Theresa Catharina de Góes Campos

  From: lmaikol lmaikol@uol.com.br
Date: 2009/2/23
Subject: Homilias - Março 2009

Reflexões Homiléticas para Março de 2009

PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA - 1 Março 2009
Mc 1, 12-15
“Durante quarenta dias, no deserto, ele foi tentado por satanás”

Os três evangelhos sinóticos contam a história das
tentações de Jesus no deserto - Marcos de uma forma muita resumida,
Mateus e Lucas mais detalhadamente. Mas devemos lembrar que esses
relatos procuram expressar uma experiência mística de Jesus, e então
não devem ser interpretados ao pé da letra, de uma maneira
fundamentalista!

Uma coisa logo chama a atenção – nos três Evangelhos as
tentações vêm logo após o batismo de Jesus! O batismo significava o
assumir público da sua missão, como Servo de Javé. Logo após esse
compromisso, ele tem que enfrentar as tentações. Aqui a experiência de
Jesus é como a nossa própria - nós temos compromisso com o projeto de
Deus; mas, entre o nosso compromisso e a nossa prática do seguimento
de Jesus, existem muitas tentações!!

Marcos sublinha que “o Espírito impeliu Jesus para o
deserto”. O Espírito não conduz Jesus à tentação, mas é a força
sustentadora d’Ele, durante as suas tentações. Como o Espírito dava
força a Jesus, Marcos quer ensinar às suas comunidades que elas também
poderão contar com este apoio do Espírito Santo nos momentos difíceis
da vivência da sua fé!

O relato mais desenvolvido de Lucas (Lc 4, 1-14) pode nos
ajudar a aprofundar o sentido das tentações de Jesus. Nelas podemos
reconhecer as mesmas tentações que nós, individualmente e
comunitariamente, enfrentamos na nossa caminhada da fé hoje! Primeiro,
Jesus é tentado a mandar que uma pedra se tornasse pão. Podemos ver
aqui a tentação do “prazer” - logo que enfrenta um sacrifício por
causa da sua opção, Jesus é tentado a escapar dele! Uma tentação das
mais comuns hoje, num mundo que prega a satisfação imediata dos nossos
desejos, criando necessidades falsas através de sofisticadas campanhas
de propaganda. Pois vivemos numa sociedade que prega o individualismo,
onde a regra é “se quer, faça!”, e onde sacrifício, doação e
solidariedade são considerados como ladainha dos perdedores! É só
olhar o número de casamentos que fracassam diante da primeira crise,
ou a quantia de seminaristas, religiosos/as e padres que desistem, às
vezes pouquíssimo tempo depois de professar os seus votos ou de se
ordenar, diante de uma sentida falta de “auto-realização imediata”. A
resposta de Jesus é contundente: “Não só de pão vive o homem”. O homem
vive de pão certamente, mas não só! Jesus não é sádico, contra o
necessário para viver dignamente. Mas salienta muito bem que não é
somente a posse de bens que traz a felicidade, mas a busca de valores
mais profundos, como a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade
com os sofredores. Não faz nenhum contraste falso entre bens materiais
e espirituais – ambos são necessários para que se tenha a vida plena!
Nessa frase, Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade na
simples posse de bens como os que dispensam a luta pelo pão de cada
dia para todos!

A segunda tentação pode ser vista como a de “ter”. De novo
algo muito atual! Nós vivemos na sociedade pós-moderna da globalização
do mercado, do neo-liberalismo, do consumismo, do “evangelho” do
mercado livre. Diariamente a televisão traz para dentro das nossas
casas a mensagem de que é necessário “ter mais”, e que não importa
“ser mais”! Como sempre, a tentação vem em forma atraente - até a
Igreja pode cair na tentação de achar que a simples posse de bens, que
podem ser usados em favor da missão, garantirá uma pregação mais
evangélica. Isso sem falar nas pregações midiáticas que glorificam um
Deus que supostamente faz da posse de bens materiais sinal da sua
bênção! Somos tentados a não acreditar na força dos pobres, de não
seguir o caminho do carpinteiro de Nazaré. Jesus também teve que
enfrentar esta tentação - Ele que veio para ser pobre com os pobres,
para mostrar o Deus que opta preferencialmente pelos pobres, é tentado
a confiar nas riquezas! Para o diabo - e para o nosso mundo que
idolatra o bem-estar material e o lucro, mesmo sacrificando a justiça
social - Jesus afirma: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a
ele servirá” (v. 8).

