Theresa Catharina de Góes Campos

  REFLEXÕES PARA HOMILIAS (dezembro de 2008)

From: lmaikol
Date: 2008/11/18
Subject: Reflexões Homiléticas para Dezembro de 2008

Reflexões Homiléticas para Dezembro de 2008

SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO - 07 dezembro 2008
Mc 1, 1-8
"Começo do Evangelho de Jesus, o Messias, o Filho de Deus"

O Evangelho de Marcos foi o primeiro dos quatro evangelhos canônicos a ser escrito, provavelmente pelo ano 70, talvez na Síria. Marcos tem o grande mérito de ser o criador desse gênero literário, hoje tão conhecido, chamado "Evangelho", o que literalmente significa "Boa Nova" ou "Boa Notícia". Porém, quando no primeiro versículo da sua obra ele se refere ao "começo do Evangelho", ele não se refere ao gênero literário, mas à própria Boa Nova, que é a mensagem de salvação em Jesus, "o Messias, o Filho de Deus". Pois, o escrito é somente uma das maneiras viáveis para comunicar a experiência dessa Boa Notícia, - tanto que Paulo, que nunca leu um dos quatro Evangelhos (pois morreu pelo ano 66) pôde falar aos Gálatas do "Evangelho por mim anunciado"
(Gl 1, 11).

Como parte da nossa preparação para o Natal, o texto de hoje nos apresenta a pessoa e mensagem de um dos grandes personagens do Advento - João Batista. Usando uma mistura de citações do Antigo Testamento, tiradas do profeta Malaquias 3, 20, Isaías 40, 3 e Êxodo 23, 20, Marcos enfatiza o papel de João como Precursor - aquele que prepara o caminho do Senhor. O fato de João estar vestido com pele de camelo faz uma ligação entre ele e o "pai do profetismo", Elias. Assim, João é a última voz profética da Antiga Aliança, anunciando a chegada da Boa Nova na pessoa e atividade de Jesus de Nazaré.

O batismo de João era um rito conhecido naquele tempo.
Significava o reconhecimento dos pecados e a conversão aos caminhos de Deus. Embora o Advento não seja primariamente tempo de penitência, mas de preparação, o texto nos lembra que não será possível uma preparação adequada para a vinda do Senhor no Natal, sem que passemos pelo processo de arrependimento, conversão e experiência da gratuidade de Deus no perdão dos pecados.

A ênfase mesmo está na aceitação não somente do batismo de João, mas de quem viria depois dele, literalmente "atrás de mim". A expressão, que denota a dignidade da pessoa que há de vir, como num cortejo, põe toda a importância nela - pois tirar as sandálias era serviço de um escravo. Jesus é o mais importante, pois com a vinda d'Ele inaugura-se o tempo de salvação, esperado naquele tempo por muitas pessoas e grupos somente para o fim dos tempos.

A voz de João ressoa de novo hoje, convidando a todos nós, não somente pessoalmente, mas também como comunidade, Igreja e sociedade, a preparar os caminhos do Senhor, endireitando as suas veredas! A preparação para o Natal implica o empenho de todos para que os males, individuais e sociais, sejam tirados, para que o Natal seja experiência real da vinda do Salvador e não somente uma festinha, vazia de sentido.

A crise econômica e social em que o mundo se encontra atualmente mergulhado, deve nos levar a refletir sobre os valores e destinos da nossa sociedade consumista e excludente. Centenas de bilhões de dólares já foram gastos para escorar um sistema que mostra graves sinais de falência. Mais uma vez, são os menos favorecidos que vão pagar pelos erros dos especuladores financeiros. O Natal, muitas vezes "seqüestrado" como festa de compras e gastos, pode ser para nós um novo começo, uma redescoberta dos verdadeiros valores familiares, religiosos e de solidariedade. Mas, isso exige a conversão de uma mentalidade consumista para uma de partilha, em que o que vale é o "ser" e não o "ter". Mais do que nunca, a mensagem de João, o Batista, torna-se atual e desafiante.

TERCEIRO DOMINGO DE ADVENTO - 14 dezembro 2008
Jo 1, 6-8. 19-28
"Aplainai o caminho do Senhor"

Mais uma vez, a figura central do evangelho de um domingo do Advento é o Precursor, João Batista. Essa vez, num texto tirado do Evangelho de João; o Batista é apresentado como testemunha de Jesus. Ele assume a identidade de quem veio gritar "Aplainai o caminho do Senhor", usando uma frase tirada de Isaías 40, 3. No texto de Isaías, essa frase é usada para preparar o Novo Êxodo, a volta dos exilados do cativeiro na Babilônia, no início do tal chamado "Livro da Consolação de Israel" (Is 40-55). A mensagem de João Batista também prepara o povo para um evento de grande alegria - a vinda do Messias, Jesus de Nazaré!

