definição para este tipo de trabalho: serviço da assessoria de comunicação social que realiza a intermediação da comunicação entre uma empresa, entidade ou pessoa física e os meios de comunicação, tendo como matéria-prima a informação e, como processo, sua abordagem na forma de notícia, utilizando técnicas próprias do Jornalismo. Qual, portanto, o profissional que deve se encarregar desta função? A resposta soa igualmente óbvia: quem possui formação para tal. E quem possui formação para tal é o jornalista regularmente diplomado. Constatação deste grau de obviedade, sabem os verdadeiros profissionais de imprensa, não deveria sequer ser notícia por não ter aquelas características de excepcionalidade dentro do cotidiano que garantem a um fato ou opinião despertar o interesse do público. Daí certa estranheza com a repercussão do projeto aprovado pelo Congresso Nacional, complementando o Decreto-Lei n.972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. De autoria do deputado federal Pastor Amarildo (PSC-TO), para terem validade, as alterações ainda dependem de sanção presidencial.
Saindo em defesa da categoria que representa, o Conselho Federal de Relações Públicas (Conferp) manifestou-se, demonstrando sua contrariedade e, de certa forma, endossando posturas ainda mais radicais ao divulgá-las em seu sítio na internet. Entre estas, chama a atenção um texto do jornal O estado de São Paulo, destacando que a regulamentação existente do Jornalismo remonta à época da ditadura militar e, deste modo, soaria como se estivesse a ferir o livre-arbítrio. Todo profissional que viveu nas redações as agruras do regime de caserna imposto à sociedade brasileira sabe da fragilidade desta associação de idéias. Seria o mesmo que condenar todos os RPs pelo fato de sua profissão ter se definido a partir do trabalho de Ivy Lee na divulgação de doações de John D. Rockefeller Jr. à Johns Hopkins University, estratagema utilizado para melhorar a imagem pública do empresário, o homem mais impopular então nos Estados Unidos, que havia mandado atirar sobre grevistas em uma de suas companhias. Aliás, Lee era jornalista e, ao ser contratado para defender os interesses da indústria de carvão mineral, em 1906, lançou uma declaração de princípios aos editores: “Este não é um departamento de imprensa secreto. Todo o nosso trabalho é feito às claras.
Pretendemos divulgar notícias, e não distribuir anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor como matéria paga, não o publiquem. Nossa informação é exata. Maiores pormenores sobre qualquer questão serão dados prontamente e qualquer redator interessado será auxiliado, com o máximo prazer, na verificação direta de qualquer declaração de fato. Em resumo, nossos planos, com absoluta franqueza, para o bem da empresa e das instituições públicas, são divulgar à imprensa e ao público dos Estados Unidos, pronta e exatamente, informações relativas a assuntos com valor e interesse para o público”. Óbvio supor que este porta-voz dos tycoons estado-unidenses, ao falar em “informações relativas a assuntos com valor e interesse para o público”, está se referindo a uma única coisa: notícias.
Já a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial alerta para a possibilidade de desemprego neste segmento de mercado. A entidade – ainda usando a sigla Aberje, com o “J” anteriormente a identificar a palavra “jornalismo” – preocupa-se com 200 mil profissionais, que, segundo seus dados, atuam na área, incluindo, além de jornalistas, entre outros, relações públicas, publicitários, administradores, economistas, historiadores, psicólogos e fonoaudiólogos, tudo em nome de uma pretensa mestiçagem funcional. Há, aqui, sem dúvida, uma imensa confusão de conceitos. Assessoria de comunicação social (ACS) deve reunir, sim, profissionais que não sejam apenas jornalistas. O trabalho mais específico – a assessoria de imprensa (AI) –, não. É exclusivo de quem tem formação para executá-lo, com uma correta noção de notícia. E o argumento da Aberje acaba sendo contrário às suas próprias pretensões ao atestar a total confusão existente, prejudicial, inclusive, aos relações públicas, colegas de ACS, mas não, por embasamento técnico divergente, de AI.
