|   | 
								CHE, O ARGENTINO – PARTE I 
								 
								As boas atuações de Benício del Toro e de Demián 
								Bichir não 
								livram Che, o Argentino, de Steven Sodeberg, da 
								insipidez narrativa em 
								que até mesmo a utilização do espaço dramático 
								cinematográfico é, por 
								questão ideológica, absurdamente restringida 
								para focalizar fatos 
								controversos sobre a participação da glamurosa 
								figura do médico 
								Ernesto (Che) Guevara na chamada Revolução 
								Cubana. 
								 
								Pois, de fato, além de trabalhar com o roteiro, 
								de Peter 
								Buchman, submetido antes ao crivo dos censores 
								do Centro Che Guevara, 
								que o corrigiram várias vezes, Sodeberg teve de 
								ajustar sua narrativa 
								ao que lhe foi imposto pela idéia de coletivismo 
								– no significado de 
								socialismo estatal, defendido pelos totalitários 
								em oposição à 
								organização coletivista representada pelo estado 
								democrático – de 
								forma a não usar os elementos de linguagem tidos 
								como “psicológicos”. 
								 
								Assim, limitado na composição de planos – 
								banidos como o foram o 
								close-up, (essencial para Bergman) ou a 
								profundidade de campo (criado 
								por Orson Welles) – Sodeberg, que se diz isento 
								sob o ponto de vista 
								político em relação ao assunto, claudica a todo 
								o tempo ao tentar 
								impor convicção e dinamismo a um roteiro 
								tendencioso e repleto de 
								dados e de fatos enganosos. 
								 
								Pretendendo suprir essas deficiências, o 
								cineasta, premiado com 
								o Oscar por Traffic, não teve outra opção senão 
								a de dar caráter 
								pseudo-documental às imagens que expõe na tela 
								em preto e branco ou a 
								cores, captadas pela chamada red camera (câmara 
								vermelha), que, sob o 
								manejo de Peter Andrews, aproveitando a luz 
								ambiente, principalmente à 
								noite, produz efeito plástico às vezes muito 
								interessante. 
								 
								O argumento é baseado no livro de memórias de 
								Guevara Pasajes 
								de la Guerra Revolucionaria e numa entrevista 
								concedida por ele à 
								jornalista e ex-atriz de teatro off-Broadway, 
								Lysa Howard, suspeita, 
								por sinal, porque à época estava apaixonada por 
								Fidel Castro, o que 
								explicaria talvez o fato de haver sido ela 
								também a primeira a 
								entrevistar Nikita Krushchev. Apesar disso, 
								entretanto, Sodeberg não 
								teve autorização para filmar em Cuba, onde não 
								existe liberdade de 
								expressão, tendo as locações sido feitas na 
								Espanha, no México e em 
								Porto Rico. 
								 
								O filme se inicia em Havana, em 1964, quando 
								Guevara (Benicio 
								del Toro), antes de viajar para Nova York a fim 
								de falar na tribuna da 
								ONU , concede entrevista a Howard (Julia Ormond), 
								que lhe indaga, de 
								forma suave, sobre sua participação no movimento 
								revolucionário. E ele 
								– que, encarregado da prisão La Cabaña, mandara 
								fuzilar, no paredón, 
								mais de quatrocentas pessoas sem julgamento 
								prévio, embora isso o 
								filme não mostre – com voz adocicada, rememora a 
								noite em que conheceu 
								Fidel Castro (Demián Bichir). 
								 
								Isso aconteceu na Cidade do México, em 1955, 
								durante um jantar, 
								na residência de Maria Antonia (Maria Isabel 
								Diaz), participante do 
								Movimento 26 de Julho. Na oportunidade, Guevara 
								perguntara a Castro se 
								tinha ele recursos e homens suficientes para 
								empreender a luta armada 
								a fim de derrubar do poder o ditador Fulgencio 
								Batista, ao que ele 
								respondera, sem constrangimento, que não tinha. 
								 
