Theresa Catharina de Góes Campos

  GRAN TORINO

Em Gran Torino, Clint Eastwood narra a história da redenção de um preconceituoso veterano da Guerra da Coréia e metalúrgico, ex-empregado da indústria automobilística de Detroit. Morando no subúrbio da cidade, ele vai à luta para salvar seus vizinhos, imigrantes chineses (do grupo étnico hmong), refugiados por haverem se posicionado ao lado dos EUA na Guerra do Vietnã.

Aos quase 78 anos, Eastwood, mantendo-se fiel aos seus temas e à
sua estética clássica de diretor, denuncia, por um roteiro de Nick
Schenk, a omissão policial em dar segurança aos cidadãos, que não têm
como se defender senão fazendo justiça pelas próprias mãos, num meio
urbano de decadência econômica e diante de uma sociedade cada vez mais intolerante e selvagem.

Como acontecia em A Troca, que tratava da corrupção policial,
Eastwood, premiado com a Palma de Ouro Honorária do último Festival de
Cannes, revela a chave do argumento do filme pela palavra de um
pregador religioso. No caso, é a de um jovem sacerdote da Igreja
Católica, padre Janovich (Christoper Carley). Ele, no sermão de
encomendação do corpo da mulher de Walt Kowalski (Clint Eastwood),
exorta os fiéis a acreditar que, há, na morte, tanto a tristeza da
partida, como a alegria da salvação.

Já durante a cerimônia fúnebre, Kowalski, um austero descendente de poloneses, deixa evidente, pela postura e pelo olhar, o distanciamento que existe entre ele, os dois filhos, Mitch (Brian Haley) e Steve (Brian Howe), as noras e os netos. Estes, a seu ver, são por demais atrevidos em seus costumes modernosos, como o do uso de piercings no corpo (focados em destaque pela lente de Tom Stern), que ele censura e abomina.

A um dos filhos, Steve, Kowalski também não perdoa o fato de se
haver tornado vendedor de carros japoneses, já que ele, antes de ir à
guerra, trabalhara na linha de montagem da Ford, tendo instalado a
barra de direção do Gran Torino (1972), por ele preservado na garagem
de sua casa. Além do carro, como se deve observar, Kowalski ostenta,
na varanda, como símbolo de sua reminiscência patriótica, a bandeira
dos EUA sempre hasteada.

Embora tenha guardado na memória as considerações sobre a morte
feitas pelo sacerdote, Kowalski não o recebe bem, quando dias após o
funeral da mulher, Dorothy, vem ele a sua casa para lhe dizer estar
cumprindo, com a visita, a última vontade dela: a de convencê-lo a
se confessar pelo menos uma vez. Esta questão tem um pouco a ver com a
também levantada por Eastwood, em Menina de Ouro, de 2004.

Apesar das inúmeras tentativas de Janovich, Kowalski resiste em
comparecer ao confessionário. Alega várias razões para isso,
especialmente a de ser o padre um homem novo, um virgem de 27 anos,
que, segundo afirma, estudou muito nos livros, mas conhece pouco da
vida: - Confesso que não quero confessar com um jovem que deixou há
pouco o seminário!... Por favor, agora se retire!... – ele clama ao
sacerdote, batendo-lhe a porta na cara.

Paralelamente à ocorrência das visitas do religioso, Kowalski se
vê envolvido, de forma inopinada, num relacionamento de início
conflituoso com os vizinhos hmongs, depois que o mais moço deles, Vang
Thao Lor (Bee Vang), de 16 anos, induzido por uma gangue de sua
nacionalidade, é por ele surpreendido, dentro da garagem, tentando lhe
roubar o carro de estimação.

Sabedor do que acontecera, Janovich critica Kowalski por não
haver pedido a ajuda da polícia a fim de resolver a questão: Soube –
diz o padre – que houve problemas ontem por aqui. Por que não chamou a
polícia, Walt?... Mostrando-se em desacordo com o sacerdote, Kowalski
evolui em sentido contrário ao que ele diz, ou seja, decide manter boa
amizade com Thao e com sua família, dos quais se torna defensor
intransigente.