Nesse texto, já no primeiro capítulo do Quarto Evangelho, entram em cena os que serão mais tarde os adversários de Jesus - as autoridades dos judeus. Embora às vezes neste Evangelho o termo "os judeus" designe o povo de Israel em geral (cf. 3, 25; 4, 9.22 etc), aqui, como na maioria das vezes, o termo significa os representantes de um mundo que não compreende, e eventualmente hostiliza, Jesus. Nesse sentido, ele caracteriza especialmente as autoridades religioso-políticas do judaísmo da época - os sumos sacerdotes, fariseus e escribas.

Atrás do texto, também dá para entrever a tensão que existia dentro da comunidade do Discípulo Amado entre os seguidores de João Batista e os de Jesus. Por isso, a insistência no texto em informar que João "não era o Cristo", mas testemunho do fato de que Jesus era o enviado de Deus.

No mais, o evangelho retoma a mensagem do domingo passado (Mc 1, 1-8) - um convite para que todos nós preparemos o caminho do senhor. "Aplainai o caminho do Senhor" significa facilitar a sua chegada entre nós, tirando das nossas vidas tudo que possa impedir um encontro real com Jesus. No nível individual, aqui há um convite para uma conversão pessoal, que é um processo contínuo na vida de todos nós. Mas, também, há o desafio para que nos empenhemos na luta contra tudo que possa diminuir a vida humana - tudo que causa sofrimento aos nossos irmãos e irmãs. Pois, o pecado que existe no mundo não é somente pessoal, mas também social - e muito mais do que a soma dos erros individuais. O pecado social se manifesta nas estruturas sociais injustas e opressoras, que tiram de tanta gente a dignidade dos filhos e filhas de Deus. A voz do precursor, como a de Isaías quinhentos anos antes dele, nos desafia para que a nossa conversão pessoal também se manifeste no esforço para a construção de um mundo mais digno, justo, humano e fraterno - o mundo que Jesus veio estabelecer.

QUARTO DOMINGO DO ADVENTO - 21 dezembro 2008
Lc 1, 26-38
"Faça-se em mim segundo a tua palavra"

Maria de Nazaré, junto com o Batista e o profeta Segundo-Isaías, é figura importante nas leituras do tempo do Advento. O texto de hoje é riquíssimo e mereceria um tratamento muito mais pormenorizado. É essencial para entendermos a figura de Maria que as Escrituras nos apresentam.

No esquema de Lucas, a anunciação à Maria se contrapõe àquela feita a Zacarias (Lc 1, 5-22). Naquele relato, quem recebe o anúncio é um sacerdote, idoso, no Templo judaico. No texto de hoje, é uma moça, jovem, no dia-a-dia de um lugarejo, Nazaré. O sacerdote não acreditou, e ficou mudo... simbolizando que os ritos do Templo não tem mais nada a dizer! Maria acredita e é proclamada "bendita entre as mulheres" (1, 42).

Infelizmente ,muitas vezes, esse trecho é interpretado de maneira a nos apresentar uma Maria totalmente passiva, sem expressão - é ideologicamente usado para insistir que as mulheres, no mundo e na Igreja, deveriam ficar passivas e sem expressão! Tal interpretação distorce totalmente o que Lucas quer nos dizer!

Maria, embora não entenda plenamente (cf. 1, 29; 2, 19; 2, 50s) aceita não somente ser instrumento da vontade de Deus, mas, ser protagonista da realização desse plano divino. A frase "faça-se em mim" não deve ser interpretada de uma maneira passiva, mas como o grito de entusiasmo de quem quer ser colaboradora na realização do plano de Deus o mundo. Não se refere somente ao fato de engravidar - isso seria muito pouco - mas à grande visão de Deus para os seus filhos e filhas. Um pouco adiante, Lucas vai mostrar o alcance dessa frase, quando na boca de Maria ele coloca o grande canto de libertação, que é o Magnificat. Não é possível entender a profundidade da frase de Maria na anunciação sem ler também o Magnificat (1, 46-55). O que é que Maria quer quando Ela pede que seja feita a vontade de Deus n'Ela? Ela quer a realização da viravolta no mundo que é o Advento do Reino de Deus, quando Deus vai "dispersar os homens de pensamento orgulhoso; precipitar os poderosos dos seus tronos e exaltar os humildes; cobrir de bens os famintos e despedir os ricos de mãos vazias" (1 ,51-53).

