Theresa Catharina de Góes Campos

  Revista Morashá
www.morash.com.br


NICOLAS WINTON
salvou 664 jovens


Ao chegar na Checoslováquia entendeu o que o amigo queria dizer.
Diante de seus olhos, milhares de refugiados desesperados - judeus
assustados, comunistas e dissidentes políticos tinham que deixar o
país rapidamente por causa do Acordo de Munique, assinado em setembro
e, segundo o qual, a Grã-Bretanha, França e Itália haviam concordado
em retirar suas tropas do território checo e ceder à Alemanha uma
parte deste território. "Quando vi todas aquelas pessoas, percebi que
deveria fazer algo para ajudá-las". E fez.

Winton ficou três semanas em Praga, coletando fotos e informações
sobre jovens que precisavam de ajuda. Ao retornar à Grã-Bretanha, teve
que convencer o governo a permitir a entrada dos jovens refugiados, o
que de fato conseguiu, e atender as condições impostas pelas
autoridades. Winton conseguiu através do apoio de organizações
beneficentes e de organizações cristãs encontrar pessoas interessadas
em adotar os refugiados, assim como obter os recursos necessários para
o transporte e para o deposito de 50 libras para cada criança .

Durante os primeiros nove meses de 1939, organizou o transporte de
crianças para a Grã-Bretanha, chegando ao total de 664 jovens, dos
quais 90% eram judeus. O novo grupo, com quase 200 passageiros,
deveria partir no dia 3 de setembro, quando a guerra eclodiu. Todos os
meios de transportes foram bloqueados e os que não conseguiram sair da
Checoslováquia foram enviados aos campos de concentração, nos quais
acabaram morrendo, como milhares de outros judeus, durante o período
de 1939 a 1945.

Apesar de todo o seu empenho, porém, o responsável por essas operações
de resgate permaneceu oculto por quase meio século. Nem as crianças
por ele salvas sabiam a quem agradecer por estarem vivas. O fato
tornou-se conhecido, mais por obra do destino do que por iniciativa de
Winton.

No final de 1987, enquanto organizava seus documentos, Winton
encontrou a listagem do nome de todas as crianças que havia salvado em
1939. Não sabendo o que fazer com a lista, foi aconselhado por um
amigo a entregá-la à Dra. Elizabeth Maxwell, uma especialista em
estudos sobre o Holocausto, esposa de um jornalista judeu, o magnata
Robert Maxwell. A história foi publicada no Sunday Mirror, um dos
tablóides da família Maxwell, com grande repercussão.

A apresentadora de televisão londrina Esther Rantzen, ouvindo a
história, interessou-se em trazê-lo a seu programa, "That's life". Sob
o pretexto de que viesse apenas assistir ao show para prestigiá-la,
colocou Winton estrategicamente na primeira fileira. Durante o
programa, Rantzen anunciou: "Senhor Winton, tenho uma surpresa para
lhe contar. Sentados ao seu lado estão duas das pessoas que o senhor
salvou da Checoslováquia, em 1939".

Vera Gissing, que estava ao seu lado, relembra que seus olhos se
arregalaram ao fitá-la e começaram a lacrimejar: "Para mim, após
tantos anos, ter finalmente conhecido o homem que salvou minha vida,
foi um momento muito especial. Fiquei apenas preocupada com ele, pois
pensei que, 80 anos, o choque seria muito forte. Apesar da grande
alegria em nos conhecer, ele não gostou da maneira como a apresentação
foi feita".

Ela escreveu a biografia de Winton em reconhecimento a seu ato de
coragem. Na obra, a autora relata toda a sua vida, seus méritos e a
operação de resgate que se iniciou em 1938. Na época, ele trabalhava
como operador na Bolsa de Valores. Vera Gissing conta que, quando a
guerra eclodiu, não havia quase nada que Winton pudesse fazer para
ajudar os refugiados. Porém em 1942, ele abandonou o mercado
financeiro e tornou-se voluntário da Cruz Vermelha, na França.
Posteriormente começou a trabalhar nas Nações Unidas e, em seguida, no
International Bank, em Paris. Depois de se aposentar dedicou-se
exclusivamente ao trabalho voluntário, tendo sido homenageado em 1993
com o título de Membro do Império Britânico e incluído na lista de
honra da rainha Elizabeth.

Atualmente, Winton vive em Maidenhead, perto de Londres, com sua
esposa, com a qual é casado desde 1948. Tem dois filhos; um terceiro
faleceu na infância. Desde 1988, no entanto, sua família cresceu
rapidamente. "Ele é nosso pai e avô honorário, porque nossa família
foi exterminada durante a guerra", afirmou Vera Gissing.

Sessenta destas "crianças" se reuniram em um evento chamado "Obrigado,
Inglaterra", organizado pelo embaixador checo para honrar aqueles que
acolheram e facilitaram a adaptação destes refugiados. Na ocasião, a
atuação de Nicolas Winton foi comparada à de Oscar Schindler, por um
dos organizadores.

Nicolas Winton, no entanto, não entende o porquê de tantas homenagens.
"Ele considera que apenas fez o seu dever", explica Vera Gissing.
"Outras pessoas também tiveram méritos nesta operação, mas Winton foi
quem idealizou e organizou o salvamento de tantas vidas. Sem ele,
algumas poucas crianças poderiam ter sido salvas, apenas algumas".
 

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