Abebera-se Kowalski então da cultura dos hmongs e passa a
acreditar ter mais afinidades com eles do que com os próprios filhos,
em relação aos quais se mantém cada vez mais a distância. Como é
preciso observar, há nessa aproximação de Kowalski com Thao, com sua
irmã Sue Lor (Ahney Her) e com outros membros da família hmong
evidentes reflexos também de outras obras de Eastwood, como Um Mundo
Perfeito, de 1993 e Cartas de Iwo Jima, de 2007.

A diversidade cultural se impõe ainda na trilha sonora, de Kyle
Eastwood – filho mais velho do diretor – e de Michael Stevens, rica em
jazz naturalmente, mas que inclui também o rap hmong. Destaca-se,
porém, na trilha, a canção-título Gran Torino, interpretada, durante a
exibição dos créditos finais do filme, pelo cantor e pianista Jamie
Cullum e por Don Runne, que mereceu indicação ao Globo de Ouro como
Melhor Canção Original.

Eastwood, por sua vez, incorpora em definitivo Kowalski à sua
galeria de personagens mais famosos. Há tal identidade do ator com o
protagonista que é difícil acreditar que o papel não tenha sido
escrito sob encomenda para ele interpretar. E é nos momentos de
solidão de Kowalski – quando, ciente do mal que o consome, se senta à
varanda para tomar cerveja -, que Eastwood vai revelando como
amadurece, no interior da personagem, a decisão de salvar os vizinhos
chineses ante a omissão da polícia, indiferente até mesmo diante do
fato de a casa deles haver sido metralhada.

O elenco é constituído, na maior parte, por atores jovens,
amadores, como o caçula de Eastwood, Scott, que aparece tímido, numa
ponta, representando o covarde namorado de Sue. Bee Vang e Ahney Her,
assim como os demais intépretes da comunidade hmong, preparados
tecnicamente por Eastwood, atuam com discrição, sempre atentos à sua
linha de direção.

O mais talentoso, entre os atores novos do elenco, entretanto,
é Christopher Carley, um profissional, que, no papel do padre
Janovich, sustenta boas e convincentes altercações com Eastwood. Já
tendo sido dirigido por Robert Redford, (Leões e Cordeiros), Carley
cumpre bem a tarefa que lhe foi dada, neste novo trabalho, de
contrapor o espírito jovem de Janovich à vivência de Kowalski. E, mais
que isso, é com o esplendor de suas alocuções, no púlpito da igreja,
que Eastwood começa e conclui o filme. Uma merecida oportunidade.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
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FICHA TÉCNICA
GRAN TORINO
EUA/2008
Duração – 117 minutos
Direção – Clint Eastwood
Roteiro – Nick Schenk
Produção – Robert Lorenz e Bill Gerber
Fotografia – Tom Stern
Trilha Sonora – Kyle Eastwood e Michael Stevens
Edição – Joel Cox

Elenco – Clint Eastwood (Walt Kowalski), Christopher Carley (padre Janovich), Bee Vang (Thao), Ahney Her (Sue),
Brian Haley ( Mitch Kowalski), Geraldine Hughes (Ashley Kowalski),
Brian Howe ( Steve Kowalski) e John Carroll Lynch (Barbeiro Martin).

NOTAS DA EDITORA

From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 2009/3/30
Subject:seu EXCELENTE texto ref. Gran Torino
To: REYNALDO FERREIRA


Amigo Reynaldo:

Muitíssimo obrigada por seu excelente artigo, perfeito, sobre o filme "Gran Torino" , que eu considero dificílimo de comentar, sobretudo pelo excesso de violência explícita (embora realista, como demonstram os noticiários nacionais e internacionais).
No seu texto, você abordou praticamente todos os aspectos, bem atuais! E para os objetivos de meus sites, ao refletir sobre os problemas expostos na história contada em " Gran Torino ", escreveu o que, de fato, precisava ser comentado.
Como sempre, sua análise também abrangeu direção, roteiro, interpretação e trilha sonora, demonstrando sua experiência e habitual competência.
Você não precisa dos "parabéns" de ninguém... mesmo assim, registro aqui estes merecidos parabéns.
Muito obrigada por sua colaboração regular.