Num mundo onde a realidade é a prepotência e a violência dos poderosos contra pobres e indefesos, e onde as mulheres muitas vezes estão na liderança da resistência, Lucas nos apresenta Maria como protagonista da concretização do Reino. Como ela, quem realmente quer receber o Salvador no Natal, tem que se comprometer de uma maneira concreta na construção de um mundo novo, de justiça e fraternidade, tão contrário ao que vivemos hoje, e que Maria canta no primeiro capítulo de Lucas.

NATAL: MISSA DA VIGÍLIA DO NATAL - 24 dezembro 2008
Lucas 2, 1-20

Esta passagem é típica do estilo de Lucas e contém muito material peculiar a ele. Ele toma as tradições de que Maria e José eram de Nazaré e que Jesus nasceu em Belém, liga-as com as figuras de Augusto, Herodes o Grande e o Governador Quirino, e através destas figuras tece um texto que une oito dos seus temas favoritos: "comida", "graça", "alegria", "pequenez", "paz", "salvação", "hoje", e "universalismo". Lucas é um verdadeiro artista das palavras evangélicas!

Este trecho pode ser subdivido assim:

1) O contexto histórico e o nascimento de Jesus - 2, 1-7

2) Pronunciamentos angélicos explicando o sentido de Jesus - 2, 8-14

3) Respostas aos pronunciamentos dos anjos - 2, 15-20

A chave para a compreensão do texto se acha nos versículos 11-14. Aqui Lucas apresenta Jesus como o Messias davídico que trará o dom escatológico de paz, o Shalom de Deus. Assim ele faz contraste com a figura de César Augusto. Na impotência da sua infância, Jesus é o Salvador que traz a verdadeira paz, em contraste com o poderoso Augusto, que era celebrado no culto oficial imperial como o fundador de um reino de paz, a "Pax Romana". O "Shalom" é, na verdade, o contrário da "Pax Romana" como hoje seria o oposto da pretensa "paz" imposta pelos canhões e bombardeiros da força militar prepotente - a "Pax Americana!". Essa revelação da parte dos anjos é recebida e aceita pelos humildes pastores e meditada por Maria, modelo de fé, e os discípulos, que terão que meditar e aprofundar o sentido de Jesus para eles, sem cessar!

Desde a Idade Média, o presépio tem mantido o seu lugar como um dos símbolos mais caros aos cristãos. Porém, é bom não deixar que a cena do nascimento de Jesus se torne uma cena somente sentimental, com lembranças saudosas da nossa infância! O relato quer sublinhar a opção de Deus que se encarnou como pobre, sem as mínimas condições para um parto digno. Em nossos presépios, até os bois e o asno tomaram banho! A realidade de nascer numa gruta ou estrebaria era diferente! Jesus nasce em condições semelhantes a milhões de pobres e excluídos pelo mundo afora, nos dias de hoje! É mais uma manifestação da fraqueza de Deus, que é mais forte do que os homens! (I Cor 1, 25).

Diferente de Mateus - que tem outros interesses teológicos - os protagonistas dessa cena são os pastores. Na época, eles eram considerados pessoas desqualificadas, marginais, sujas, ritualmente impuras. Mas, é para essa gente que os anjos revelam o sentido do acontecido e são eles os primeiros a encontrar Jesus recém-nascido. Assim, em Lucas, são pessoas à margem da sociedade que testemunham o nascimento de Jesus e igualmente são pessoas desqualificadas que são as testemunhas da Ressurreição - as mulheres! Lucas não perde uma oportunidade para destacar a opção preferencial de Deus pelos pobres e humilhados!

O trecho continua com mais três ênfases tipicamente lucanas - "não ter medo", "sentir e expressar alegria" e o termo "hoje". Os ouvintes poderão ter coragem e alegria, porque a salvação de Deus irrompe no mundo "hoje" - não numa data futura distante. Esta idéia volta diversas vezes - na sinagoga, depois de fazer a leitura de Isaías, Jesus dirá que "hoje cumpriu-se essa passagem" (4, 21); a Zaqueu, Jesus afirma que "hoje a salvação entrou nessa casa" (18, 9); ao condenado na cruz, Jesus garante que "hoje estará comigo no paraíso" (23, 43). O Reino da Salvação está sendo inaugurado, e por Jesus, na fraqueza da exclusão social, e não por César, com toda a pompa da corte e das armas! Numa manjedoura e não num palácio imperial! Por parte de quem carece de força e prestígio, e não pelos poderosos e fortes do mundo!

