Theresa Catharina de Góes Campos

  From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2009/3/2
Subject: Estudos do Não Matar


Amigos:
Depois do Carnaval, voltemos aos assuntos sérios.
Mas não será toda quinzena.
O diretor do jornal me recomendou ser "light" às segundas-feiras.
Um abraço, Tereza.

MUNDO SEM “MORTE MATADA”

Tereza Halliday – Artesã de Textos

A mídia se alimenta das transgressões ao 5º Mandamento. “Morte
matada” dá Ibope e tem sido tratada como inevitável em certas
explicações sedimentadas pelas ciências biológicas e sociais. Na
indústria dos videogames, o matar é lazer. Não apenas envolvem os
jogadores-combatentes virtuais em guerras - modo antiquíssimo de
justificar homicídios. Também ensinam a matar, provocando assassinatos
com o simples uso do mouse: a vítima indefesa é queimada, pulverizada,
abatida sumariamente, numa apologia da crueldade e da covardia.


Na contramão do matar como solução e diversão, temos os Estudos
do Não-Matar (Non-Killing Studies), amplo campo de pesquisa
interdisciplinar. Ousam propor novo paradigma: “é possível uma
sociedade onde não se mata”. A School of Nonkilling Studies e o Center
for Global Non-Killing o seguem, ao analisar temas como a psicologia
do matar e do não matar, a “letalidade econômica” e a sociabilização
para matar.

O conceito de “não-matar” é definido por Glenn D. Paige como “a
ausência do matar, das ameaças de morte e das condições que levam a
matar”. Seu livro Sem Matar é possível – Para uma nova Ciência
Política Global, 2006, Ed. B. Kristensen, serve de marco teórico aos
estudos desses pesquisadores que recomendam: “Em situações de
conflito, do começo ao fim, busque a conciliação em vez da humilhação,
degradação, ação predatória, ou aniquilamento”. Eles lembram que foi
preciso grande criatividade para alcançar as condições atuais de
violência estrutural e tecnológica. Por isto, é preciso mais
criatividade ainda para alcançar condições de paz estrutural.
Asseveram que é possível. “Neguemos apoio a soluções violentas.
Apoiemos formas não letais de solucionar conflitos”, exortam.

Os Estudos do Não-matar englobam os conceitos de Paz (ausência de
guerra e de condições que levem a ela) e de Não-violência (física,
psicológica e estrutural). Mostram que é possível adotar uma postura
de não ferir com pensamentos, palavras ou atos. Postura que deve
prevalecer nas relações inter-pessoais e institucionais. Para detalhes
sobre esses estudos, contatem o prof. Joám Evans Pin (em português,
inglês ou espanhol): jevans@nonkilling.org

Entre os pesquisadores brasileiros engajados nessa reconstrução
de uma sociedade onde o matar não tenha vez, estão Ubiratan Dambrosio,
etnomatemático da Unicamp/USP, e Francisco Gomes de Matos, professor
emérito da UFPe. e Linguista da Paz - uma especialidade dentro do
campo da Lingüística Aplicada que advoga o uso positivo da língua
falada e escrita para desarmar “bombas” de animosidade e expressar
discordância sem menoscabo nem sarcasmo.

Foi pensando diferente que muita coisa boa se construiu neste
mundo. Os estudiosos do Não-Matar podem ser facilmente rotulados de
utópicos e loucos. Utopia e loucura é aceitar o paradigma vigente:
“sem matar não há solução”. Pois, até hoje, o matar não resolveu nada.

(Publicado no Diário de Pernambuco, 2/03/2009, p.A-7).
 

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