Abraços cordiais de
Theresa Catharina
Brasília-DF, 30 de março de 2009.


DETROIT: Réquiem para uma cidade.

From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/4/5
Subject: FW: DETROIT: Réquiem para uma cidade.
To: Theresa Catharina Campos


Repassando e lembrando que, em Gran Torino, Clint Eastwood faz crônica sobre a decadência de Detroit, agora confirmada neste texto do jornalista canadense Richard Martineau: Vale a pena ler.
Assunto: Réquiem para uma cidade.

Réquiem para uma cidade (Richard Martineau, Journal de Montreal, 25 de março de 2009)

Vocês já viram uma cidade morrer? Eu já vi! Faz um mês. Foi uma das coisas mais estranhas e bizarras que eu já vi na minha vida.
A noite dos mortos-vivos Junto à equipe do programa de televisão “Les Francs-Tireurs”, fui fazer uma reportagem sobre a cidade de Detroit, nos Estados Unidos. Haviam nos avisado que a cidade estava “morrendo”. Assim, esperáva os ver muitas casas abandonadas e fábricas fechadas.
Foi bem pior do que tudo que podíamos imaginar.
Você viu o filme “I am a Legend” com o ator Will Smith, cujo enredo é
a história do último ser humano vivendo em Nova York?
O que vimos em Detroit parecia aquilo. Tivemos a impressão que a
cidade estava...vazia! Quarteirões inteiros completamente abandonados.
Não se trata de 10 ou 15 casas. São quarteirões INTEIROS. Casas
abandonadas a perder de vista, varandas e janelas quebradas, carcaças
de automóveis abandonados nas ruas, lixo, latas e vidro quebrado nas
calçadas, lojas fechadas...
Não tem mais viva-alma rondando por alí. Parece aquelas cidades
fantasmas dos filmes de faroeste americano na época da corrida do
ouro. Parece até um cenário de filme de zumbis.
Aliás, falando de monstros, já haviam nos avisado: “Em Detroit, ao
anoitecer, é melhor ficar no hotel e não colocar os pés na rua!”
Isto porque a cidade (que tem o maior índice de criminalidade nos EUA)
fica entregue aos bandidos, drogados e ladrões.
Só não tem vampiros... Uma cidade em ruínas No centro da cidade
o espetáculo é igualmente triste. Arranha-céus inteiros abandonados!
Você já viu um arranha-céu de 20 andares abandonado e coberto de
grafiti? É uma visão espetacular! Pois é, lá em Detroit tem uns 10
edifícios assim. Altas torres de edifícios de escritórios, uma
estação ferroviária, fábricas enormes que outrora davam emprego a
centenas, milhares de trabalhadores.
Tudo fechado.
A cidade ficou tão pobre que a prefeitura não tem mais dinheiro nem
para derrubar os edifícios abandonados. Por isso, aqueles edifícios
magníficos ficam lá, de pé, abandonados, abertos à ventania e
infestado de ratos. O único barulho que se ouve é o soprar do vento
passando pelas vidraças e janelas quebradas. Os únicos locais onde se
encontra “gente” é nos restaurantes populares que servem sopa de graça
para os pobres e desempregados. Essas cantinas ficam lotadas!
Famílias inteiras, homens e mulheres que há poucas semanas ainda
ganhavam um salário honesto e que agora entram na fila para pegar um
prato de sopa.
Fala-se muito da crise financeira atual. Em Detroit, eu vi com meus
próprios olhos. As consequências são quase tão catastróficas quanto
um ataque nuclear.
Detroit, que antigamente era a capital da indústria automobilística
americana e foi o berço da música “pop”, está agonizante...
Como símbolo de um “fim do mundo”, não poderia haver melhor exemplo...

 

Jornalismo com ética e solidariedade.