Os pastores não somente testemunham a presença do recém-nascido em Belém, mas anunciam o que disseram os anjos (v. 17). Essa Boa-Notícia complementa o que foi já anunciado à Maria em 1, 31-33, por Maria em 1, 46-45, e por Zacarias em 1, 68-79. É muito significativo o termo que Lucas emprega para descrever a reação de Maria: "Maria, porém, conservava todos esses fatos, e meditava sobre eles em seu coração." ( v. 19) Aqui Lucas retrata, através de Maria, a atitude do/a discípulo/a diante dos mistérios de Deus, revelados em Jesus - Maria não capta o significado pleno dos eventos e os rumina no seu íntimo. A idéia volta de novo em Lc 2, 51: "Sua mãe conservava no coração todas essas coisas". É uma maneira de apontar para a caminhada de fé que Maria trilhou - e que todos nós, que não captamos o sentido pleno da ação de Deus em nossas vidas, teremos que andar.

O texto encerra afirmando que os pobres e marginalizados - personificados nos pastores: "voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que haviam visto e ouvido" ( v. 20). Qualquer celebração de Natal que não dê para os oprimidos motivo para alegria, coragem e louvor a Deus, pode ser tudo, menos uma celebração cristã!

Festa da Sagrada Família - 28 dezembro 2008
Lc 2, 22-40
"Ele crescia, cheio de sabedoria e o favor de Deus estava com Ele".

O Evangelho da Festa da Sagrada Família, é tirado do segundo capítulo de Lucas. Mais uma vez encontramos um tema muito importante para esse Evangelho - o encontro entre o Antigo e o Novo Testamento. Durante o Advento, Lucas fazia o paralelo entre Isabel, Zacarias e João Batista; e Maria, José e Jesus. No texto de hoje, os justos da Antiga Aliança são representados pelas figuras de Simeão e Ana, profeta e profetiza. Outros dois temas de Lucas também se destacam nesse relato - o Espírito Santo e a opção pelos pobres.

Lucas enfatiza que os pais de Jesus foram ao Templo conforme a Lei (Lv 12, 8), para oferecer o seu sacrifício - de dois pombinhos. Na Lei, esse sacrifício era permitido aos pobres. Mais uma vez, continuando a lição da manjedoura e dos pastores, Lucas sublinha o amor especial de Deus para os pobres. Deixa bem claro que Maria, José e Jesus eram contados entre eles - como, aliás, era toda a população do Nazaré de então!

Simeão e Ana representam, em quase os mesmos termos de Zacarias e Isabel, os justos que esperavam a salvação de Deus - o grupo conhecido no Antigo Testamento como os "anawim", ou "pobres de Javé". É de notar que, no seu canto, Simeão proclama que ele pode "ir em paz" - simbolizando que as esperanças dos justos da Antiga Aliança agora serão realizadas em Jesus. Como na visitação, a idosa Isabel, símbolo também dos justos, acolhia com alegria a chegada de Maria com Jesus, agora Simeão e Ana recebem com a mesma alegria a novidade da Nova Aliança, concretizada em Jesus. Mais uma vez Lucas coloca juntos homem e mulher, um tema comum nos seus escritos (Lc 4, 25-28; 4, 31-39; 7, 1-17; 7, 36-50; 23,55-24,35; At 16, 13-34). Assim, Lucas insiste que o homem e a mulher se colocam juntos diante de Deus. São iguais em dignidade e graça, recebem os mesmos dons e têm as mesmas responsabilidades.

Como já fez em 2, 19 e fará de novo em 2, 50, Lucas frisa que os seus pais não entenderam plenamente ainda o alcance do mistério de Jesus. V. 33 insiste que "o pai e a mãe do menino estavam admirados do que se dizia dele" - mais uma vez nos apresentando José, e especialmente Maria, como modelos de fé. Não obstante, qualquer revelação que eles tivessem, também tiveram que caminhar na escuridão da fé, descobrindo passo a passo o que significava ser discípulo de Jesus.

Jesus "crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria e o favor de Deus estava com Ele". Mas, esse crescimento foi gradual, como com todos nós; e a sua família tinha um papel importantíssimo no seu crescimento. Se, como adulto, ele podia nos dar a imagem de Deus como o amoroso Pai - tema tão caro a Lucas - era porque também aprendeu isso através da experiência do seu pai adotivo, José. Se crescia na espiritualidade dos anawim, era porque aprendeu isso desde o berço, junto com os seus pais. Se era fiel na busca da vontade de Deus, era porque assim se aprendia no ambiente familiar. Num mundo como o nosso, que desvaloriza a vida familiar, o texto de hoje deve nos animar e desafiar, para que, como Maria e José, na claridade e na escuridão da caminhada, criemos um ambiente onde o amor possa florescer e onde os nossos jovens possam aprender, como por osmose, a importância do amor nutrido numa fé viva em Deus, na contramão da nossa sociedade consumista e materialista, que vê na família unida uma ameaça aos seus contra-valores.

Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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