Theresa Catharina de Góes Campos

  CAMPANHA EM PROL DE SONS CIVILIZADOS

From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2009/3/24
Subject: Campanha em prol de sons civilizados

Aos meus leitores via-e-mail:

O texto abaixo, de Edson Bandeira de Mello, pianista, educador,
musicólogo, com formação na França, retoma o tema do meu artigo da
semana passada e diz muito mais:

Diário de Pernambuco, 23 de março de 2009 - p. A-11

Violência do som

Edson Bandeira de Mello // Músico

Casórios - Beleza e Barulho - Sob este intrigante título, li
atualíssimo artigo de Tereza Halliday, nesta página. Tereza diz-se
"Artesã de Textos" o que demonstra tanto a sua humildade quanto o seu
orgulho pelo belo trabalho que realiza. Ao tempo em que eu ia lendo
meu interesse crescia. O assunto me interessa de perto. A autora
apresenta suas razões por não mais comparecer a casamentos: o
sofrimento que o excesso de som lhe causa é maior que a alegria de ali
estar.

Estamos habituados a ouvir que nós, cidadãos do bem, estamos sendo
aprisionados em nossas casas enquanto os criminosos nos aguardam nas
ruas. Tal afirmativa, em geral, provoca protestos contra o descaso das
autoridades. Mas não é por isto que Tereza não mais pode ir a
casamentos. De fato, é por outras formas de violência perpetradas por
nossos entes mais queridos, cheios de orgulho por nos estarem
brindando com sua atenção e carinho. Uma delas é a da insuspeitada
agressão sonora.

Éque nossos queridos anfitriões não percebem que estão se deixando
levar pelo "marketing do sucesso" que, a cada vez, torna-se mais caro
e agressivo, pois, uma. Festa Bonita é aquela na qual a alegria
convive com a liberdade de trocar ideias e com o prazer de rever
amigos. Festa Bonita é aquela em que podemos admirar sua fina e
discreta organização sentindo a beleza dos festejados e a dos que com
eles se regozijam em clima de enlevo criado por músicas que sejam
delicadamente sussurradas e não enfiadas à força em nossos tímpanos, o
que talvez seja tolerável em um amplo descampado.. Festa Bonita é
aquela na qual há espaço para que a nossa percepção estética sinta o
belo e expressivo que ali existe, relaxando os nervos já em frangalhos
pelo dia a dia das grandes metrópoles.

Lembro-me de haver dito a Alexandre Lemos: Veja, Alexandre! Ao
entrarmos em uma Catedral Gótica nosso espírito tende ao infinito!
Veja a amplidão dessas naves! É admirável que tenham sentido e
construído tudo isto. Não havia eletricidade, tampouco microfones e
amplificadores. Contudo, sermões aqui eram feitos por pregadores
excepcionais! E todos ouviam tudo muito bem. Essas imponentes naves,
sem caixas de som, eram inundadas por músicas belíssimas que levavam
nosso espírito à amplidão do divino e do eterno, que habitam em nós.

Pena que em nossos dias, em qualquer lugar, por pequenino que seja, lá
está ele, o microfone - dono, líder, atual divindade que comanda,
ordena e a tudo desordena, em nome da informalidade que apenas esconde
o novo e vulgar poder de um falso comandante a nos levar ao desespero,
a estilhaçar nossos nervos. Poder de comando este, que teve início com
Hitler e seu microfone. Padre, pregador, conferencista, cantor, banda!
Todos de microfone em punho a fazerem um barulho infernal, inferno
este que, decididamente, não combina com um ambiente de enlevo que
requeira a atenção do espírito.

Hoje, quase não se ouve mais nada. É uma civilização anormalmente
visual e tátil. Os chamados shows musicais são uma demonstração viva
desse histerismo coletivo. Ali, milhares de jovens mal educados, mal
formados e mal amados extravasam o vazio que lhes vai na alma através
de uma forma de protesto alucinada, a qual chamam de diversão. Com a
gritaria que eles aprontam, recebem como retorno apenas maior
gritaria, ainda mais histérica, que vem dos instrumentistas. Chamam
àquilo de Música... Pasmem! Chamam de Música! O artigo de Tereza
Halliday deveria desencadear uma campanha sistemática dos órgãos de
"saúde pública do corpo, da mente e da alma". Aqui está minha adesão à
campanha.
 

Jornalismo com ética e solidariedade.