Theresa Catharina de Góes Campos

  Vôo 93

UM FILME DIGNO DE PREMIAÇÃO

O que mais impressiona em “Vôo 93”, do cineasta britânico Paul Greengrass, é a simplicidade de sua linguagem cinematográfica para recriar a viagem de 90 minutos de duração do quarto avião seqüestrado, no dia 11 de setembro de 2001, nos EUA, único que deixou de atingir o seu alvo – a Casa Branca -  graças à heróica atitude de alguns de seus 40 passageiros, que se atracaram contra os terroristas, fazendo com que a aeronave caísse perto de Shanskville, na Pensilvânia, que fica a 150 km de Washington.

Greengrass, também autor do roteiro, como bom documentarista que é, para ser mais direto e compreensível, evita, no trabalho de Barvy Ackroyd, as sutilezas fotográficas, mais apropriadas para filmes ficcionais, porém, não deixa, na mise-en-scène, de fazer também dramaturgia. Usando câmara portátil, ele escolhe seus ângulos e seus enquadramentos, com muita precisão, para que o espectador não só veja, mas participe da ação, nisso também auxiliado pelo belo trabalho de edição do filme de Clare Douglas, Richard Pearson e Christopher Rouse.

Com esse estilo documental -  que já usara, em “Bloody Sunday”, premiado em Berlim, em 2002, sobre o episódio ocorrido a 30 de janeiro de 1972, quando forças britânicas, sediadas na Irlanda do Norte, atiraram contra manifestantes pacifistas, defensores dos direitos humanos, matando 13 deles e ferindo outros 14, na cidade de Derry - Greengrass não só enaltece o heroísmo dos passageiros do avião seqüestrado, que lutaram  contra os terroristas, como também embute crítica não muito sutil ao despreparo das autoridades norte-americanas para enfrentar ataques ao seu território, como os que se perpetraram na ocasião.

Assim, desde quando os controladores de vôos do aeroporto de Newark – de onde partiria o vôo 93, da United Airlines,  para São Francisco, na Califórnia, com tempo de viagem previsto de 5 horas – fazem avaliação do movimento daquela manhã, que  era intenso, alguns deles insinuam que as viagens presidenciais poderiam eventualmente ser causadoras do agravamento da situação do tráfego, uma vez que, como observam, determinam o  bloqueio aéreo das regiões que ele visita. Naquela manhã, como se recorda,  o presidente Bush estava na Flórida.

Daí, em diante, o que fica patente pelas conversas nas torres de comando, entre civis e militares, é a falta de estratégia para enfrentar situações, como as que o país defrontava naquele momento, quando já se anunciava que um avião, que partira de Boston, havia sido seqüestrado, sem que se soubesse até então qual o destino que tomaria. Essa falta de estratégia, conforme diz um técnico, poderia estar relacionada com a  despreocupação do esquema governamental com aquele tipo de coisa, pois o último seqüestro de aeronave no país ocorrera há muito tempo, mais precisamente ao início da década de noventa.

Enquanto o clima de desorientação toma conta dos técnicos das torres de comando, o avião, que realizaria o vôo 93, toma a pista principal do aeroporto de Newark para a decolagem, mas, dada a intensidade do tráfego, é retido por alguns minutos, o que cria estado de tensão entre os terroristas. Separados, uns dos outros, eles rezam a todo o tempo, sem que os demais passageiros, entretanto, tomem ciência disso, envolvidos, como se encontram, naqueles expedientes corriqueiros de início de viagem, uns pedindo água para tomar remédio, outros querendo cobertores, etc., etc.

Vale observar que se Greengrass usou, como era óbvio, atores para interpretar os  papéis dos integrantes da tripulação, dos passageiros e dos terroristas, nos centros técnicos de comando, civis e militares, ele trabalhou muito bem com os próprios profissionais que desempenhavam suas funções na data de 11 de setembro de 2001. Entre os atores, há de se destacar – até pelo tempo de exposição diante da câmara – os que interpretaram os papéis dos membros da tripulação e dos passageiros que lutaram contra os terroristas: Gary Commock ( piloto Le Roy Homer), Opal Alladin (aeromoça, Cee Cee Lyles), Trish Gates (aeromoça, Sandra Bradsham), David Alan Basche (Todd Beamer), Cheyenne Jackson (Mark Brigham), Peter Hermann (Jeremy Click), Daniel Sauli (Richard  Guadagno), entre outros, e Lewis Alsamari ( líder dos seqüestradores, Saeed Al Gamali) e Kalid Abdala (Ziad Jaerah), que assume o comando do avião.

O roteiro foi escrito por Greengrass, com base no testemunho dos controladores de vôos dos aeroportos de Newark e de Nova Iorque, além das gravações das chamadas telefônicas dos passageiros e das fitas gravadas deixadas no avião sinistrado. Tudo é muito detalhado principalmente na parte técnica e as despedidas da tripulação e dos passageiros de seus familiares são emocionantes, algumas mais do que outras, como aquela de uma aeromoça que, embora vendo a tragédia a se anunciar, ainda não perdera a esperança de se salvar, prometendo ao marido que, se isso acontecesse, deixaria a profissão, no dia seguinte, para dedicar-se apenas a ele e ao filho pequeno.

É nesse tom – sublinhado por discreto comentário musical de John Powell em que predominam as cordas - que Greengrass parece justificar sua opção pela linguagem documental ao insinuar através das imagens que qualquer ficção hoje é facilmente superada pela desesperadora realidade em que vivemos. Pois tudo funciona como um playback, segundo a expressão usada por Robert de Niro, ao anunciar a exibição de “Vôo 93”, no Festival de Tribeca – região afetada pelo desmoronamento do World Trade Center – que exibiu outros 11 filmes sobre os acontecimentos de setembro de 2001. Em suma, “Vôo 93”, de Paul Greengrass, é exemplo de linguagem cinematográfica simples, franca, direta e honesta, digna de premiação.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.theresacatharinacampos.com

FICHA TÉCNICA

VÔO 93

UNITED 93

Reino Unido/EUA/2006

Direção e Roteiro – Paul Greengrass

Produção – Tim Bevan, Michael Bronner, Eric Fellner e Loyd Levin

Fotografia  - Barvy Ackroyd

Música Original – John Powell

Edição – Clare Douglas, Richard Pearson e Christopher Rouse

Elenco – Christian Clemenson ( Thomas E. Burnett Jr.), Trish Gates ( Sandra Bradsham), Polly Adams (Deborah Welsh), Cheyenne Jackson ( Mark Brigham), Khalid Abdalla (Ziad Jaerah), Opel Alladin ( Cee Cee Lyles), Lewis Alsamari (Saeed Al Ghamad), Todd Beamer ( David Alan Basche)

 

Jornalismo com ética e solidariedade.