A terceira tentação pode ser entendida como a do “poder”.
Uma tentação permanente na história da Igreja e dos cristãos. Quantas
vezes a Igreja confiava mais no poder secular do que na fragilidade da
cruz, para “evangelizar”. Quanta aliança entre a cruz e a espada - a
América Latina que o diga! Ainda hoje todos nós enfrentamos esta
tentação - não de ter poder para servir, mas de confiar no poder
aparente deste mundo mais do que na fraqueza aparente de Deus. Jesus,
que veio para servir e não para ser servido, que veio como o Servo de
Javé e não como dominador, teve que clarificar a sua vocação e
despachar o diabo com a frase: “Não tentarás o Senhor seu Deus” (v.
12).

Realmente, podemos nos encontrar nas tentações de Jesus!
São as tentações do mundo moderno - o ter, o poder e o prazer! Coisas
boas em si, quando bem utilizadas conforme a vontade de Deus, mas
altamente destrutivas quando tomam o lugar de Deus em nossas vidas!
Jesus teve que enfrentar o que nós enfrentamos - o “diabo” que está
dentro de nós, o tentador que procura nos desviar da nossa vocação de
discípulos. O relato nos coloca diante da orientação básica para quem
quer vencer: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá”
(v. 8).


SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA - 8 Março 2009
Mc 9, 2-10
“Este é o meu Filho bem-amado. Ouvi-O!


O texto de hoje vem logo após o diálogo com Pedro e os
discípulos, na estrada de Cesaréia de Filipe, sobre quem era Jesus e
como deveria ser o seu seguimento:“Se alguém quer me seguir, renuncie
a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga” (8, 34). Começando
essa passagem com as palavras “Seis dias depois”, Marcos quer ligar
estreitamente o texto com a mensagem anterior sobre a cruz.

O texto destaca um aspecto de Jesus que é muito importante
- o fato que ele era um homem de oração. Durante a oração aparecem
Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas. Assim, Marcos mostra
que Jesus está em continuidade com as Escrituras, isto é, o caminho
que Jesus segue está de acordo com a vontade de Deus. Os dois
personagens, tanto Moisés como Elias, eram profetas rejeitados e
perseguidos no seu tempo - Marcos aqui vislumbra mais uma vez o
destino de Jesus, de ser rejeitado, mas também de ser vindicado por
Deus.

Pedro, ao despertar do sono, faz uma sugestão descabida:
“Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti,
uma para Moisés e outra para Elias” (v. 5). Claro, seria bom ficar
ali, num momento místico, longe do dia-a-dia, da caminhada, das
dúvidas, dos desentendimentos, da luta. Quem não iria querer? Mas, é
uma sugestão que Jesus não pode aceitar. Terminado o momento de
revelação, “Jesus estava sozinho” e em seguida “desceram da montanha”
(v. 9). Por tão gostoso que possa ser ficar no Monte, é precisa descer
para enfrentar o caminho até o Monte Calvário! A experiência da
Transfiguração está intimamente ligada com a experiência da cruz!!
Talvez, foi a força da experiência do Monte Tabor que deu a Jesus a
coragem necessária para aguentar a experiência bem dolorosa do
Calvário!

Todos nós - seja qual for a nossa vocação - precisamos de
momentos de oração profunda, de união especial com Deus. Mas, essas
experiências não são “intimistas” - nos aprofundam a nossa fé e o
nosso seguimento para que possamos seguir o exemplo d’Ele que lavou os
pés dos discípulos:“Eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus
pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros” (Jo 13, 14).
Também, esse trecho pode nos ensinar a valorizar os momentos de
“Tabor”, os momentos de paz, de reflexão, de oração. Pois, se formos
coerentes com a nossa fé, teremos muitas vezes de fazer a experiência
de “Calvário”! Somos fracos demais para aguentar esta experiência -
por isso, busquemos forças na oração, na Palavra de Deus, na meditação
- mas sempre para que possamos retomar o caminho, como fizeram Jesus e
os três discípulos! Para os momentos de dúvida e dificuldade, o texto
nos traz o conselho melhor possível, através da voz que saiu da nuvem:
“Este é o meu Filho bem-amado. Ouvi-o!” (v. 7). Façamos isso, e
venceremos os nossos Calvários!!


TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA - 15 Março 2009
João 2, 13-25
“Mas Ele falava do templo do seu corpo”


Na cena do texto, Jesus vai a Jerusalém para a primeira das três
Páscoas mencionadas em João (nos Sinóticos - Mt, Mc, Lc - a vida
pública de Jesus só durou um ano e eles só mencionam uma Páscoa). No
Templo, que deveria ser o lugar do culto ao Deus verdadeiro da Bíblia,
o Deus de libertação, o Deus dos pobres e sofridos, ele encontra um
verdadeiro mercado, onde, no pátio externo, era possível comprar os
animais para os sacrifícios e trocar a moeda, uma vez que a moeda
corrente do país não era aceita no Templo. Quando atacava esse
comércio, Jesus estava indo além da mera condenação de um abuso. Pois
os animais e o câmbio eram necessários para o funcionamento do Templo.
Como Jesus substituiu a purificação dos judeus no sinal das bodas de
Caná, aqui ele demonstra que o centro do culto judaico perdeu o seu
sentido. Pois, a presença de Deus, antes achada no Templo, agora
deturpado pela elite religiosa e política, doravante reside em Jesus,
o Filho de Deus encarnado. Ele cumpre as profecias de Jeremias e
Zacarias que predisseram uma religião sem templo nacionalista,
explorador econômico do povo (Jr 7, 11-14; Zc 14, 20-21).

João entende que o templo é o corpo de Jesus, que será ressuscitado em
três dias – ele usa de propósito o verbo “reerguer” em lugar do
“reconstruir” dos Sinóticos (Mt 26, 61). As autoridades judaicas
destruíram o sentido do Templo, abusando do povo economicamente, como
vão destruir o corpo de Jesus, matando-o; mas Jesus tem o poder de
reerguer o verdadeiro Templo onde habita Deus, na ressurreição, depois
de três dias.

Mais uma vez Jesus, através de uma ação profética, desmascara a
deturpação da religião por parte das autoridades de Jerusalém. Embora
o templo fosse muito bonito e imponente, com liturgias pomposas bem
frequentadas, a sua religião era vazia, pois escondia o rosto
verdadeiro de Deus. As igrejas correm este mesmo risco nos dias de
hoje. Além da descarada exploração financeira dos seus fiéis por parte
de algumas seitas (cuidemos para não generalizarmos aqui e evitemos
que a mesma coisa aconteça na nossa Igreja!), aos poucos muitas
comunidades cristãs perderam a sua dimensão profética de denúncia e
anúncio, configurando-se ao mundo neo-liberal de consumismo e
gratificação emocional imediata, tornando o Evangelho uma mercadoria a
ser vendida através de um marketing, que jamais pode questionar os
valores da sociedade vigente. Como escreveu uma vez o Frei Beto, a
religião assim “brilha sob as luzes da ribalta, trocando o silêncio
pela histeria pública, a meditação pela emoção, a liturgia pela dança
aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais palatável,
destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da Igreja,
mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em comunidades, a
reflexão bíblico-teológica e o compromisso pastoral no serviço à
justiça. As homilias se reduzem a breves exortações que não incomodam
as consciências” (Estadão 03.11.99).

Assim, o texto de hoje nos traz um alerta – Jesus não veio compactuar
com uma religião exploradora, alienadora e aliada ao poder, mas para
encarnar as opções do Deus Javé, libertador dos males e de toda
exploração; ele veio “para que todos tenham a vida e a vida em
abundância” (Jo 10, 10). Uma religião que abandona a sua função
profética é tão traidora como a religião decadente das elites do
Templo. Nos últimos anos, diante da arrogância despótica de George W.
Bush e seus aliados, verdadeiros criminosos de guerra, diante do
massacre em Gaza, diante da tragédia de Darfur e do Congo, as vozes de
Bento XVI, do Arcebispo Desmond Tutu, do Dalai Lama e de outros
líderes religiosos soaram profeticamente ao redor do mundo,
lembrando-nos que a religião não se confina à sacristia, mas tem que
levar à prática dos princípios do Reino, que recusa a legitimar o
derramamento de sangue em troca de petróleo ou minérios. A Campanha da
Fraternidade 2009 convoca todos os cristãos para que recuperem essa
dimensão profética na luta em favor da verdadeira segurança com o lema
“A Paz é Fruto da Justiça” (Is 32, 17), e não das armas, dos
bombardeios ou da repressão policial. Aproveitemos do “tempo oportuno”
que é a Quaresma para reavaliar a nossa prática religiosa, para que
não caia na desgraça do Templo – de ser bonita, atraente e
emocionante, mas vazia de sentido.


