Theresa Catharina de Góes Campos

  HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO

Comentários de Theresa Catharina


Estimada Ana:

Como você muito bem ressaltou, igualmente destaco, no filme, a
construção existencial, a metamorfose dos personagens envolvidos, "a
modificação do comportamento de todos após algum tempo de convivência
com a recém-chegada" (citando na íntegra as suas palavras sucintas,
mas precisas), uma pessoa em profundo sofrimento que, por mais de 15
anos fora totalmente abandonada por seus familiares mais próximos,
numa vida adulta marcada por sucessivas tragédias.


Ainda que numa prisão, mesmo em sua condição de condenada legalmente
por um crime cometido, pelo menos os familiares não deveriam ter se
afastado de todo. O passado de alguém, as suas origens, as memórias do
convívio entre pais e irmãos, os laços afetivos, assim como as
amizades - são elementos importantíssimos ( na verdade, essenciais)
para que alguém se faça merecedor do acompanhamento da família, que
não está em perigo ao dar
tal suporte, uma responsabilidade natural dos laços de sangue, enfim,
um suporte moral esperado, legal e até incentivado em qualquer centro
de detenção.


"Há tanto tempo que te amo" denuncia, portanto, de forma ampla,
abrangente, a mesquinhez, a cegueira dos familiares, tanto quanto a
superficialidade...males que se repetem, tanto no âmbito da família
quanto nos ambientes sociais e profissionais, igualmente difíceis e
traiçoeiros, em nada possibilitando a recuperação de vidas por
diferentes razões traumatizadas, em busca de novos caminhos ou alguma
oportunidade para que se reconstruam como seres humanos.


Sem a mínima solidariedade, numa sociedade despudoradamente egoísta e materialista, não-solidária e agressiva, como ousamos exigir que
ocorra, afinal, uma readaptação, um soerguimento?

Como esperar coragem de alguém que vive uma situação difícil há mais
de duas décadas, se o exemplo do próximo, em pleno direito de sua
liberdade, mostra fraqueza e covardia?


Se apenas essa história de lenta e sofrida, quase solitária e
silenciosa metamorfose fosse contada no filme, ainda que defeitos
técnicos, de roteiro e de produção houvesse, já mereceria, de mim,
muitos elogios e aplausos.


Aproveito, contudo, para me estender neste comentário e fazer outros
destaques, para os quais também chamo a atenção dos espectadores de "Há tanto tempo que te amo": interpretação das protagonistas;
personagens e situações; diálogos e momentos de silêncio que convidam
à reflexão; a simbologia/a metáfora da viagem com a qual o policial
sonhava e pretendia realizar; os temas realistas e atuais; a sensível
trilha sonora.


Ao mesmo tempo, reconheço plenamente a competência de Reynaldo
Domingos Ferreira, em seu excelente artigo, uma colaboração pela qual
sou gratíssima, sobretudo porque contém inúmeras informações,
observações e análise pertinentes ao olhar de um crítico atento.


Muito obrigada, Ana, por você ter se manifestado com tanta
sensibilidade e maturidade generosa sobre "Há tanto tempo que te amo",
assim ensejando essas Notas da Editora, complementares ao comentário
de Reynaldo.

Abraços cordiais de
Theresa Catharina

2009/7/25 adfalcao:
Theresa, agradeço o envio do comentário de nosso amigo Reynaldo, sempre profundo e sintético em suas observações. Se não me engano, o título se refere a uma música que as duas irmãs executavam ao piano quando meninas.
Por isso, não estranhei o ponto de vista do narrador. Há unanimidade quanto à interpretação das atrizes. Ressalto também a modificação do comportamento de todos após algum tempo de convivência com a recém-chegada. Abraços Ana



HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO

 As memoráveis atuações de Kristin Scott Thomas e de Elza
 Zyberstein são a grande credencial do filme Há Tanto Tempo Que Te Amo,
 do estreante Philippe Claudel, que, no entanto, exagera no tom de
 dramaticidade e de mistério para conduzir a narrativa da reintegração
 de uma ex-presidiária, condenada por homicídio, à sua vida familiar.

 Autor também do roteiro, Claudel – como escritor, é detentor de
 dois prêmios Goncourt - demonstra insegurança principalmente em
 relação à definição da forma pela qual aborda a questão. Reveladora,
 nesse sentido, é a sequência em que Léa (Elza Zyberstein), professora
 de literatura, discute, sem serenidade, com seus alunos, o método de
 exposição adotado por Dostoiévski para contar a história de
 Raskolnikov, em Crime e Castigo.

 Para respeitar o título e a temática, penso eu, a narrativa, no
 caso, deveria ser – mas não é - sob a forma subjetiva, isto é, sob a
 ótica de Léa, que convida a irmã, Juliette Fontaine (Kristin Scott
 Thomas), presa na Inglaterra há quinze anos, a ir morar com ela, em
 Nancy, cidade universitária, na região da Lorena, onde vivem cidadãos
 de várias nacionalidades.

