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								26 de Junho de 2009 
								 
								FENAJ 
								 
								Decisão Nociva 26/06/2009 | 16:42 
								O extermínio do diploma de Jornalismo e a 
								acrobacia temerária do 
								Supremo Tribunal 
								 
								* João dos Passos Martins Neto 
								 
								Segundo o Supremo Tribunal Federal, a exigência 
								de graduação em curso 
								superior como condição para o exercício da 
								profissão de jornalista, 
								prevista na legislação ordinária, é incompatível 
								com a Constituição. 
								Proferida na semana passada, com o voto 
								divergente de apenas um dos 
								juízes da Corte, a decisão arrufou melindres e 
								chocou inteligências 
								pelas comparações entre o jornalismo e a 
								culinária e pela suposição de 
								que a atividade jornalística não requer uma 
								técnica específica. 
								Todavia, o defeito capital do julgamento é outro 
								e seu nível de 
								nocividade é muito mais profundo. Ele diz 
								respeito, conjuntamente, ao 
								exercício arbitrário do poder judicial e à 
								manipulação temerária dos 
								textos constitucionais submetidos à 
								interpretação e aplicação. 
								 
								A obrigatoriedade do curso superior para 
								exercício do jornalismo está 
								prevista no Decreto-Lei nº 972/1969. A norma, 
								como tantas outras da 
								época do regime militar, foi editada pelo poder 
								executivo, mas gozando 
								da mesma força atribuída às leis ordinárias 
								aprovadas no parlamento, 
								na conformidade da Constituição anterior. Daí a 
								expressão Decreto-Lei 
								(Decreto, por ser ato do poder executivo; Lei, 
								por ter força de ato 
								legislativo típico). Com a superveniência da 
								nova Constituição em 
								1988, a figura do Decreto-Lei foi abolida, não 
								havendo mais 
								possibilidade de edição, para o futuro, de 
								espécies normativas desse 
								tipo. Os Decretos-Leis expedidos no passado, 
								contudo, aí incluído o 
								que regulamenta a profissão jornalística, não 
								perderam automaticamente 
								sua vigência com o advento da nova ordem 
								constitucional porque, do 
								ponto de vista formal, sua elaboração fez-se de 
								acordo com as regras 
								de competência e procedimento estabelecidas na 
								Constituição 
								anteriormente vigente. Segundo entendimento 
								assentado na doutrina 
								constitucional, para que sejam considerados 
								revogados ou não 
								recepcionados, não se pode invocar o fato de que 
								sua forma de 
								elaboração não é mais admitida. É preciso, em 
								vez disso, que seja 
								identificável um conflito de conteúdo ou 
								substantivo entre as suas 
								disposições e as disposições da nova 
								Constituição. 
								 
								Por isso, a derrubada do requisito do diploma, 
								na esfera judicial, 
								dependia da constatação de um conflito do 
								seguinte tipo: a lei 
								ordinária e a lei constitucional são 
								contraditórias; enquanto a 
								primeira exige a formação superior, a segunda a 
								dispensa. Nessa 
								hipótese, uma vez que a lei constitucional vale 
								mais do que a lei 
								ordinária, a norma de inexigibilidade teria que 
								prevalecer sobre a 
								norma de exigência. Mais: no caso de estar 
								configurada a contradição, 
								o Supremo Tribunal Federal estaria autorizado a 
								afastar a norma de 
								exigência em favor da norma de inexigibilidade. 
								Só assim sua 
								intervenção dar-se-ia no campo da atuação 
								jurídica. No Estado 
								Constitucional, nenhum juiz pode, legitimamente, 
								derrubar uma lei 
								segundo critérios de mera discordância e 
								contrariedade. Pode fazê-lo 
								em razão da necessidade de impor respeito uma 
								norma de nível superior, 
								caso em que estará apenas defendendo e 
								prestigiando o direito mais 
								alto, e não simplesmente negando, por 
								descontentamento, o direito mais 
								baixo. 
								 