QUARTO DOMINGO DA QUARESMA - 22 Março 2009
Jo 3, 14-21
“Deus enviou o seu Filho ao mundo não para julgá-lo, mas para que seja
salvo por Ele”


Podemos dizer que o texto de hoje inclui uns versículos
(vv. 16-21) que podem ser entendidos como resumo de todo o evangelho
de João. Inclui também muitas referências ao Antigo Testamento e ao
pensamento judaico da época.

Inicia-se com a primeira de três frases em João sobre o “levantar” do
Filho do Homem, aqui usando paralelismo com a serpente de bronze de Nm
21, 1-9. O termo “levantado” refere-se tanto ao ser elevado na cruz
como ao ser levantado aos céus. A Cruz é o primeiro passo na volta de
Jesus ao Pai.

A parte central do texto insiste no infinito amor do Pai
pelo mundo. Mais uma vez cumpre reconhecer que o termo “mundo” tem
diversos sentidos em João. Muitas vezes refere-se às forças opostas a
Jesus, e, portanto tem uma conotação altamente negativa. Aqui se
refere à criação de Deus, o universo, com uma conotação positiva.
Infelizmente nos dias de hoje, muitos adeptos das religiões vêem o
mundo como algo negativo e pecaminoso – freqüentemente justificando-se
com uma interpretação errônea de João e assim criando uma religião
dualista, onde o “espiritual” é santo enquanto o “material” é
pecaminoso. Assim, o mundo se torna mais o domínio do demônio do que
de Deus e cria-se uma religião de alienação e fuga das realidades
terrestres. Tal visão deve mais a certas religiões pagãs do que à
mensagem do Evangelho.

A missão de Jesus não é de condenar, mas de salvar. Porém
a própria presença de Jesus já constitui um julgamento, pois exige uma
tomada de posição da parte de cada um. Para o judaísmo, e muitos
escritos do Novo Testamento, o juízo deve acontecer no fim da
história; mas, para João se dá quando alguém se encontra na presença
de Jesus e conscientemente recusa a sua mensagem. O termo que a
teologia usa para essa visão é “escatologia realizada”. Na visão de um
mundo dividido entre luz e trevas, há paralelos com os documentos do
Mar Morto, provavelmente da seita dos Essênios.

O cerne da questão é crer ou não em Jesus. Mas, é
importante lembrar que “crer” não é somente um exercício intelectual
de aceitar que algo seja a verdade. “Crer” é assumir o projeto de vida
de Jesus, é seguir nas suas pegadas. É fazer as suas opções concretas,
ou melhor, de agir como ele agiria se estivesse entre nós hoje. Como
será que Jesus agiria diante dos escândalos e crises que assolam o
nosso mundo? Que posição tomaria diante da acumulação de bens e terras
nas mãos de poucos? O que faria diante da questão da reforma agrária?
O que diria diante do sofrimento de milhões de desempregos na crise
atual, criada por gananciosos que não sofrem as conseqüências da sua
sede sem limites de lucro. “Crer” n’Ele não é afirmar teses
teológicas, mas seguir na prática esse Jesus de Nazaré que se colocou
sempre ao lado dos excluídos.

É bom notar que Jesus, enfatizando nessa seção a
necessidade do nascimento novo espiritual (estamos ainda no discurso
diante de Nicodemos) nega a importância de nascer fisicamente no Povo
Eleito – mais uma vez, como em Caná e no Templo (2, 1-11.13-22), Jesus
substitui um dos pilares do judaísmo da sua época!

Estamos em plena Campanha da Fraternidade, procurando
criar um novo mundo sem violências, – lutando pela luz contra as
trevas! Agir “segundo a verdade” (v. 21) significa fazer o bem. Quem
luta pelo bem, pela vida, contra a exclusa,o realmente “crê” em Jesus,
seja qual for a sua confissão religiosa, e “não é condenado” (v. 18).
Quem não faz essa opção, opta então pelas trevas, mesmo que professe
de uma maneira ortodoxa as teses da fé, mas realmente “não crê no nome
do Filho Único de Deus” (v. 18). Ninguém escapa de fazer essa opção
concreta, pelo bem ou pelo mal, pela luz ou pelas trevas, pelo Reino
ou pelo anti-Reino! É pelos frutos que se conhece a árvore! A Quaresma
nos convida para revermos as nossas opções de uma maneira sincera.


QUINTO DOMINGO DA QUARESMA - 29 Março 2009
Jo 12, 20-33
“Se alguém quer servir a mim, que me siga!”


