Theresa Catharina de Góes Campos

   O LEITOR

Em O Leitor, o bem sucedido cineasta britânico Stephen Daldry
procura mostrar, numa linguagem convencional, mas de bom acabamento
técnico, principalmente no que diz respeito às interpretações, o
quanto tem sido difícil para os alemães se conciliarem com o passado e
como é, da mesma forma, penoso abordar, em termos artísticos, a vida e
o amor numa sociedade que se envolveu com o genocídio.

Para tratar dessas questões – momentosas na medida em que
coincidem, por exemplo, com a pressão do governo alemão no sentido de
que o Vaticano imponha punição, o que já foi feito, aos bispos
lefebvrianos que sustentam não haver ocorrido, como se propala, o
genocídio de judeus durante a II Guerra Mundial -, Daldry (As Horas)
baseou seu filme no bestseller homônimo e autobiográfico, de Bernhard
Schlink, colaborador de David Hare, na elaboração do roteiro.

Embora Daldry se recuse a admitir que seu filme – produzido por
Anthony Minghella e Sydney Pollack, que morreram durante as filmagens,
- seja centrado no Holocausto, o livro de Schlink, jurista alemão, de
origem judaica, não nega isso. Ele aborda a questão, de forma direta,
não só no julgamento de Hanna (Kate Winslet) por envolvimento no
extermínio de judeus nos campos de concentração, como durante os
seminários freqüentados pelo protagonista, Michael Berg (David Kross),
estudante de direito na faculdade de Heidelberg.

É importante por isso que se dê especial atenção a esses
seminários – apesar de constituírem a parte mais fraca, do ponto de
vista técnico, do filme e, ao que parece, também do livro -, quando o
professor Rohl (Bruno Ganz), motivado pelo caso de Hanna, suscita o
debate entre seus alunos sobre questões do tipo: o sentido de culpa
germânico e a prevalência da lei sobre a moral na condução de uma
sociedade.

E ainda, no intervalo desses seminários, a visita que Michael,
abalado por tomar conhecimento do passado de Hanna, faz aos campos de
concentração que guardam para a memória de sempre monturos de objetos
de pessoas ali sacrificadas, captados em tonalidade pictórica pelas
lentes de Chris Menge e Roger Deakins, indicados ao Oscar, sequência
essa dispensável, a meu ver, se o filme, como quer seu realizador, não
se centrasse no Holocausto

A película, que tem cinco indicações ao prêmio mais famoso do
cinema, se inicia em Berlim, em 1995, quando Michael Berg (Ralph
Fiennes), bem vestido, prepara um café da manhã para uma mulher,
Brigitte (Jeanette Hahn), que passou a noite com ele e deve sair em
seguida. Pelas insinuações dela, percebe-se que Michael é pessoa
problemática, o que se vai confirmar mais tarde ao se saber que, por
ser de gênio muito fechado, ele não aturou o casamento, e a filha,
Júlia (Hannah Heurzsprung), reclama por não conhecer nada sobre sua
vida.

Em flashback muito bem inserido, a narrativa regride ao ano de
1958, em Neustadt, quando Michael, de quinze anos, ao retornar da
escola, sob a chuva, sente-se mal do estômago e vomita na entrada de
um edifício, sendo prontamente atendido por uma mulher, Hanna, de
atitudes rudes, grosseiras, que o leva até o cubículo, onde mora,
tratando-o até que se restabeleça.

Ao voltar para casa, Michael relata o acontecido aos pais Thomas
Berg (Florian Bartholomai) e Carla Berg (Susanne Lothar), que chamam o
médico para verificar o que há com ele. Diagnosticado como sofredor de
escarlatina, Michael se vê obrigado a ficar de repouso, sem ir à
escola e isolado dos irmãos Peter (Mathias Habich) e Ângela
(Friederika Becht). Só depois de algum tempo, ele volta à casa de
Hanna, com algumas flores para lhe oferecer.

A partir de então tem início o envolvimento amoroso de Michael e
Hanna, que se revela aos olhos do jovem como muito sensual. Tanto pela
técnica narrativa como pela abordagem da psicologia do adolescente no
momento de sua iniciação sexual, o caso lembra o de François (Gérard
Philipe) e Marthe (Danielle Darrieux), em Adúltera, de Claude Autant
Lara, baseado no romance O Diabo No Corpo, de Raymond Radiguet.

A diferença reside no fato de Hanna se interessar pelas leituras
que Michael lhe faz de obras literárias famosas antes dos
relacionamentos amorosos. Empolgada por textos como a Odisséia , de
Homero, O Amante de Lady Chatterley, de Lawrence ou A Dama do
Cachorrinho, de Tchékhov, com os quais se emociona às lágrimas, Hanna
não poderia fazer crer a Michael naquelas circunstâncias – de acordo
com as reflexões por ele feitas anos mais tarde – de que seria capaz
de ser, um dia, responsável por tantas atrocidades.

Contando por essa interpretação de Hanna com cinco indicações ao
Oscar aos trinta e quatro anos de idade, Kate Winslet confirma, uma
vez mais, ser uma atriz de completo domínio da técnica de interpretar,
embora não esteja, a meu ver, tão bem como esteve em Foi Apenas um
Sonho, de Sam Mendes. Desta feita, ela encarna a complexa personagem
com muita determinação e vigor, fazendo com que o destaque de sua
caracterização se posicione principalmente na maneira de Hanna
caminhar, como se lhe pesasse o fardo da vida.

Ralph Fiennes, Bruno Ganz e Lena Olin, como sempre, estão
perfeitos em suas atuações, mas a grande surpresa do elenco é David
Kross que, como o jovem Michael Berg, se destaca numa interpretação
que arrebata, justificadamente, inúmeros prêmios internacionais, como
os mais recentes, os dos críticos de Las Vegas e de Chicago. Ao se
apresentar para os testes, Kross tinha dezesseis anos. Mas foi só
depois de completar os dezoito que pôde rodar as cenas de nudismo e de
relacionamento sexual com Kate Winslet. É um ator realmente de muito
talento.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O LEITOR
THE READER

EUA/ Reino Unido/Alemanha /2008
Duração – 124 minutos
Direção – Stephen Daldry
Roteiro – David Hare com base no livro The Reader, de Benhard Shlink
Produção – Anthony Minghella, Sydney Pollack, Donna Gigliotti e Rechmond Morris
Fotografia – Chris Menge e Roger Deakins
Música – Nico Muhly
Edição – Claire Simpson
Elenco – Ralph Fiennes (Michael Berg), Jeanette Hahn (Brigitte), David Kross (Michael Berg, jovem), Kate Winslet (Hanna) Bruno Ganz (Professor Rohl), Susanne Lothar ( Carla Berg), Florian Bartholomai (Thomas Berg), Friederika Becht (Ângela Berg) Matthias Habich (Peter Berg), Hannah Heurzsprung (Julia), Lena Olin (Ilana), Alexandra Maria Lara (Ilana, mãe)

From: adfalcao
Date: 2009/2/9
Subject: Re:O LEITOR - Reynaldo Domingos Ferreira
To: "theresa.files"


Theresa, obrigada por me enviar o sempre excelente comentário de nosso
amigo Reynaldo.
Abraços, Ana

 

Jornalismo com ética e solidariedade.