Theresa Catharina de Góes Campos

  INTRIGAS DE ESTADO

O explorado tema da independência dos jornalistas em relação aos
homens do poder, muito em voga nos anos de 1970, quando se deu a
revelação do escândalo Watergate, causador da renúncia do
ex-presidente Richard Nixon, está de volta em Intrigas de Estado, de
Kevin McDonald, que, entretanto, tem mais característica de folhetim
policial do que propriamente de filme sobre jornalismo.

O roteiro, baseado no argumento de uma série televisiva da BBC,
de 2003, é assinado por profissionais de categoria, como Matthew
Michael Carnahan, Tony Gilroy, Peter Morgan e Billy Ray. Apesar disso,
não deixa de assumir tom rocambolesco, repleto de clichês, ao
relacionar fatos criminosos ocorridos em dois dias seguidos, em
Washington, um dos quais vitimou, no metrô, uma jovem, que se suspeita
haver se suicidado.

A idéia de mostrar o empenho do jornalista em buscar a verdade
doa em quem doer fica assim relegada, mesmo que a direção de McDonald
(O Último Rei da Escócia) tenha arquitetado uma cena, na biblioteca do
Congresso Americano, em que aparecem os figurões das reportagens do
Washington Post: Bob Woodward, Margaret Carlson, Bob Schieffer, John
Palmer, E. J. Dionne, Katty Kay e Steven Clemens.

O desacerto não está apenas no roteiro, rejeitado por Brad Pitt
e Edward Norton, que vinham se empenhando no projeto para interpretar
os papéis do repórter Cal McAfrrey e do senador Stephen Collins. Está
também na mise-en-scène de McDonald, que evita imprimir linha política
ao argumento para seguir os preceitos do filme noir, como fica
evidente até pela exagerada tonalidade escura da fotografia do
mexicano Rodrigo Prieto.

Demais, Russel Crowe, chamado às pressas para substituir Pitt
como McAffrey, embora tenha visitado redações de jornais, não convence
na sua composição de jornalista. A começar pelo desleixo da sua
apresentação pessoal – mesmo que queira fazer com isso alusão à
situação de penúria dos jornais -, ele se porta mais, a meu ver, como
se fora ainda aquele desencantado detetive Ritchie Roberts, de O
Gangster, de Riddley Scott, uma de suas últimas atuações.

A ação se inicia, quando o senador Collins (Ben Affleck), um
ex-militar, aparentemente fleumático, presidente de uma comissão de
inquérito sobre uma empresa de segurança, a PointCorp, que atua com
mercenários, verte lágrimas, ao anunciar diante das câmaras de
televisão, em pleno exercício de sua função, a morte de Sonya,
integrante do staff de pesquisa de seu gabinete.

Por deixar às claras que tinha um caso amoroso com a moça,
embora casado com Anne Collins (Robin Wright Penn), o senador se vê em
apuros diante do assédio da imprensa. Por isso, ele vai pedir ajuda a
McAffrey, que sabe ser amante de sua mulher, mas que, além de ser seu
amigo desde os tempos de escola, lhe prestara assessoria na campanha
pela reeleição. McAffrey vive mal, num cubículo miserável, que o
senador demonstra já conhecer bem.

Da conversa de ambos surge, primeiro, a confissão de Collins de
que estava realmente enamorado de Sonya e, segundo, que ela lhe
enviara mensagem, de imagem, pelo celular, naquela manhã, antes de
chegar à estação do metrô, o que, a seu ver, afastava qualquer
possibilidade de haver se suicidado.

Ao chegar à redação, McAffrey obtém da colega Della Frye (Rachel
McAdams) informação sobre o local em que se dera o acidente, perto de
uma câmara de segurança da estação, que gravara imagem de Sonya
conversando com um homem bem vestido. A compreensão dele é a de que
moça poderia ter sido assassinada a mando da PointCorp. Mas ele
estranha também que, ao falar com Anne Collins, ela saiba que Sonya
recebia, no gabinete do seu marido, vencimentos de 26 mil dólares
mensais...

Além de Russel Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams e Robin Wright
Penn, constam do elenco outros nomes famosos, como os de Helen Mirren,
Jeff Daniels e Viola Davis, todos em papéis insignificantes. O que
mais se destaca, entre eles, é Ben Affleck, que, como o senador
Collins, demonstra estar avançando, cada vez mais, no seu
aprimoramento técnico. Mas quem brilha em termos de interpretação,
numa ponta, é Jason Bateman, que atua como Dominic Foy, um relações
públicas bissexual, de quem McAffrey, como detetive, extrai a
informação mais preciosa para elucidar a questão. Esse Bateman é o
tal!... Pois ele soube aproveitar, como ninguém, a oportunidade que
lhe foi dada.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

INTRIGAS DE ESTADO
STATE OF PLAY
EUA/Reino Unido/ 2009
Duração – 123 minutos
Direção - Kevin McDonald
Roteiro –Matthew Michael Carnahan, Tony Gilroy, Peter Morgan e Billy
Ray, baseado numa série televisiva da BBC de 2003.
Produção – Andrew Hauptman,Tim Bevan, Eric Felner
Fotografia – Rodrigo Prieto
Música Original – Alex Heffes
Edição – Justine Wright
Elenco – Russel Crowe (Cal McAffrey), Ben Affleck (Stephen Collins),
Rachel McAdams (Della Frye), Robin Wright Penn (Anne Collins), Jeff
Daniels (), Helen Mirren (), Viola Davis (), Jason Bateman (Dominic
Foy)

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NOTAS DA EDITORA:

Mesmo concordando com o excelente comentário de Reynaldo Domingos
Ferreira, competente no rigor de sua análise, quero registrar aqui um
aspecto muito positivo de "Intrigas de Estado", filme realista sobre as pressões dos editores para receber "logo, já, sem demora, sem desculpas!" um texto para imediata publicação, ANTES dos concorrentes.

Assim, para atender às "exigências" do mercado, visando a lucros
maiores e ao aumento do número de leitores (ouvintes, telespectadores
e internautas), a rotina do jornalismo costuma dificultar, impedir a
investigação adequada dos fatos. Pessoas, situações e
acontecimentos seriam, então, mostrados ao público de forma
incompleta, confusa ou até inverídica.
Importante lembrar; o "furo" de reportagem pode acontecer, em muito
casos, sem o respeito às questões éticas e aos princípios fundamentais
do jornalismo responsável.

Ora,após a divulgação do que seria notícia ( portanto, um texto
supostamente não ficcional), se houver uma posterior apuração, a
correção não terá impacto semelhante ao relato inicial...

Quando um filme de caráter e objetivos comerciais chama a atenção da
platéia para esse problema, incluindo o tema, que permanece atual, em
algumas cenas com diálogos explícitos, considero que prestou um
serviço aos jornalistas ao revelar um dilema diário, talvez o desafio
maior a superar no exercício da profissão.

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 22 de junho de 2009.
 

Jornalismo com ética e solidariedade.