								O roteiro é omisso, como é óbvio, no 
								esclarecimento da maneira 
								pela qual Castro teria conseguido os recursos a 
								fim de viajar para 
								Havana, em companhia de Guevara, a bordo do 
								barco Granma, na data de 
								26 de novembro de 1956. Isso só ficará revelado, 
								conforme se admite, 
								quando se tornarem do conhecimento público as 
								correspondências do 
								escritor Ernest Hemingway, também ex-agente da 
								CIA, infiltrado no meio 
								das esquerdas durante a guerra civil espanhola e 
								que, depois, se mudou 
								para Cuba, tornando-se grande amigo de Castro. 
								 
								Já em pleno campo de batalha, usando armas e 
								munições, 
								adquiridas com os tais recursos para enfrentar o 
								exército de Batista 
								com o objetivo de conquistar Sierra Maestra – 
								havia quem afirmasse 
								que, atingido aquele alvo, se tomava conta de 
								Cuba -, Guevara, 
								sofredor de asma, vai revelando aos poucos o seu 
								ânimo belicoso, a sua 
								face de tirano, um tanto quanto distante da 
								máscara romântica, lírica, 
								que ostentara no filme Diário de Motocicletas, 
								de Walter Salles Jr. 
								 
								É estranho que em certo trecho, o Che, falando 
								aos 
								guerrilheiros, que aos poucos também o 
								repudiavam – tanto assim que 
								Castro o tirara da vanguarda de luta para 
								mandá-lo a um campo de 
								treinamento de voluntários, o que também não 
								fica bem detalhado no 
								filme -, queira envolver Tolstoi na sua pregação 
								marxista e belicosa 
								sobre o que ele denomina de “espírito de luta” 
								de um exército. 
								 
								Nada é mais impróprio, a meu ver, pois o autor 
								de Guerra e Paz 
								criou uma personagem religiosa, o príncipe 
								Andrei, que, traumatizado 
								com o morticínio, por ele presenciado no campo 
								de batalha, prega a 
								dação de um beijo na face do inimigo. Ao 
								contrário, portanto, de 
								Guevara que usa a tribuna da ONU, depois de ser 
								chamado por várias 
								vezes, nas ruas de Nova York, de “assassino”, 
								para afirmar aos altos 
								brados: - Fuzilamos e fuzilaremos pessoas porque 
								assim nos impõe o 
								imperialismo americano!... 
								 
								Na verdade, a película mostra apenas o 
								fuzilamento determinado 
								por Guevara, moralista e orador bombástico, de 
								um guerrilheiro que 
								cometera estupro contra a filha de um camponês, 
								mas não faz referência 
								a de inúmeros outros “ companheiros” pegos em 
								práticas homossexuais no 
								meio da floresta, como fica claro pela narrativa 
								de Antes do 
								Anoitecer, de Julian Schnabel, Leão de Ouro de 
								Veneza, no ano de 2000, 
								baseado nas memórias do escritor Reinaldo 
								Arenas. 
								 
								Da mesma forma, é enganosa a afirmativa de 
								Guevara aos 
								guerrilheiros de que, tendo sido Cuba o primeiro 
								país a se desvincular 
								dos compromissos com as demais nações do 
								Hemisfério para se alinhar 
								aos soviéticos, manteria sua soberania – Cuba 
								será soberana!... – ele 
								acrescenta, contrariando, por sinal, os seus 
								“companheiros” que, em 
								maio de 1958, antes da tomada de Havana, quando 
								termina o filme, já 
								alardeavam aos jornais do mundo inteiro que 
								“Castro recebe ordens 
								diretas de Moscou”. 
								 
								São as duas interpretações, de Benicio del Toro 
								e de Demián 
								Bichir, de técnicas diferentes, que merecem a 
								atenção do espectador, 
								pois até mesmo o comentário musical, de Alberto 
								Iglesias não é dos 
								melhores. Del Toro assume a personagem na sua 
								inteireza, exagerando, 
								porém, no seu aspecto doentio, sofredor de asma, 
								a fim de atrair a 
								compaixão do grande público desavisado. E nesse 
								mister, como se há de 
								convir, ele está muito bem, apesar de parecer um 
								advogado de causa 
								perdida. 
								 
