Theresa Catharina de Góes Campos

  NOS DIAS DE CINEMA


Meus pais me deram um nome comprido. É bem lindo, eu penso...Quando
perguntei o porquê dos meus nomes, mamãe explicou em detalhes...

-"Princesas e rainhas, reis e príncipes, têm mais de um nome. Você,
para nós, filha querida, é uma princesa, além de uma rosa ainda em
botão."

Disseram também que eu nem preciso usar perfume...porque já sou uma flor.

Falaram que os filhos são especiais para todos os pais, que colocam as
crianças sob a proteção de santas e santos de sua devoção.

Ah, que palavras tão bonitas de ouvir e guardar no coração!

Hoje, vamos todos ao cinema. Sim, é uma alegria e tanto, das maiores
que conheço!

Tenho só 5 anos. Acho que sou analfabeta. Reconheço as letras, porém.
Aprendi também a conhecer, às vezes, alguns sons escritos no papel.
Mas confesso que não sei ler.

Costumo fingir que sei ler - pego livros, jornais e revistas...olho as
fotos, os desenhos, chamo as letras por seu nome, depois me canso de
fingir. Queria muito saber ler de verdade.

Tudo isso contei porque me deu vontade...talvez porque..não sei bem.

Hoje é sábado e vamos todos ao cinema. Eu, meus pais, meus irmãos. Uma prima, que sabe ler bem demais, também vai. Meus irmãos, mais jovens do que eu, também não sabem ler. Mas eles não se preocupam em fingir que sabem ...

No cinema, não podemos brincar nem fazer barulho. Cinema tem
brincadeira e barulho na tela. Se eu não obedecer as ordens de meus
pais, a babá tem autorização deles para me levar de volta para casa.
Depressa, sem demora.

Na sala do cinema, vou olhar as figuras, pessoas e coisas que aparecem
na tela. Não posso fazer barulho. Devo ficar sentada, quietinha,
silenciosa. Não posso perguntar nada, "nadinha". As perguntas ficarão
para depois da sessão. Também não podemos comer, nem beber...só depois do cinema.

=====
Ah, que belo filme! Tão movimentado, com lindas cores e muita gente.

O tempo vai passando...acontece, então, eu ficar cansada de ler as
letras e os sons que consegui reconhecer. Estou me deliciando com as
imagens bonitas. Outras, são divertidas. Aliás, já aprendi algo muito
importante...o fim de um filme não é a cena que parece ser o momento
final. Nós saímos da sala somente quando o filme , de fato, termina:
quando não aparece mais na tela nenhuma letrinha. Aí, deixamos a sala
de cinema com vontade de correr, já pensando na sorveteria...onde vou
escolher sabores de picolé. Lá, poderei conversar, perguntar tudo que
não sei sobre o filme.

Faço tantas perguntas que até me perco!
Ora, se eu vi, mas não sei, tenho que perguntar...até compreender tudo.

Tudo isso contei porque hoje é sábado e, logo mais, vamos todos ao
cinema e, depois, à sorveteria.

Um dia bem gostoso. Meu dia preferido. Bem animado. Sempre uma
aventura deliciosa.

Theresa Catharina de Góes Campos
Belém de São Francisco - Pernambuco, novembro de 1962.

From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2009/6/28
Subject: Re: NOS DIAS DE CINEMA
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Olha aí a semente da futura crítica de cinema!

O fingir que lia, remeteu-me a uma cena de Daniel, meu filho, com apenas dois anos: imitava os pais abrindo uma revista e fazendo que lia. Mas a revista estava de cabeça para baixo....

Ah, sim, sua recordação também me leva à sorveteria, ponto alto após o cinema, mesmo na jovem idade adulta.

Um beijo, Tereza Lúcia.


From: Luci Tiho Ikari
Date: 2009/6/29
Subject: Re: NOS DIAS DE CINEMA - Theresa Catharina de Góes Campos
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Theresa Catharina:
Seus escritos fazem muito lembrar a nossa infância também. Bons tempos. Tudo era novidade e um mundo repleto para conhecer. Hoje, chegam infinitas coisas para a criançada de maneira fácil, mas elas não se interessam. Ficam empolgados, se podem gritar, dançar e ligar aparelhos eletrônicos. Luci
 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.