Theresa Catharina de Góes Campos

 

O MERGULHO DO CORAÇÃO

 

Poema inspirado no filme  "Le grand bleu" (The Big Blue) – "Imensidão Azul" – França,1988 –  de Luc Besson

 

Olho o mar ou dentro do meu coração?

Vejo os golfinhos ou a face de Deus?

As ilhas, para mim, são pegadas do Infinito;

não são acidentes geográficos.

As ondas não representam obstáculos:

são pontes e veredas.

A lua, às vezes, parece guiar o oceano

tão mansamente como a chuva que dança

e me dá a impressão de beijar as flores.

 

O que sinto, realmente, quando olho o mar?

O que vejo, na verdade, quando brinco

e nado em companhia dos golfinhos?

O que consigo atingir,

em termos de minha dimensão humana,

quando admiro o oceano

e vou até o seu íntimo mais desconhecido?

 

O silêncio do mar é canto de sereia?

As vozes dos golfinhos compõem

o meu silêncio interior?

Aqueles a quem amo me fazem falta

em cada segundo de alegria ou dor.

A pérola escondida que os mergulhadores

procuram com risco de vida

é o amor secreto que meu coração

tenta proteger, desajeitadamente.

Por que arriscar tudo, com tanto esforço,

por aquilo que não sabemos expressar

em palavras ou medir?!

Que visão chega a meu coração

quando sinto o oceano me envolver

nas mil e uma tonalidades de verde e azul?

Toco o limiar de um mistério,

a fronteira de um enigma

que é meu tesouro desde a infância

porque me desafia sem cessar

impresso em todos os anos de minha vida

como o prelúdio do futuro que não vejo

apesar de tocá-lo... no fundo do mar.

Um prefácio para um grande amor?

Ninguém responde... mas eu pergunto

sem jamais me fatigar!

Somente eu sei

que guardo, nas paredes de meu coração,

a pérola conquistada em todos os mergulhos

na busca incessante do sentido para a vida;

vale mais que todos os troféus...

A minha pérola é como estrela-guia

a multiplicar os sonhos adormecidos

que não ouso cantar em voz alta.

A visão dos golfinhos brincalhões

que não conhecem a inveja

nem se envolvem em competições

me faz vislumbrar um mundo diferente:

mais belo porque mais natural;

mais acolhedor porque sem desconfiança;

hospitaleiro, apesar da escuridão...

Guiada pelos golfinhos,

vejo através do que parece névoa;

em terra firme, sinto-me cega

porque insegura

quanto aos sentimentos e aos motivos

dos que me cercam,

me apressam, e me pressionam,

querendo me conduzir

aonde meu coração pode morrer...

 

As águas coloridas fluem,

curam e cantarolam

canções de fontes múltiplas;

aqui, minhas mãos sabem acariciar

porque são recebidas sem reservas;

aqui, tenho segurança para amar

porque acreditam em mim.

 

            Nesta IMENSIDÃO AZUL,

            não sou invasora, nem conquistadora:

            sou IRMÃ , Amiga e Companheira

            no Reino de Deus;

            nas mil e uma tonalidades de azul,

            não entro em conflitos;

            me harmonizo com a natureza

            da qual faço parte...

 

Nesta imensidão azul,

a pérola que conquistei

tornou-se facho de luz

nas ruas silenciosas

e não invadidas

de meu coração.

 

            A imensidão azul

            me fez perseguir sem descanso

            a face resplandescente do Amor.

 

Não mais experimento o medo

de viver com a minha solidão;

não mais receio perder o rumo;

aqui, o amor não me assusta...

 

            O mergulho do coração é o mais perigoso...

            porque nas profundidades desconhecidas

de si mesmo.

Aceito os desafios do oceano

ou mergulho nas mãos de Deus?

                        Quando mergulho, inebriado,

            quais as distâncias que supero?

            Abandono-me à imensidão azul

            ou persigo a face do Amor?

            As vozes dos golfinhos

                        se comunicam com o meu silêncio?

                        Olho o mar ou dentro do meu coração?

            Vejo os golfinhos ou a face de Deus?

 

                        Estou apenas mergulhando

                        ou me lançando, confiante,

            nas mãos amorosas de meu Criador?