Quando na noite de sexta-feira, 14 de julho de 2006, o Jornal Nacional, porta-voz televisivo das Organizações Globo, relata as repercussões do projeto aprovado no Congresso Nacional, o teor da reportagem induz a idéia de mobilização contra a assinatura do texto legal pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O telejornal entrevista representantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de um jornalista sem diploma universitário, todos criticando a decisão de senadores e deputados federais. Detalhe fundamental: embora possa parecer ao leigo como porta-voz da categoria, de fato a ABI não é a entidade representativa dos jornalistas. Tal papel cabe à Federação Nacional dos Jornalistas, cuja posição foi sintetizada pela Rede Globo em citação de uma única linha de texto retirada do sítio da Fenaj na internet. A reportagem, se é que se pode utilizar este termo para qualificá-la, transfere a discussão, como querem os veículos de comunicação, para uma outra área de interesse próprio, aquela em que os grandes grupos lutam pela extinção da obrigatoriedade do diploma.
Cabe, aqui, um exercício hipotético em uma situação considerada a mais ideal possível. Se, para a função, um assessorado pudesse escolher entre dois profissionais de igual capacidade, um deles jornalista profissional e outro não importa de que área, ambos com idênticas qualidades e capacidades, que opção seria a mais lógica? Caso a resposta venha pelo lado dos conhecimentos – saber o que é ou não notícia, redigir um texto dentro das convenções utilizadas regularmente nos veículos de imprensa e ter idéia clara das rotinas de trabalho destes, para citar apenas alguns aspectos – não há margem para dúvida. Ganha o jornalista, que tem no seu currículo universitário conteúdos a garantir o correto exercício destas funções, enquanto outros profissionais, quando o fazem, vêem estes temas de forma superficial ou muito resumida. Escolha diferente só se explica por questões de cunho pessoal ou por aquelas que representam exploração de mão-de-obra barata, perspectiva onde se inclui a constante luta pela desregulamentação da profissão de jornalista, aliás, como todas as desregulamentações, assunto muito caro a alguns neoliberais de plantão.
Há também que considerar o interesse público. Notícia, pelo menos em tese, supõe, senão a verdade, pelo menos uma verdade, um relato o mais próximo possível dos fatos e opiniões. Divulgação meramente institucional, ao contrário, não se preocupa com estes preceitos. Em tese, quando o verdadeiro assessor de imprensa – o jornalista – exerce corretamente suas funções, as garantias de que necessita a sociedade estão asseguradas pelo Código de Ética da profissão, aprovado em 1987 durante congresso da categoria. Por exemplo, neste documento, os artigos primeiro, quarto e quinto definem o direito público à informação proveniente de qualquer tipo de instituição, considerando-o uma obrigação social do jornalista. Ao mesmo tempo, condenam a censura e a autocensura. Fora isto, são vetadas práticas ainda hoje presentes no mercado de assessoria de imprensa, como pressionar para que notícias a respeito do assessorado sejam publicadas, sonegar informações importantes, divulgar inverdades e defender os interesses de quem o contratou acima dos da população. O jornalista também não poderá incorrer nos casos estipulados no artigo décimo: submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta de informações; frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou concordar com perseguições ou discriminações. Todos estes pontos provam, portanto, que jornalistas, atuando nesta área, além da competência própria da sua profissão para tratar com a notícia, têm, antes de mais nada, um compromisso com a livre circulação de informações. Garantir a assessoria de imprensa como função própria da categoria é também garantir uma sociedade mais democrática. Afinal, de luta pelos direitos do cidadão e pela liberdade os jornalistas entendem e muito, que o digam todos aqueles colegas perseguidos após o golpe militar de 1964, inaugurando o período referido pelo Conferp, defendido por parcela significativa do empresariado, pelo menos em seu início, e que viu crescer à sua sombra vários grupos de comunicação de massa.

*Autores de Assessoria de imprensa – Teoria e prática, publicação da Sagra-Luzzatto Editores, de Porto Alegre
 
 

Jornalismo com ética e solidariedade.