Theresa Catharina de Góes Campos

  HAICAIS DE HOMENAGEM AO CINEMA
(e dedicados a Meus Pais)
Theresa Catharina de Góes Campos

1)
O olhar do cinema
transforma a vida
de quem olha a tela.

2)
O som do filme
inspira os ouvidos
ao se escutar o cinema.

3)
Na companhia das imagens
vivi, revivi a vida
dos personagens na tela.

4)
Pulsações invisíveis senti
como ondas cerebrais
nascidas e alimentadas no cinema.

5)
A alma vibrou
com a trilha sonora:
o coração cantou.

6)
Sombras e luzes
invadiram com imagens
meu coração hospitaleiro.

7)
A tela do cinema
falou com imagens
ao coração aberto.

8)
Tudo vibrou.
Nada foi tocado.
Quase tudo falou...

9)
Individual e coletivo,
de longe e tão perto...
eis o cinema.

10)
O silêncio gritou
naquele filme distante,
iluminando a tela.

11)
A lágrima das palavras
banhou as imagens
impressas na película.

12)
Vestidas de cores,
imagens encontraram
sombras e luzes do cinema.

13)
Projeção do filme na tela...
coração soltando a voz,
reescrevendo o roteiro.

14)
Fotogramas,ecos de imagens
unidas às trilhas de som
reverberando na mente.

15)
O percurso das lágrimas
começa nos fotogramas,
continua na alma.

16)
Filmes podem
não envelhecer.
Nós, envelhecemos.

17)
Não amei aquele filme
porque me perturbou
ou foi meu silêncio interior?

18)
Quem gritou?
O filme? Eu? Os sons?
Foram as cadeiras vazias?

19)
O projecionista abandonou o filme...
a imagem se perdeu,
o som virou silêncio.

20)
O cinema não me trouxe
os sonhos que eu pedi?
Ou meu espírito se calou?

21)
O amor, no filme,
sorriu para mim...
agora é fonte a cantar!

22)
Percebi com gratidão:
ao se comunicar com a tela
meu coração se multiplicou.

23)
Recebi o filme
no espírito preparado
para amar a mensagem.

24)
Meu coração transitório
guarda e partilha
o olhar permanente do cinema.

25)
A fonte da juventude,
que não existe,
o cinema descobriu.

26)
O silêncio dos filmes
ecoa... porque vibra
com imagens e sons.

27)
Cerejeiras floridas
tagarelando ao vento
perfumaram a platéia.

28)
Viagens à volta do mundo:
ousadas na tela,
sem data para terminar.

29)
O que eu não vivi
o cinema mostrou
e o mundo viu...

30)
Imóvel e dinâmico,
silencioso e falante,
viva o cinema peregrino!

31)
No espelho de tantas cores,
e de muitos sons,
o cinema refletiu a vida.

32)
Riu tanto no cinema!
Desmarcou a consulta
com o psiquiatra.

33)
O que ninguém confessou
o cinema revelou
sem hesitação nem pudor.

34)
Tudo ficou mais fácil
e bem mais difícil
quando o filme terminou...

35)
Não foi beijada...
mas saiu do cinema
como se tivesse sido...

36)
Parado no tempo,
dinâmico e veloz,
o cinema continua e recomeça.

37)
Terminada a refeição,
foram todos ao cinema
alimentar o espírito.

38)
De tanto chorar no cinema
chegou em casa
esperançosa.

39)
Se o filme é rebobinado,
por que desistir
de recomeçar a vida?

40)
Se o filme tem edição,
por que se recusar
a reeditar sua vida?

41)
Achou o filme confuso,
perturbador. Saiu.
Lá fora estava pior...

42)
Olhou e não viu.
O cinema viu
e registrou!

43)
Viu no cinema.
Contou lá fora.
Gostou ainda mais.

44)
Sozinho
não se faz cinema
nem se vive a vida.

45)
De meus queridos pais
recebi, com seu exemplo,
o cinema de presente.

São Paulo, 29 de maio de 2008.