								No caso, o conflito normativo jamais existiu. 
								Para começo de conversa, 
								mesmo os juízes do Supremo Tribunal Federal 
								haverão de transigir num 
								ponto: a Constituição não contém qualquer norma 
								que, de modo expresso 
								e categórico, comande algo como “o exercício da 
								atividade jornalística 
								é livre a todas e quaisquer pessoas e independe 
								de graduação em curso 
								superior”. Portanto, enquanto o requisito do 
								diploma tem previsão em 
								texto de conteúdo inequívoco da legislação 
								ordinária, a existência de 
								uma norma constitucional de inexigibilidade 
								seria, no mínimo, bastante 
								incerta e sujeita a controvérsia. Na 
								literalidade do texto 
								constitucional uma tal norma não é encontrada, 
								de modo que seu 
								reconhecimento poderia apenas ser inferido ou 
								deduzido indiretamente 
								de outras disposições de algum modo correlatas e 
								genéricas. Ainda que 
								inferências e deduções sejam tarefa normal da 
								interpretação jurídica, 
								o fato de que a única vontade legislativa 
								manifesta impõe o diploma 
								deveria gerar a presunção de legitimidade da 
								exigência e sujeitar a 
								solução contrária a severas resistências 
								metodológicas. 
								 
								O mais notável, contudo, é que as normas 
								constitucionais mais próximas 
								e conexas com o assunto, muito longe de permitir 
								a extração de um 
								comando implícito de inexigibilidade do diploma, 
								na verdade reforçam a 
								sua inexistência. No art. 5º, XIII, a 
								Constituição diz que “é livre o 
								exercício de qualquer trabalho, ofício ou 
								profissão, atendidas as 
								qualificações que a lei estabelecer”. No art. 
								22, XVI, a Constituição 
								diz que “compete privativamente à União legislar 
								sobre condições para 
								o exercício de profissões”. Combinadas, as duas 
								disposições implicam o 
								seguinte: a lei constitucional transferiu para a 
								lei ordinária, 
								deliberadamente, o poder de dispor sobre quais 
								profissões terão ou não 
								seu exercício sujeito, por exemplo, à graduação 
								em curso superior. A 
								razão é óbvia. A lei constitucional faz a 
								regulação essencial dos 
								poderes estatais e dos seus limites, mas não 
								desce – e nem pode – à 
								minúcia da regulamentação de profissões. Ela 
								tende, por natureza, a 
								silenciar absolutamente sobre requisitos de 
								exercício profissional. 
								 
								O legislador ordinário tem assim, por delegação 
								constitucional 
								expressa, autonomia para não só exigir ou 
								dispensar o curso superior, 
								mas também para definir e avaliar os critérios 
								que devem presidir sua 
								decisão. É claro que se trata de autonomia 
								relativa, limitada, 
								condicionada. A lei, qualquer lei, deve ser 
								sempre razoável, não pode 
								ser expressão de um desatino, uma psicose, um 
								ódio, enfim, de um ato 
								arbitrário, sem razão plausível. É indiscutível 
								que juízes devam 
								recusar leis desse tipo. No caso, porém, a lei 
								do diploma de 
								jornalismo passa fácil no teste da 
								razoabilidade, summa cum laude. 
								 
								Em primeiro lugar, o fato de existirem boas 
								razões em favor da 
								inexigibilidade não significa que não existam 
								boas razões em favor da 
								exigência. Isso vale não só para o jornalismo, 
								mas para a 
								administração, a psicologia e até para o 
								direito. Em segundo lugar, a 
								existência de controvérsia sobre o que é melhor 
								e o que é pior não 
								indica irracionalidade da norma que, no embate 
								dos prós e dos contras, 
								escolhe um dos caminhos possíveis e aceitáveis. 
								Ao contrário, o 
								principal indicador de uma norma sem 
								razoabilidade é a ausência de 
								disputa, é o consenso na objeção que sucede a 
								sua adoção. 
								 
								Nesse sentido, a lei do diploma é, como inúmeras 
								leis, simplesmente 
								polêmica, mas nunca, jamais, destituída de 
								razoabilidade ou 
								racionalidade. É apenas o produto de uma opção 
								política do legislador 
								autorizado, feita conscientemente num quadro de 
								sérias e ponderáveis 
								razões concorrentes. É, enfim, uma norma 
								perfeitamente constitucional 
								na perspectiva da noção de razoabilidade. A 
								propósito, ao enunciar o 
								voto condutor do julgamento, o Ministro Gilmar 
								Mendes advertiu que só 
								chegou à sua conclusão “depois de muito 
								refletir”. É curioso: se muito 
								teve de refletir é porque as razões 
								concorrentes, contra e a favor do 
								diploma, foram percebidas como igualmente 
								fortes, equilibradas. Em que 
								pese o desfecho do processo, a declaração não 
								deixa de equivaler a um 
								atestado da razoabilidade da condição legalmente 
								imposta. 
								 
