Theresa Catharina de Góes Campos

  O VISITANTE

Mesmo tendo as excelentes interpretações de Richard Jenkins –
indicado ao Oscar - e da atriz palestino-israelense Hiam Abbass, o
filme O Visitante, de Thomas McCarthy, convence pouco ao abordar a
questão do envolvimento emocional de um professor universitário
americano com imigrantes ilegais submetidos ao humilhante tratamento
que lhes é imposto, nos EUA, após os atos terroristas de 11 de
setembro de 2001.

McCarthy, responsável também pelo argumento, faz relato linear,
morno e previsível, sem apuro de linguagem, da entediada e solitária
vida, em Connecticut, do professor de economia Walter Vale (Richard
Jenkins), depois da morte de sua esposa e da mudança do filho para
Londres.

O roteiro de McCarthy, escrito como se fora enganoso conto de
fadas, traz implícita a repetitiva advertência aos que pretendam
eventualmente ir para os EUA, à procura de trabalho, de que lá a lei é
rigorosa contra os imigrantes não-documentados. E de que seus reflexos
podem atingir também aos cidadãos americanos que pretendam com eles
colaborar.

O primeiro plano, que mostra Vale olhando a rua pela vidraça, ao
lado da porta de entrada de sua casa, gera a expectativa da chegada de
alguém. Isso se confirma, quando o protagonista se afasta para o
interior da sala e a câmara de Oliver Bokelberg, num movimento,
focaliza, do interior, a figura de uma senhora, Bárbara (Marian
Seldes), batendo na porta.

Bárbara entra e vai direto ao piano tentar ensinar Vale a tocar
o instrumento, do que, entretanto, acaba logo desistindo ao perceber
que, além da falta de talento dele para a música, a rigidez dos seus
dedos, devido à idade, não o ajuda mais a prosseguir no estudo: - Se o
senhor quiser vender o piano, eu sou interessada em comprá-lo! – ela
afirma e, se despede.

Essa é sem dúvida a sequência mais bem elaborada do filme, como
também a mais sugestiva. Ela exprime a intenção de Vale - só notada
pelo espectador, porém, um pouco mais tarde - de tentar recuperar o
passado, pois sua mulher fora uma exímia pianista-concertista, que
deixara diversas gravações de peças importantes de música erudita.

Vale é então designado pela faculdade para ir ler num congresso,
em Nova York, um estudo sobre o desenvolvimento de países emergentes
no mundo globalizado – bem de acordo, portanto, com o verdadeiro, mas
escuso objetivo do roteiro -, trabalho elaborado por uma sua colega
impossibilitada, entretanto, de viajar.

Mas qual não é a surpresa do desiludido professor Vale, quando,
ao chegar ao apartamento que mantém em Manhattan, encontra-o ocupado
de forma inexplicável por um casal de imigrantes ilegais: um
percussionista sírio, Tarek Khalil (Haaz Sleiman), e a sua companheira
senegalesa Zanaib (Danai Gurira).

Superado o conflito em que as duas partes naturalmente se
empenham, Vale, sem rumo a seguir na vida, se deixa envolver por um
improvável sentimento de paternidade em relação ao vibrante músico
Tarek, o que o leva, solidário, a convidá-lo a permanecer com a
namorada no apartamento.

E não satisfeito com isso, Vale se torna aluno de percussão de
Tarek e passa a acompanhá-lo nas apresentações que ele e outros amigos
imigrantes fazem no Central Park. Tudo vai acontecendo normalmente até
que, certo dia, Tarek é preso no metrô e, a partir de então, Vale se
desdobra para resolver a situação do amigo, contratando até mesmo um
advogado especialista em questões de imigração.

Para fazer companhia a Vale, chega Mouna Khalil (Hiam Abbass),
mãe de Tarek, vinda do interior, preocupada com a situação do filho
naturalmente, mas interessada também, como parece óbvio, em conhecer a
Broadway. Então, o professor, muito solícito, compra ingressos para
ambos verem O Fantasma da Ópera e, como parte integrante do programa,
depois do teatro, ele leva Mouna para jantar num restaurante, etc.,
etc.

O filme só não se torna mais prosaico ou de pouco interesse do
ponto de vista dramático – embora tenha ganhado o grande prêmio do
Festival de Deauville, na França – porque tem dois magníficos
intérpretes: Richard Jenkins (Queime Depois de Ler, dos Irmãos Cohen)
e Hiam Abbass (Lemon Tree, de Eran Riklis). Os dois atores dão vida
própria às personagens apenas esboçadas ao que parece no roteiro.

No caso de Jenkins, em especial, é notável como ele mostra a
maneira de Vale encarar a vida. Parece que a personagem sente a
solidão, em que vive, mas isso em momento algum a perturba, a abate.
Nada lhe afeta o ânimo, com certeza. Isso não ocorre nem mesmo nos
momentos finais, no aeroporto, quando Vale se despede de Mouna.

Jenkins, famoso também por sua interpretação na série televisiva
A Sete Palmos, da HBO, deixa então transparecer, pela agudeza do
olhar, que a luta de Vale, ao ajudar aos imigrantes sem documentos,
que o atingira emocionalmente, não o deixara, contudo, desanimado.
Pelo contrário. Há um ligeiro ar de satisfação estampado em sua face.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O VISITANTE
THE VISITOR
EUA/2008
Duração – 103 minutos
Direção – Thomas McCarthy
Roteiro – Thomas McCarthy
Produção – Omar Amanat, Michael London e Patty Long
Fotografia – Oliver Bokelberg
Música Original – Jan A. P. Kaczmark
Edição – Tom McArdle
Elenco – Richard Jenkins ( Walter Vale), Hiam Abbass (Mouna Khalil),
Haaz Sleiman (Tarek Khalil), Danai Gurira (Zanaib), Marian Seldes
(Bárbara), Richard Kind (Jacob).

NOTAS DA EDITORA

O texto informativo e competente de Reynaldo Domingos Ferreira merece elogios.

No entanto, devo deixar aqui registrada a minha opinião. Gostei muito
de " O Visitante ". Talvez porque eu espero morrer acreditando no
potencial de generosidade da maioria dos seres humanos, homens e
mulheres, a história me pareceu possível de acontecer. A vida, aliás,
é mesmo surpreendente, inacreditável. Supera a imaginação e as
realizações do cinema. Na tragédia da solidão, tão comum, o curso da
existência pode oferecer uma nova opção, que requer uma necessária
abertura para o outro, o próximo que vai nos enriquecer ou
simplesmente abrir os nossos olhos, fazer ressoar a nossa
sensibilidade. Se aceitarmos esse convite à partilha, à solidariedade,
haverá mudanças em nossa vida. Ainda que nem sempre visíveis.

Considerei oportunos ( até realistas e bem contemporâneos ) os temas e
algumas situações abordadas no filme. Uma proposta de reflexão
cinematográfica com roteiro sério, num filme não-comercial de baixo
custo, sobre assuntos atuais, mas que não é pesado nem desagradável de
assistir. Uma obra que faz, também, denúncias pertinentes.

Theresa Catharina

 

Jornalismo com ética e solidariedade.