Theresa Catharina de Góes Campos

  Publicado no Diário de Pernambuco, 22/12/2008, p.A-11:

FESTA DAS LUZES

Tereza Halliday – Artesã de textos

O milagre foi assim: o templo, lá na Judéia, havia sido profanado
por invasores. Graças a Judas Macabeu e seus irmãos, os hebreus
conseguiram botar o exército greco-sírio para correr. Está na Bíblia:
Livro I, Macabeus. Depois da profanação, o templo precisava ser
purificado e re-consagrado. A cerimônia ocorreu na noite do 25º dia do
mês de Kislev, no calendário hebraico. Era o ano 165 a.c. Naquela
noite, só havia um tiquinho do óleo de oliva sagrado, combustível
bastante para manter a chama do Templo acesa apenas por um dia. Mas a
candeia luziu milagrosamente por oito dias. Narrativas de milagres
consolam a Humanidade sofredora desde o começo do "ouvi contar..."


O milagre da multiplicação do azeite e a vitória dos resistentes
judeus sobre seus opressores são comemorados até hoje nas sinagogas e
residências dos que mantêm as tradições judaicas. Em belíssimo
candelabro de nove hastes – a menorah - oito velas são acesas
sucessivamente, a cada dia. A quinta vela, no centro, chamada "a
servidora", é usada para acender as demais. Segundo a tradição, o
lampadário deve ficar perto de uma janela ou porta aberta, "a fim de
divulgar o milagre". Quitutes, cantos, doação de moedas às crianças e
troca de presentes realçam o evento, nutrido pela memória ancestral.
É a Festa das Luzes - Hanukkah ou Chanukah (pronuncia-se ranucá). O
termo significa inauguração, consagração, ato de dedicar. O dicionário
Houaiss o registra aportuguesado: chanucá.



A Festa das Luzes sempre acontece no mês de dezembro do
calendário cristão. Em 2008, começou no dia 21. Não é por acaso que as
celebrações de Hanukkah e do Natal de Jesus (não confundir com o natal
das lojas) combinem suas alegrias numa mesma época. O cristianismo é
cria do judaísmo. Como todas as crias, cresceu e assumiu idéias
próprias. Jesus era judeu de quatro costados, com formação judaica.
Sua última ceia (considerada, na simbologia cristã, o momento da
instituição da Eucaristia) era a ceia da Páscoa Judaica, que ele, como
bom judeu, celebrava. Maria, sua mãe, reverenciadíssima pelos
católicos, era judia, do time das mulheres fortes que a precederam:
Rute, Judite, Ester. Os doze primeiros apóstolos eram todos judeus.


Não dá para os cristãos negarem suas raízes judaicas. E os judeus
podem orgulhar-se de que um dos seus, Jesus de Nazaré, pregando amor,
compassividade e concórdia, tornou-se a maior celebridade de todos os
tempos, com o mais alto status perante Deus e os que vieram a
chamar-se "cristãos". Em visita à França este ano, o papa Bento XVI
afirmou: "Quem é anti-semita, é anticristão". Acrescento: e
vice-versa.


Impossível não encantar-se com estas duas celebrações
dezembrinas: Chanucá e Natal. Que, a cada ano, o clarão da menorah e o
lume da Estrela de Belém se reencontrem. O mundo está muito precisado
de um mutirão de Luz.
 

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