								As evidências de razoabilidade da lei eram 
								difíceis de ultrapassar. 
								Por isso, o Tribunal teve que apelar a um outro 
								fundamento. Para a 
								maioria dos juízes, a norma constitucional de 
								inexigibilidade do 
								diploma é dedutível da norma constitucional que 
								assegura a liberdade 
								de imprensa e o acesso à informação, ou mais 
								especificamente, do art. 
								220, § 1º, segundo o qual “nenhuma lei conterá 
								dispositivo que possa 
								constituir embaraço à plena liberdade de 
								informação jornalística em 
								qualquer veículo de comunicação social”. Segundo 
								o padrão do 
								raciocínio, ao condicionar o exercício do 
								jornalismo aos diplomados em 
								curso superior, a lei ordinária veda o acesso de 
								pessoas à atividade 
								e, em conseqüência, reduz as possibilidades de 
								circulação da 
								informação. Em suma: a inexigibilidade do 
								diploma é uma condição da 
								liberdade de imprensa e, como tal, embora sem 
								previsão expressa, é uma 
								norma constitucional a ser logicamente 
								pressuposta. Daí porque a lei 
								do diploma seria incompatível com a 
								Constituição. 
								 
								O argumento é inviável. A cláusula 
								constitucional da liberdade de 
								expressão tem um único sentido seguro, nítido, 
								identificável na 
								história. Ela visa a impedir que o poder 
								público, por seus 
								legisladores, governantes e juízes, editem, 
								executem ou endossem leis 
								restritivas do conteúdo do discurso circulável 
								por razões de 
								divergência ideológica ou de contrariedade a 
								interesses. Ela coíbe a 
								instituição de verdades oficiais, a 
								discriminação de pontos de vista, 
								a catalogação de tabus ou assuntos proibidos, a 
								interdição de 
								doutrinas políticas, a censura da informação. 
								Este é o núcleo 
								essencial da cláusula: impedir a estatuição de 
								limites arbitrários ao 
								conteúdo dos atos comunicativos. 
								 
								Do reconhecimento dessa função inequívoca, 
								somada à generalidade do 
								preceito, é no mínimo uma temeridade saltar para 
								a conclusão de que a 
								cláusula da liberdade de expressão compreende, 
								com segurança, um 
								comando específico que veda à lei condicionar o 
								exercício da profissão 
								de jornalista à formação superior. Seria algo 
								aceitável, talvez, para 
								decifradores de enigmas ou deslindadores de 
								mistérios, não para 
								juízes, de quem se deve esperar prudência em vez 
								de acrobacias no 
								escuro. 
								Se não bastasse, as premissas do argumento são 
								inexatas e falaciosas. 
								A lei não veda o acesso à atividade 
								jornalística, apenas a condiciona. 
								Qualquer um pode exercer a profissão desde que 
								implemente a condição 
								estabelecida, ou seja, cursar a faculdade. A 
								atividade está franqueada 
								a todos porque o que conta é a potencialidade do 
								acesso. É assim 
								sempre. Para ser advogado há que ser bacharel em 
								direito, mas não se 
								trata aí de impedimento. O caminho está livre, 
								em potência, à 
								universalidade de pessoas. A asserção de que a 
								lei reduz a circulação 
								da informação é especulativa, retórica. Os 
								juízes não se apoiaram 
								sobre qualquer base empírica, o que é sempre 
								indispensável diante de 
								uma duvidosa questão de fato. O efeito suposto 
								é, além disso, 
								improvável. 
								 
								Muito mais avisado é acreditar no efeito 
								contrário, isto é, no fato de 
								que a exigência do diploma não tem qualquer 
								repercussão sobre a 
								amplitude da liberdade de informação. Quem 
								conhece a dinâmica da 
								atividade sabe que os veículos e os 
								profissionais do jornalismo não 
								são a fonte da informação, mas apenas o seu 
								canal. A lei do diploma 
								não afeta quem, vivenciando o acontecimento, 
								traz a informação, mas 
								diz respeito somente a quem a colhe, refina e 
								divulga. Por isso, o 
								requisito do diploma não parece ter aptidão para 
								interferir 
								negativamente sobre a maior ou menor circulação 
								da informação. Se os 
								acontecimentos são naturalmente independentes e 
								as fontes não são 
								bloqueadas, não há porque supor que a informação 
								será mais ou menos 
								abundante em função do número mais ou menos 
								extenso de jornalistas. 
								Além disso, ninguém está impedido de escrever em 
								jornal por falta de 
								diploma, mas apenas de exercer o jornalismo em 
								sentido estrito, como 
								profissão, em caráter permanente. 
								 
