Theresa Catharina de Góes Campos

 

O SUSPEITO 
 
Com base em fatos reais, O Suspeito, do cineasta sul-africano Gavin Hood - ganhador do Oscar do Melhor filme Estrangeiro em 2006 por Infância Roubada -, que estréia agora no cinema americano, é um thriller político, forte, vigoroso, de crescente tensão e de algumas excelentes interpretações, cuja trama emite a mensagem de que a prática de tortura, com o objetivo de obter a confissão de suspeitos de atos terroristas pode acabar contribuindo para aumentar ainda mais o terrorismo.

Essa é a constatação a que chega o analista da CIA, formado em Princeton, Douglas Freeman (Jake Gyllenhaal), que vê sua vida mudar após presenciar o interrogatório de um estrangeiro, Anwar El-Ibrahimi (Omar Metwally), morador em Chicago, feito pela polícia secreta do Egito, com base na chamada Lei Extreme Rendition, aberração do estado democrático americano, dos tempos de Clinton, a qual estabelece que qualquer suspeito de terrorismo pode ser levado para o seu país de origem e lá ser interrogado sob tortura por autoridades norte-americanas.

Sob esse aspecto, a seqüência mais ilustrativa é, sem dúvida, a que mostra Freeman, desgastado após presenciar o interrogatório, fumando narguile, num restaurante, no Cairo, sombrio e esfumaçado, quando recebe, pelo celular, o chamado de seu superior em Washington, a senadora Corrine Whitman (Meryl Streep), a quem ele diz: Foi a minha primeira tortura!... E recebe dela a imediata repreensão – nos termos do que vem sendo dito e repetido pela Casa Branca e pela CIA, mas sem força de convencimento - de que: Os EUA não promovem tortura!...

Quando o filme tem início, ocorre o atentado suicida, no Cairo, no qual morre o agente da CIA, William Dixon (David Fabrizio), do que resulta a imediata suspeita, em Washington, de que o engenheiro químico Anwar El-Ibrahimi, que regressava ao país de uma viagem a Cape Town, na África do Sul, para participar de uma conferência, poderia estar envolvido. Ao fazer sua primeira escala em território americano, no  Dulles International Airport, em Washington, Anwar é preso e levado, encapuzado e sob mordaça, para o Cairo, enquanto seu nome, por ordem da CIA, é deletado da lista de passageiros.

A mulher de Anwar, Isabella (Reese Whitherspoon), grávida de oito meses, que espera por ele, com o filho Jeremy (Aramis Knight), no aeroporto de Chicago, sem ter qualquer notícia de seu paradeiro, se desespera. De posse, contudo, do extrato do cartão de crédito de Anwar, que indicava haver ele feito compras a bordo do avião, Isabella viaja para Washington a fim de pedir ajuda a um ex-namorado, Alan Smith (Peter Sarsgaard), assessor influente de um senador (Alan Arkin).

Enquanto isso, no Cairo, num jogo hábil do roteiro de Kelley Sane, com uso de flashback, iniciam-se duas narrativas, que ocorrem simultâneas: a das sessões de tortura sob o comando de Abasi Fawal (Yigal Naor) e de Freeman, promovido após a morte de Dixon, as quais, de tão intensas que são, provocam, aos poucos, a desfiguração física do ator Metwally, num estupendo trabalho de interpretação; e a do amor secreto que envolve a filha do torturador Fawal, Fátima (Zineb Oukach) com o jovem fundamentalista muçulmano Khalid (Moa Khouas).

É dessa estrutura narrativa que Gavin Hood se utiliza para criar um jogo cênico instigante de formulação de várias indagações sobre a guerra que se trava mundialmente, nos dias de hoje, contra o terrorismo – o produtor do filme é Steve Golin, o mesmo de Babel, dirigido por Alejandro Iñarritu -, como também para traçar um paralelo entre dois caracteres distintos: o do político Smith, que se distancia da questão e se acovarda e, por paradoxal que seja, o do agente da CIA, Freeman, que, citando Shakespeare, desafia o atual estado de injustiça que se erigiu em seu país no propósito de combater o terrorismo.

Os dois atores, Jake Gyllenhaal e Peter Sarsgaard, estão brilhantes. Também Yigal Naor, como Fawal, tem excelente atuação. Os atores Meryl Streep e Alan Arkin, em participações especiais, aparecem tão pouco que nem chegam a dar característica própria aos seus personagens. Quem prejudica o elenco e, de resto, o filme é Reese Witherspoon, a qual dá sinais evidentes de que não gostou do papel de Isabella e que não conseguiu ter boa sintonia com a direção. A frase que Isabella diz para Smith na bela cena, arquitetada por Hood, às margens do rio  Potomac, sob as cerejeiras desfolhadas, que só florescem durante uma semana, doadas pelo Japão, poderia muito bem ser repetida para a atriz: Por favor, Reese, não seja assim como essa gente tão indiferente e distante! Por favor, Reese!...

Em suma, O Suspeito, que marca a estréia do cineasta sul-africano Gavin Hood no cinema americano, é filme que precisa ser visto porque, além de seus inegáveis atributos técnicos – notável, por exemplo, a trilha sonora - é espetáculo de suspense, forte, vigoroso, o qual mantém o espectador sob rendição ao desenrolar da ação, criada por roteirista competente, que não tinha trabalho aproveitado há mais de dez anos. Além disso, como se há de reconhecer, é filme que enaltece a liberdade de expressão que há nos EUA como não existe, infelizmente, em nenhum outro país do mundo. É, portanto, um thriller político não só merecedor de elogio, como imperdível!... Mas imperdível mesmo.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O SUSPEITO
RENDITION

EUA/África do Sul/2007
Duração – 120 minutos
Direção – Gavin Hood
Roteiro – Kelley Sane
Produção – Steve Golin, David Kantor, Keith Redmon, Michael Sugar e Marcus Viscidi
Fotografia – Dion Becke
Trilha sonora – Paul Hepker e Mark Kolian

Elenco – Jake Gyllenhaal (Douglas Freeman), Omar Metwally (Anwar El-Ibrahimi), Reese Witherspoon (Isabella El-Ibrahimi), Jeremy El-Ibrahimi (Aramis Knight), Peter Sasgaard (Alan Smith), Moa Khouas (Khalid) Yigal Naor (Abasi Fawal) Zineb Oukach (Fátima Fawal), Meryl Streep (Corrine Whitman), Alan Arkin (Senador) e David Fabrizio (William Dixon)


 "O SUSPEITO" E A CONFIRMAÇÃO OFICIAL DE TORTURA

O filme "O Suspeito", de Gavin Hood, recentemente comentado, recebeu merecida,discreta e simbólica premiação esta semana, quando o diretor da CIA, Michael Hayden, admitiu, pela primeira vez, perante a comissão especializada do Senado americano, que o órgão de inteligência praticou tortura - "a cura da água" - para tomar depoimentos de suspeitos de atos terroristas, após os acontecimentos de 11 de novembro de 2001.
Reynaldo Domingos Ferreira
11 de fevereiro de 2008

 

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