 No trajeto feito de carro, do aeroporto até sua casa, Léa revela
 a Juliette, em poucas palavras, que, após a morte do pai delas, se
 mudara para Nancy a fim de fazer o doutorado, e lá conhecera Luc
 (Serge Hazanavicius), com quem se casou. O casal, ao que acrescenta,
 adotou duas crianças vietnamitas: P´itit Lys (Lyse Ségur) e Emelia
 (Lyle Rose).

 Já instalada na casa da irmã, que a deixara para ir lecionar,
 Juliette descobre, ao acaso, um outro conviva, Papy Paul (Jean-Claude
 Arnaud), de origem polonesa, pai de Luc, que não fala desde que
 sofrera um AVC, segundo Léa lhe esclarece, depois, constrangida, ao
 que parece, por lhe haver negado antes a informação, numa cena sem
 graça, não por culpa das atrizes, e desnecessária.

 Assim, outras personagens vão surgindo e, aos poucos,
 desaparecendo de forma aleatória, como o homem do bar (Pascal
 Demolon); Michel (Laurent Grévill), professor, colega de Léa; capitão
 Fauré (Frédéric Pierrot), um solitário policial, que sonha em
 desvendar os mistérios sobre a nascente do rio Orinoco, e a mãe
 (Claire Johnston) de Juliette e de Léa, sofredora do mal de Alzheimer,
 que se encontra numa casa de saúde.

 Para retardar o desvendamento do segredo que Juliette esconde
 sobre o seu passado criminoso – especialmente a identidade de sua
 vítima -, Claudel é pródigo em redundâncias ou em digressões típicas
 de melodramas, sublinhadas pelo comentário musical de Jean Louis
 Aubert. É o caso da cena de uma reunião familiar campestre em que
 Claudel expõe, apoiado na bela fotografia de Jérôme Alméras, sua
 admiração pelo estilo do cineasta Eric Rohmer, que, como se deve
 observar, nada tem a ver com o seu.

 É nessa parte que, instigada por Gérard (Olivier Cruvier), o
 anfitrião, Juliette, uma ex-médica, então impedida de exercer a
 profissão, se vê forçada a dizer a todos, ante a ansiedade da irmã, a
 verdade sobre o seu passado, que, entretanto, dita, cai no descrédito
 de todos. Exceto no de Michel, que, um tanto mais perceptivo do que
 lhe ocorre interiormente, a convida a dar uma volta a fim de se
 espairecer lá fora, vendo as cercanias da casa.

 O mérito da direção de Claudel reside sem dúvida na maneira com
 que ele sabe compor planos para dar destaque às soberbas
 interpretações de Elza Zyberstein (A Pequena Jerusalém) e de Kristin
 Scott Thomas. A primeira exprime, com finíssima sensibilidade, o amor,
 a admiração que Léa sente, desde criança, pela irmã. Muitas coisas se
 passaram, entre as duas, que precisavam ser por ela consideradas.
 Juliette fora quem lhe ensinara, por exemplo, a cantar e a tocar
 piano. Se toda a família, mormente o pai, condenou o ato de Juliette,
 Léa, ao contrário, sem saber os motivos que a levaram a cometer o
 crime, nunca a deixou de amar. Em seu diário, ela contava os dias, que
 ainda faltavam, para ver Juliette em liberdade.

 Kristin Scott Thomas, intérprete de O Paciente Inglês, de
 Anthony Minghella , cria, dessa feita, personagem de máscara rígida,
 que manifesta, pelas olheiras profundas, além de fadiga, uma secreta
 tristeza. Era como se ela tivesse de sustentar a todo o tempo que,
 apesar da ruína da sua vida, deveria permanecer de pé. Em termos de
 composição, Kristin explora também muito, como Melissa Leo, em Rio
 Congelado, o recurso das pausas psicológicas. É notável ainda o uso
 pela atriz da inflexão de voz, quando Juliette afirma para a irmã: -
 A morte de um filho é a pior cadeia que existe. Dela ninguém
 escapa!...

 REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

 ROTEIRO, Brasília, Revista
 www.theresacatharinacampos.com
 www.arteculturanews.com
 www.noticiasculturais.com
 www.politicaparapoliticos.com.br
 www.cafenapolitica.com.br

 FICHA TÉCNICA
 HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO
 IL Y A LONGTEMPS QUE JE T´AIME
 França/Alemanha/2008
 Duração - 113 min.
 Direção – Philippe Claudel
 Roteiro – Philippe Claudel
 Produção – Sylvestre Guarino e Yves Marmion
 Fotografia – Jérôme Alméras
 Trilha Sonora – Jean Louis Aubert
 Edição – Virginie Bruant

 Elenco – Kristin Scott Thomas (Juliette Fontaine), Elza Zyberstein
 (Léa), Serge Hazanavicius ( Luc), Jean-Claude Arnaud (Papy Paul),
 Laurent Grévill (Michel), Frédéric Pierrot ( capitão Fauré), Olivier
 Cruvier (Gérard), Pascal Demolon (Homem do Bar), Lyse Ségur (P´tit
 Lys), Lyle Rose (Emelia), Claire Johnston (Mãe).
 

 

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