								A verdade é outra: a otimização da liberdade de 
								informação não depende 
								da extinção da obrigatoriedade do diploma. 
								Outros fatores, sim, é que 
								são determinantes, como a ampliação do acesso às 
								ondas estatais de 
								rádio e televisão pela adoção de políticas que 
								impeçam a sua 
								concentração nas mãos de poucos, ou o controle 
								rígido da publicidade 
								oficial que costumeiramente se destina a comprar 
								o silêncio de maus 
								empresários da comunicação sobre os crimes, as 
								omissões, os erros e a 
								incompetência de autoridades públicas. Portanto, 
								a relação de causa e 
								efeito entre número de jornalistas e amplitude 
								da liberdade, suposta 
								pelo Supremo Tribunal, não só se ressente de 
								demonstração, mas é 
								implausível e irrelevante. Não havia, portanto, 
								como o Tribunal 
								pressupor a norma de inexigibilidade da formação 
								superior da premissa 
								hipotética de que se trata de uma condição de 
								realização da própria 
								liberdade de informação. 
								 
								O contexto normativo ao qual se chega é o 
								seguinte. Primeiro: não 
								existe norma constitucional expressa vedando a 
								exigência do diploma em 
								curso superior para o profissional do 
								jornalismo. Segundo: há norma 
								constitucional transferindo para o legislador 
								ordinário o poder de 
								dispor sobre condições para o exercício de 
								profissões. Terceiro: 
								existe lei ordinária condicionando a atividade 
								jornalística à formação 
								superior. Quarto: a opção do legislador 
								ordinário, conquanto passível 
								de controvérsia, não pode ser qualificada como 
								um ato insano, 
								destituído de fundamento racional ou razoável. 
								Quinto: a cláusula 
								geral da liberdade de expressão não permite 
								deduzir, salvo 
								temerariamente, uma norma específica de 
								inexigibilidade do diploma. O 
								resultado é que a lei do diploma de jornalismo 
								não é, de modo algum, 
								incompatível com a Constituição. 
								 
								Inconstitucional é, sim, a decisão do Supremo 
								Tribunal Federal. Sob o 
								pretexto do reconhecimento de uma 
								incompatibilidade entre lei 
								ordinária e norma constitucional, sob a 
								aparência de uma intervenção 
								legítima de natureza jurisdicional, talvez sob o 
								domínio de uma 
								surpreendente ingenuidade, os juízes do 
								Tribunal, excetuado o Ministro 
								Marco Aurélio, produziram e impuseram, como 
								fonte originária do 
								direito, uma regra nova, por razões, no fundo, e 
								ainda que 
								inconscientes, de mera divergência e 
								contrariedade em relação à 
								regulação jurídica vigente. Honestas que fossem 
								as intenções, o 
								Tribunal, muito gravemente, usurpou 
								prerrogativas legislativas, 
								exorbitou das suas próprias e excedeu limites 
								que se deve auto-impor 
								espontaneamente a fim de evitar o mal da sua 
								transformação num colégio 
								de déspotas iluminados. 
								 
								O Supremo tem, entre seus juízes, grandes 
								valores, mas esta é a pior 
								decisão de sua história recente. À margem de 
								quaisquer evidências de 
								uma real situação de incompatibilidade entre a 
								lei ordinária e a lei 
								constitucional, manipulou os textos jurídicos 
								implicados segundo 
								concepções subjetivas, dando-lhes uma exegese 
								tendenciosa, ao modo de 
								muitos intérpretes eclesiásticos do direito 
								canônico. Não poderia 
								tê-lo feito assim levianamente porque, no fim 
								das contas, o que estava 
								em jogo era uma decisão prestes a exterminar a 
								dignidade de um diploma 
								de curso superior e a causar um impacto intenso 
								na ordem vigente e nas 
								instituições, relações, direitos e aspirações 
								constituídas 
								legitimamente sob a sua égide há exatos quarenta 
								anos. 
								 
								* Professor de Direito Constitucional nos cursos 
								de graduação e 
								pós-graduação em Direito da Universidade Federal 
								de Santa Catarina. 
								Procurador do Estado de Santa Catarina. Bacharel 
								em Jornalismo e 
								Direito. Mestre e Doutor em Direito, com 
								Pós-Doutorado pela Faculdade 
								de Direito da Universidade de Columbia, NY, 
								Estados Unidos. Autor do 
								livro Fundamentos da Liberdade de Expressão 
								(Insular, 2008) | 
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