Theresa Catharina de Góes Campos

  Publicado no Diário de Pernambuco, 27/04/2009, p.A-9:

OS FOGOS DE JOÃO SANTOS
Tereza Halliday – Artesã de Textos

Meu quinhão de fogos de São João na infância, incluía
estrelinhas, chuvas de prata e pistolas. Mas vulcão - aquele cone
grande, que se acendia em cima do muro, papai não comprava, alegando
ser muito caro. Quem nos proporcionava o deslumbramento de vários
vulcões eclodindo estrelas e riscos de luz, era nosso vizinho da
esquina, seu Neco Lopes.

Décadas depois, em Réveillons dos anos maduros, um outro vizinho
que podia comprar todos os fogos, povoou de festa os céus do meu
bairro com seu show pirotécnico particular: João Santos, o discreto
empresário, recentemente falecido e saudado pela mídia como
empreendedor incansável, propulsor do desenvolvimento do Nordeste e
exemplo de laboriosidade para ninguém botar defeito. Sua história de
filho de fazendeiros transformado em menino pobre da noite para o dia
e em homem rico por anos e anos de trabalho e mais trabalho, tino e
dedicação, deveria ser lembrada nas escolas, como bom exemplo para
crianças e jovens.

Muitas vezes, de um nono andar por trás de sua casa, desfrutei
daquele espetáculo de arte visual a derramar-se pelo céu em vários
formatos e cores, anunciando a chegada do novo ano. Graças ao bom
vizinho que eu mal entrevia, ao passar de carro escoltado por
seguranças, meus Réveillons eram cinematográficos, musicados por
valsas vienenses na minha varanda e à luz dos fogos de João Santos -
capitão de indústria, capitão da beleza das noites de 31 de dezembro.

O evento marcou época na praia de Boa Viagem e passou a fazer
parte das expectativas e curtições de visitantes e moradores das
redondezas de sua residência, soltando “Ahs” e “Ohs” a cada desenho
luminoso que se espraiava pelo céu. Até os peixinhos, pondo a cabeça
por cima das ondas, vinham espiar, encantados. Durante o espetáculo,
lá do seu jardim, seu Santos voltava a ser o menino sertanejo de Serra
Talhada, a contemplar estrelas que a iluminação citadina nos esconde e
que seu show pirotécnico restaurava metaforicamente, com intensificado
fulgor.

Nossas preces para que lhe fosse concedido longo tempo de vida
foram ouvidas. Faleceu aos 101 anos. Além dos benefícios sociais e
econômicos de seus empreendimentos, sua presença no mundo garantia os “nossos” fogos de Noite de Ano que, adultos e crianças, esperávamos
com a alma saltitante de antecipação.

Não sabemos se os seus herdeiros continuarão o belíssimo evento
em 2009, em sua memória. E tememos que, mais cedo ou mais tarde,
tenhamos de nos conformar em ver alguma empresa imobiliária empenhada em “transformar a face do Recife”, abocanhar sua bela casa ajardinada e sapecar no terreno torres de 45 andares, tapando a ventilação e a vista do mar, até então franqueada à vizinhança, para deleite dos olhos e sossego do espírito. Tudo muda... Mas, onde quer que estejamos nos Réveillons do porvir, haveremos de suspirar, saudosos e agradecidos: “Ah! Os fogos de seu Santos!”
 

Jornalismo com ética e solidariedade.