Theresa Catharina de Góes Campos

 

DIAS DE ABANDONO

A difícil e melancólica trajetória de uma mulher de quarenta anos para se conscientizar de que a vida mudou depois que o marido a deixou por uma jovem estudante, sua aluna,  é o tema de “Dias de Abandono”, décimo- terceiro filme do cineasta italiano, nascido em Turim, Roberto Faenza, o primeiro, entretanto, que ele conseguiu fazer chegar ao Festival de Veneza em 2005.

E se o filme chegou a Veneza foi graças à estupenda interpretação de Margherita Buy no papel de Olga, que lhe deu o prêmio de Melhor Atriz do Festival, pois, o trabalho de Faenza – autor também do roteiro, baseado no romance de Elena Ferrante – nada tem que o credencie para tanto, uma vez que sua linguagem antiquada se mostra incapaz de evitar o tom de  melodrama, que caracterizou também seu outro filme, “Jornada da Alma”, de 2002, o qual focaliza a paixão de Sabrina Spielrein e Carl Gustav Jung, quando este, recém-formado, chegara, ao início do século passado, ao Hospital Psiquiátrico Burgholzli, em Zurique, na Suíça.

O clima, portanto, de “Dias de Abandono” – que já havia sido exibido no Cine Brasília, ao final do ano passado, numa mostra do Cinema Italiano, promovida pela Embaixada da Itália, a Bienal de Veneza e o Instituto Italiano de Cultura – é o de mudança de vida para uma mulher, tradutora de obras literárias, de Turim, casada há dez anos com um engenheiro, Mario (Luca Zingaretti), que, além dos dois filhos e da boa casa que lhe deu, se tem como tipo boa pinta, amoroso, atencioso, adorado pela sogra, a qual vive numa outra cidade  e que lê horóscopos, mas sempre pergunta por ele no videofone.

Essa vida, porém, para Mário, chega ao limite. Sua paciência em ser um bom marido explode. Um dia, ele chega tão diferente do seu jeito de sempre chegar e, ao contrário do que diz a letra de uma valsinha da MPB, nem chama a mulher para dançar.  Diz-lhe, isso sim, estar confuso e perturbado. Acha sua vida “sem sentido”. Não quer mais saber de passear com o cachorro, o pobre Otto. Pede tempo para pensar. Sozinho. E some.

Alertada por uma amiga, Lea (Gea Lionello), a angustiada Olga – que parece viver numa outra época -,   procura saber o nome da mulher que tornara a vida de Mário ao seu lado “sem sentido”... Depois de muitas indagações e procuras, ela descobre que o nome da rival é Carla (Gaia Berenani Amaral ) uma jovem e bela estudante, aluna de Mário. Olga se desespera. Vai às vias de fato, quando os encontra em frente à vitrine de uma joalheria numa cena lastimável.

Como a ação é narrada sob a ótica exclusiva de Olga, o espectador fica sujeito à sua desesperadora visão das coisas que acontecem à sua volta depois de perder o marido e tudo lhe parece ocorrer por causa disso. O filme funciona, portanto, no tom autoritário de um monólogo, o que beneficia  à atriz Margherita Biu, que tira disso magnífico resultado. Além de ser uma bela mulher, de muito porte e linha, La Biu interioriza a personagem de forma comovedora. Não há como o espectador tirar os olhos de sua figura durante os 96 minutos de projeção do filme. Em alguns momentos sua composição da personagem é tão rica e cheia de detalhes que faz lembrar de forma inevitável o estilo de trabalho da inesquecível Giulietta Masina. Sozinha, Margherita Biu  é o espetáculo. E, Dio mio, como dizem os italianos, que espetáculo!...

Os demais personagens são meros estereótipos, não exigindo quase nada de seus intérpretes, todos muito fracos, mesmo o músico, Sr. Demian, vizinho exótico do casal, com quem Mário vivia às turras, interpretado por Gorian Bregovic, um sérvio, que, se como ator não convence, tem a seu favor, contudo,  a assinatura da boa música original do filme. Em síntese, “Dias de Abandono”, de Roberto Faenza – realizador também de “Páginas da Revolução”, de 1996, com Marcello Mastroiani, baseado em livro de Antonio Trabucchi -, é filme que se recomenda apenas pela excepcional interpretação de Margherita Biu no papel de Olga, o que lhe valeu o prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza de 2005.  A atriz, como foi dito, vale o espetáculo.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Revista
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FICHA TÉCNICA
DIAS DE ABANDONO
I GIORNI DELL´ABANDONO
Itália/2005
Direção – Roberto Faenza
Roteiro – Roberto Faenza, com base em livro de Elena Ferrante
Produção – Elda Ferri
Música original – Goran Bregovic
Elenco – Margherita Biu (Olga), Luca Zingaretti ( Mario), Goran Bregovic (Demian), Fausto Maria Sciarappa (Franco), Gaia Berenani Amaral (Carla), Sara Santostasi (Ilaria), Gea Lionello (Lea)

 

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