Theresa Catharina de Góes Campos

  Publicado no Diário de Pernambuco, 16/02/2009:

CELULAR DOS MEUS AMORES
Tereza Halliday – Artesã de Textos

Pedi orientação a amigos sobre a compra de novo telefone celular.
Meu querido modelo tijolinho está condenado ao lixo eletrônico por ser
TDMA. É preciso trocar de sigla, adotar a que for conveniente à
sobrevivência, tal qual político sabido.

Recebi 30 e-mails com dicas e surpreendentes revelações. As
preferências de marca e planos de serviços foram variadas. Mas houve
unanimidade em um ponto: para os respondentes do meu questionário, o
atendimento ao cliente é ruim em todas as operadoras. Os
"conselheiros" de mais de 50 anos confessaram que suas respostas foram
escritas com a "assessoria técnica" de filhos, netos e sobrinhos. A
maioria usa o celular para poucas coisas. Como eu, muitos não têm
tempo nem motivação para dominar as demais maravilhas embutidas no
aparelho e usadas com maestria pela garotada. Outro consolo: 90% dos
que me orientaram não sabiam o que é Blue Tooth, aquele Dente Azul
pelo qual consumidores babam e que já está ficando obsoleto.

Avisaram-me: eu não encontraria um aparelho que "apenas
telefonasse", como era meu intento. Teria de engolir outros macetes
oferecidos no modelo, por mais simples que fosse - levar para casa uma
boneca que não apenas diz "Mamãe", mas também faz xixi, paquera com os olhinhos, dança, pinta e borda. Assim são os celulares da nova
geração.

O ato de compra do novo co-habitante da minha vida prenunciava
estresse, perda de tempo e altas chances de tornar-me otária. Graças
às dicas dos amigos, cheguei às lojas sentido-me poderosa para
negociar, dizer não, focar nas minhas necessidades. Logo descobri que
o celular não é mais um telefone. É um terminal de computador e a
coisa menos importante das suas opções é fazer e receber chamadas.

Cá estou de celular novo, com manual mal escrito e pouco
explicativo, telinha onde pululam informações e ícones, um menu de
causar indigestão. Teclas que me levam a mil possibilidades de
embananamento, que é o meu estado atual de usuária resignada. "Você
fala duas línguas estrangeiras e sabe acessar computador, como pode
atrapalhar-se tanto com um celular?", provoca um amigo, na sua lógica
implacável. Com um pé na galáxia de Gutenberg, onde me criei, e outro
no buraco negro dos celulares multiuso, é difícil equilibrar-se neste
"admirável mundo novo".

Não quero voltar ao tempo dos mensageiros romanos a cavalo, mas
não cavalgo celular. Dispenso música e joguinhos - nas salas de espera
da vida, prefiro levar um livro. Por enquanto, não desejo enviar nem
receber torpedos, nem fazer operações bancárias. Também não preciso
tirar fotos. Todo mundo adora fazê-lo e depois me envia cópias pelo
computador. O celular não me faz companhia. É apenas mais um treco
necessário.

O título deste relato bem poderia ter sido "Celular dos meus
horrores" ou "Celular das minhas dores". Mas, como creio no poder do
pensamento positivo, escolhi este aí em cima, para me convencer.
 

Jornalismo com ética e solidariedade.