 

Theresa Catharina de Góes Campos

 

Brasília, 13 de julho de 1989.


From: REYNALDO FERREIRA
Date: 03/04/2008 12:52
O MERGULHO DO CORAÇÃO - Theresa Catharina de Góes Campos


Prezada Theresa Catharina, Lembro-me bem o quanto você gostou do filme de Luc Besson!... O poema corresponde ao seu encantamento pelo filme. De certa feita, vimos a película na Embaixada da França. Valeria a pena montar um diaporama com a imensidão do mar e seus versos sobrepostos sobre as imagens. Obrigado pela mensagem. Abraços, Reynaldo


O FILME "Imensidão Azul" FOI UM DIVISOR DE ÁGUAS EM MINHA VIDA

From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 10/04/2008 16:02
Não foi apenas encantamento o que senti com o filme Imensidão Azul.
To: REYNALDO FERREIRA


Amigo Reynaldo:

A seguir, o texto que eu não ousei escrever antes. Aliás, sinto-me assim, com pudor, em relação aos poemas de minha autoria, muito pessoais, íntimos, reveladores.
Abraços cordiais e a estima de
Theresa Catharina
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O FILME "IMENSIDÃO AZUL" FOI UM DIVISOR DE ÁGUAS EM MINHA VIDA

Não foi apenas encantamento o que senti ao assistir tantas vezes ao filme de Luc Besson.

"Imensidão Azul" representou um divisor de águas na minha vida!

Aprendi a me aceitar, a conviver comigo 24 horas, sem deixar que as rejeições, as maldades e as indeferenças encontradas no mundo me impedissem de me apreciar e viver tudo que sou como pessoa, missão, vocação e potencialidade.

Continuei convivendo. No entanto, deixei de esperar aceitação, de aguardar retorno e até de tentar mudar a frieza, alienação e indiferença de alguns. Passei a gostar de mim, a me valorizar.

A abertura para o meu próximo continuou a existir, de minha parte, porque tal disponibilidade para os outros é um dos componentes fundamentais de minha personalidade social.

Vivo como sou. Não mudei o que sou. A grande mudança foi eu me sentir viva sem depender do próximo. Passei a ser feliz em contemplar meu íntimo, a ter orgulho de ser independente interiormente, capaz de atender às minhas necessidades, ao meu crescimento pessoal, profissional e cultural.
Percebi, então, o significado positivo da solidão: o tempo que ganhamos para ser, refletir, apreciar, elaborar decisões, planejar atitudes. Antes, eu perdia muito tempo me esforçando demais em prol dos que nem mesmo precisavam de mim... Para que tanto esforço inútil? Compreendi que eu precisava bem mais de atenção e carinho interiores. E passei a não mais me negligenciar!

Do mergulho nas imagens, nos sons e na história de "Imensidão Azul", consegui reverter a profunda tristeza que ameaçava me afogar. Emergi inteira, disposta a não repetir erros, amadurecida, revigorada, e ainda mais fiel ao que sempre fui.

Theresa Catharina
Brasília-DF, 10 de abril de 2008


AS DÁDIVAS DA ARTE

From: Heloisa Guimaraes
Date: 12/04/2008 16:59
Subject: Re: Não foi apenas encantamento o que senti com o filme Imensidão Azul. estava...
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Theresa Catharina,

Não pude ainda assistir ao belo Imensidão Azul, tão justamente decantado, por tudo que tenho lido e ouvido a respeito, especialmente agora, à luz de suas iluminadas impressões. Estarei atenta para uma próxima oportunidade de também poder aproveitar deste magnífico filme.
Posso profundamente concordar, desde logo, com a linha de conscientização quanto à sábia postura de vida a que você foi induzida pela fruição dessa obra, conforme expõe (o quanto pode ser dadivosa a arte, não?).
Você já deve ter intuído, por minhas ações, que partilho daquele mesmo credo.
Penso que o cultivo de uma saudável autodeterminação, como reflexo de dignificante auto-estima - sem ser incompatível com a compaixão, nem aliado do egoísmo - apraz ao Criador, podendo ser indutor do engrandecimento pessoal.
Muito grata pelo encaminhamento do lindo texto. Com afeto, sua amiga - Heloisa Helena

 

Jornalismo com ética e solidariedade.