O texto de hoje traz muitos elementos que têm eco nos
textos sinóticos. Até uma leitura rápida vai trazer lembranças dos
seus textos sobre o seguimento de Jesus, p. ex. Lc 9, 22-25: “Se
alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e
me siga”, entre outros. João faz uma redação conforme a sua teologia e
enfatiza que o seguimento de Jesus se dá no serviço a Ele, ou seja, na
luta em favor do seu projeto. Todo o Evangelho de João manifesta que o
serviço a Jesus se dá no serviço aos irmãos e irmãs. Não é possível
servir Jesus sem se colocar ao serviço dos outros, especialmente dos
mais sofridos. Pois, o projeto de Jesus de fidelidade ao Pai vai
custar-lhe a vida – ele será como o grão do trigo que, se não cai na
terra e não morre, fica sozinho; “mas, se morrer, produz muito fruto”
(v. 24). Não que Jesus queria a morte e o sofrimento, mas são
inerentes no seguimento do projeto do Pai – e apesar das aparências,
não levam à derrota, mas à vitória. Jesus não veio para ser
triunfalista, mas para dar a vida em favor de muitos.

Essa visão que Jesus tinha da missão do Messias não era a comum - em
geral as pessoas daquele tempo esperavam um messias triunfante,
glorioso, guerreiro. A Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a
mulher na sua imagem e semelhança; mas, na verdade, nós muitas vezes
criamos Deus em nossa imagem, e semelhança, para que Ele não nos
incomode. A nossa tendência é de querer vencer e nos impor, de seguir
um messias triunfante, e não o Servo Sofredor. Mas, para Jesus, não há
meio-termo. O discípulo tem que andar nas pegadas do seu mestre: “S e
alguém quer servir a mim, que me siga” (v. 26).

O seguimento de Jesus leva à cruz; pois, a vivência das
atitudes e opções d’Ele vai nos colocar em conflito com os poderes
contrários ao Evangelho. Mas, é importante compreender o sentido de
“carregar a cruz”. Não é agüentar qualquer sofrimento. Se fosse assim,
a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as consequências
de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus.
Segui-Lo não é tanto fazer o que Jesus fazia na sua época e situação
social e cultural, mas o que Ele faria se estivesse aqui hoje, diante
dos desafios da nossa sociedade, convivência e situação concreta. Isso
o levou a ser assassinado, não pelo povo, mas por grupos de interesse
bem claros, “os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da
Lei”, (a elite dominante em termos econômicos, religiosos e
ideológicos), e, do mesmo jeito, os seus seguidores entrarão em
conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses dos
oponentes de Jesus – sejam eles sócio-políticos, econômicos ou
religiosos – normalmente tudo vem misturado! Por isso, sempre haverá a
tentação de criarmos um Jesus “light”, sem grandes exigências,
limitado a uma religião intimista e individualista, sem consequências
políticas, econômicas ou ideológicas. Seria cair na tentação de Pedro,
conforme o relato Sinótico, quando rejeitava o seguimento de um
Messias Sofredor (Mc 8, 32).

Mas, que Jesus queremos seguir? A resposta se dará não
tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é
Jesus para nós, pela nossa maneira de viver, pelas nossas opções
concretas, pela nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da
história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus que não seja exigente,
que não traz conseqüências sociais, que não nos engaja na luta por uma
sociedade mais justa. Fiquei triste há pouco tempo ao ouvir uma
senhora que tinha deixado a Igreja Católica para aderir a uma Igreja
da Teologia de Prosperidade, na verdade uma empresa multi-nacional,
exclamar “agora achei o Jesus que eu queria”. Sem dúvida, o Jesus que
ela queria, mas não o Jesus real! Pois o Jesus real, Jesus de Nazaré,
o Jesus do Evangelho, não foi assim, e deixou bem claro: “Quem tem
apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo,
vai conservá-la para a vida eterna” (v. 25). É claro que aqui se usa
um semitismo – o contraste com o “apegar-se” é expressado pelo verbo
“desprezar”- o que significa “amar menos”. Essa opção é difícil –
embora João não relate a agonia no Horto, ele expressa a mesma
realidade quando Jesus diz “estou perturbado” (v. 27). Mas, o Pai lhe
deu força, como dará a quem faz a opção real pelo Reino, no seguimento
de Jesus, no serviço aos irmãos e irmãs, na construção de uma
sociedade, Igreja e comunidade sem exclusões, onde todos tenham a
possibilidade de ter a dignidade e vida plena dos filhos e filhas de
Deus e de cidadãos da sociedade.

Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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