								Bichir, ao contrário, ator de teatro experiente, 
								de sucesso 
								tanto no México como nos EUA, tendo observado a 
								linha laudatória do 
								roteiro, tratou de dosar a sua interpretação de 
								Castro de certo 
								distanciamento crítico para figurá-lo como um 
								falastrão como é na 
								realidade. E com isso ele atribuiu à personagem 
								caráter cômico de 
								ditador à maneira do de Chaplin, que bem poderia 
								viver a repetir a 
								máxima de Maquiavel: - Os homens são maus, oh 
								Che, se a necessidade 
								não os torna bons!...E não há necessidade de ser 
								bom. Como mau, você 
								conquistou a platéia toda, ávida de sangue e de 
								morte. Agora, por 
								favor, vá morrer na Bolívia e não me importune 
								mais!... 
								 
								REYNALDO DOMINGOS FERREIRA 
								 
								ROTEIRO, Brasília, Revista 
								www.theresacatharinacampos.com 
								www.arteculturanews.com 
								www.noticiasculturais.com 
								www.politicaparapoliticos.com.br 
								www.cafenapolitica.com.br 
								 
								FICHA TÉCNICA 
								CHE, O ARGENTINO 
								CHE, EL ARGENTINO 
								Eua/França/Espanha/2008 
								Duração – 135 minutos 
								Direção – Steven Sodeberg 
								Roteiro – Peter Buchman baseado na livro de 
								Ernesto (Che) Guevara 
								Pasajes de la Guerra Revolucionaria 
								Produção – Laura Bickford, Benicio del Toro 
								Fotografia – Peter Andrews 
								Música Original - Alberto Iglesias 
								Edição –Pablo Zumárraga 
								Elenco – Benicio del Toro (Che), Demián Bichir 
								(Fidel Castro), Rodrigo 
								Santoro (Raul Castro), Maria Isabel Diaz (Maria 
								Antonia), Jsu Garcia (Jorge Sotuz), Santiago 
								Cabrera ( Camilo Cienfuegos), Elvira Minguez 
								(Célia Sanchez), Julia Ormond (Lysa Howard), 
								Jorge Perugorria 
								(Joaquin) e outros. 
								NOTAS DA EDITORA 
								 
								From: Theresa 
								Catharina de Goes Campos 
								Date: 2009/4/27 
								Subject: Esplêndido, seu artigo sobre a primeira 
								parte de Che (eu já assisti às 6 horas, na 
								exibição da Mostra em SP, com apresentação 
								pessoal de Rodrigo e Benício 
								To: REYNALDO FERREIRA 
								 
								Estimado Reynaldo: 
								 
								Seu esplêndido artigo é válido igualmente para 
								as 6 horas do filme "CHE" na versão integral,à 
								qual eu assisti, no final de 2008, durante a 
								Mostra Internacional de Cinema, em SP, com 
								apresentação pessoal (e atraso de mais de uma 
								hora! em seu comparecimento, apesar de ambos 
								nada falarem de importante!) de Rodrigo Santoro 
								e Benício del Toro. Fui entrevistada na ocasião 
								e filmada ...como eu falei que considerava 
								importante eu ver "CHE", mas jamais sinto 
								admiração por guerrilheiros, terroristas e 
								mortes no paredón, nenhum segundo do que falei 
								foi divulgado, em nenhum meio de comunicação...o 
								que eu já esperava, porém não quis me recusar a 
								falar, mesmo em público e cercada de admiradores 
								entusiastas por Fidel, Che, etc. Aliás, até 
								citei ser admiradora de Rondon e sua frase-lema 
								de vida: Morrer, se preciso for. Matar, nunca! 
								 
								(...) 
								 
								Agradecendo a sua valiosíssima colaboração aos 
								meus sites, livros e cd-roms, abraços carinhosos 
								da amiga de sempre, 
								Theresa Catharina  | 
								  |