OS FAVORITOS DE TEREZA LÚCIA

From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2008/6/1
Subject: Re: HAICAIS DE HOMENAGEM AO CINEMA
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Theresita:
Opinião de leitora:
Eis os meus haikais favoritos:
5,6,7,8 - 10 - 13 - 14 - 15
18, 21, 25, 27 - 32 - 33 - 34 - 38 - 39.
Para mim, foram os que tiveram melhor ritmo e eloqüência.
Grata por compartilhar.
Com carinho,
Tereza Lúcia


ASSOCIAÇÃO DOS SENTIDOS

From: adfalcao
Date: 2008/7/24
Subject: Re:Eis os meus indisciplinados HAICAIS DE HOMENAGEM AO CINEMA - Theresa Catharina
To: "theresa.files"


Theresa, como podia esperar, você encontrou nova forma para demonstrar sua sensibilidade , bastante conhecida por todos. Essa impressão que transmito é absolutamente sincera. Não sei jogar confeti. Quando não me agrada um trabalho que recebo, penso um jeito de estimular o/a autor/a e, em contrapartida, emitir "meu parecer". Com certeza você irá publicá-los em breve. Do que mais gostei foi da associação dos sentidos, presente em todos os hai-cais.
Abraços Ana


From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 2008/8/3
Subject: Muitíssimo obrigada por suas observações, sobre as quais direi o seguinte Re: (talvez você nem perceba a diferença, mas fiz várias modificações) HAICAIS DE HOMENAGEM AO CINEMA - Theresa Catharina
To: Ana Falcao



Amiga Ana:

Gostei imensamente de suas inteligentes observações, sobre as quais direi o seguinte:

a) A palavra retina é excelente, jamais me pareceu lugar comum.

b) Nós, envelhecemos - escrevi assim conscientemente, também, como você, não considerando que estaria incorretamente separando o sujeito do predicado. Minha leitura para escrever o verso (buscando a redução necessária ao haicai), foi "Quanto a nós, sim, nós envelhecemos." Portanto, eu me apoiei nas chamadas licenças poéticas, reduzindo o verso, omitindo palavras que eu esperava ser subentendidas, embora eu não concorde que tudo seja permitido no reino da poesia.

c) Com referência ao haicai que numerei 18, escrevi propositalmente numa linguagem de fábula, personificando os objetos, para envolver "os participantes", os personagens animados e inanimados no que eu classificaria de "jogo aberto, não-fechado para uma resposta única", tanto o ser humano espectador, com a sua responsabilidade de pessoa, assim como as coisas, os objetos encontrados numa sala de cinema.

Concluindo, ouso afirmar que o problema e ao mesmo tempo o desafio e a superação ao se escrever haicais parecem estar nesse limite criativo - obrigar-se a expressar uma idéia completa em três pequenos versos, com o mínimo possível de sílabas.

Muitíssimo obrigada por seus valiosos comentários (para mim, os adjetivos também são fundamentais, como fruto de análise e conclusão).

Abraços de
Theresa Catharina


Em 03/07/08, Ana Falcao escreveu:
 
Theresa, sempre penso em sua sensibilidade ao ler os hai-cais que me envia. Você não acredita que pensei na palavra "retina", não sei se você gosta dela ou se é lugar comum.
No número 16, encontro uma vírgula que venho pesquisando ao longo dos anos. Considero-a correta. Não penso que separe o sujeito do predicado. Penso que se trata de uma "topicalização", como menciona a Professora Eunice Pontes. Para mim, seria um destaque, o equivalente a "quanto a..... ". Em francês, seria "Le Brésil, ce n'est pas un pays sérieux. "Em português, "O Brasil, não é uma país sério." Veja que não temos recurso para expressar a paradinha na leitura. Talvez reticências: "O Brasil...não é um país sério" . No hai-cai, as reticências quebrariam o ritmo.
No 18, tomo a liberdade de comentar que "quem" se refere a pessoas. Claro, também posso pensar que há uma personificação de "cadeira" e de "sons".
Esses comentários em nada desmerecem seu excelente texto poético. Ao contrário, resultaram de uma leitura cuidadosa.
Abraços, Ana

 

Jornalismo com ética e solidariedade.