Theresa Catharina de Góes Campos

  29 de Julho de 2009
www.fenaj.org.br

Desconhecimento da Matéria 27/07/2009 | 20:02
O Supremo errou, cabe consertar

*Laurindo Lalo Leal Filho

O Supremo Tribunal Federal cometeu um grave erro ao acabar com a
exigência do diploma para o exercício profissional do jornalismo. Como
guardião da Constituição brasileira, o STF entendeu que uma de suas
cláusulas – a que garante a livre manifestação de pensamento – estaria
sendo violada pela lei que regulamentou a profissão de jornalista.

Os ministros que votaram contra a exigência do diploma, sob a alegação
de cerceamento da liberdade, erraram. Seguiram um relator subserviente
à grande mídia, certo de que esta retribuiria o seu favor, o que aliás
já vem acontecendo. Mostraram em seus votos desconhecer a matéria em
julgamento. Nunca houve, nos mais de quarenta anos de vigência da lei,
qualquer violação da liberdade que tivesse sido decorrente de sua
aplicação. Houve sim censura prévia durante a ditadura e censura
empresarial depois dela, fatos sem nenhuma relação com a exigência do
diploma.

Os nobres julgadores parecem não ler jornais, ouvir rádio ou ver
televisão. Neles, todos os dias opinam profissionais de todas as áreas
sem nenhum obstáculo. Portanto, a exigência do diploma não fere a
Constituição e esta deveria ser a singela resposta do Supremo aos
autores da ação, não por acaso entidades patronais do setor.

O que a lei derrubada garantia era a o exercício legalizado de uma
profissão cujo conhecimento acumulado ao longo dos anos não pode ser
transmitido senão de forma sistematizada, como se faz na academia.
Foi-se o tempo em que jornalismo se aprendia nas redações. Hoje esse
ensinamento é fruto da pesquisa científica desenvolvida numa área
específica do conhecimento e que se transmite nas salas de aulas e nos
laboratórios.

Gostaria de saber se alguns dos juízes que votaram contra o diploma –
e que escrevem nos jornais com absoluta liberdade – sabem como se
define e se produz uma pauta jornalística, como se apuram as
informações e como se faz a edição de uma reportagem, por exemplo? Ou
ainda quais são as diferenças entre um texto escrito para ser lido nos
jornais, na internet ou para ser ouvido através do rádio. E como
escrever para a TV combinando com precisão texto e imagem? Isso não
tem nada a ver com liberdade de informação. É conhecimento
especializado que sociólogos, advogados e médicos não aprendem em suas
faculdades. Só os jornalistas.

E o mais importante: gostaria de saber se esses doutos juízes se
debruçaram sobre o currículo teórico dos cursos de comunicação, base
fundamental para o trabalho prático acima descrito. Não há hoje
jornalista formado que não tenha tido contato com as diferentes
correntes teóricas da comunicação, estudadas e discutidas nas
faculdades.

São essas leituras que permitem aos futuros jornalistas compreender
melhor o funcionamento da mídia, as suas relações com os diferentes
poderes, os seus interesses muitas vezes subalternos. É nas faculdades
que se formam jornalistas críticos, não apenas da sociedade, mas
principalmente da mídia, capazes de saber com clareza onde estarão
pisando quando se formarem. É tudo que os donos dos meios não querem.

A luta deles pelo fim do diploma resume-se a dois objetivos: destruir
a regulamentação da categoria aviltando ainda mais os salários e as
condições de trabalho e, ao mesmo tempo, evitar a presença em suas
redações de jornalistas que possam, ainda que minimamente, contestar –
com conhecimento de causa - o poder por eles exercido sem controle.
Querem escolher a dedo pessoas dóceis e subservientes e transformá-las
nos “seus” jornalistas.

Transfere-se dessa forma da esfera pública para o setor privado a
decisão de definir quem pode ou não ser jornalista. As universidades
públicas quando outorgam um diploma de um dos seus cursos ou quando
reconhecem a legitimidade do diploma fornecido por instituição privada
exercem a prerrogativa de possuírem fé pública. O diploma de
jornalismo era, portanto, referendado pelo Estado em nome da
sociedade, dando a ele a sustentação necessária para o exercício de
uma profissão regulamentada desde 1938. Agora é o mercado que decide.

Outro argumento ridículo usados pelos juízes do Supremo é que o
diploma era um entulho autoritário produzido pela ditadura militar.
Bastava uma breve consulta aos anais de todos os encontros e
congressos de jornalistas para perceber que tal afirmação é
insustentável. Em 1918, quarenta e seis anos antes de se instalar a
ditadura de 64, os jornalistas reunidos em Congresso no Rio de Janeiro
já defendiam a formação específica em jornalismo para o exercício da
profissão. E seguiram lutando por essa bandeira e pela regulamentação
profissional.

Em 1961, o presidente Jânio Quadros publicou decreto regulamentando a
profissão. A partir dai o seu exercício ficou restrito aos portadores
de diploma específico de nível superior. Como agora, as empresas
jornalísticas se mobilizaram e conseguiram, um ano depois, a revogação
do decreto pelo presidente João Goulart. Mas em compensação foi criada
uma comissão para dar nova forma à legislação. O resultado foi a volta
da exigência da formação superior, embora admitindo o autodidata e o
reconhecimento de jornalistas sem diploma nas cidades onde não haviam
faculdades de jornalismo. O decreto-lei de 1969 apenas acabou com o
autodidatismo, mas permitiu a existência do jornalista provisionado,
aquele que já exercia a profissão antes da promulgação da lei.

Foi graças à mobilização e à pressão da categoria que, depois de mais
de 50 anos de luta conquistou-se a exigência do diploma, nos termos
previstos desde o final da primeira década do século 20.

E os juízes de 2009 ainda tiveram a coragem de aceitar a tese de que
foi a ditadura que exigiu o diploma para impedir contestações nos
jornais. Como se os jornalistas pudessem escrever o que quisessem sem
a anuência dos patrões, como se na época não houvesse censura policial
e como se todos os possíveis contestadores do regime não estivessem
àquela altura mortos, exilados, sendo torturados ou simplesmente
calados pela força da intimidação.

Voltamos agora à pré-história do jornalismo brasileiro quando os donos
de jornais davam “carteiras de jornalistas” para os empregados e
diziam: “agora você já é jornalista, pode ir buscar o salário lá
fora”. Se o “jornalista” tivesse algum pudor iria ganhar seu dinheiro
em outra profissão trabalhando no jornal por diletantismo. Se não
tivesse iria usar do seu espaço para ameaçar pessoas, em troca de
remuneração. Era o chamado achaque que, obviamente não era
generalizado mas que constrangia os jornalistas idôneos.

A obrigatoriedade do diploma foi responsável pela moralização da
profissão. Além disso, estimulou os diplomados a refletirem
sistematicamente sobre o seu trabalho. Será que os nobres juízes do
Supremo ouviram falar alguma vez na riquíssima experiência de
pesquisa, necessária ao trabalho de conclusão de curso, condição para
se obter o grau superior de jornalismo? Acredito que não. E não sabem
também como, ao ingressar na profissão com o diploma, o jornalista tem
olhos mais atentos para recolher na prática profissional os elementos
necessários para a realização de novas pesquisas acadêmicas.

São inúmeros os jornalistas que depois de alguns anos de vida
profissional voltam à academia ingressando em programas de mestrado ou
doutorado. Carreiras acadêmicas serão destruídas. E com isso vai se
iniciar um processo de destruição de uma área do conhecimento que
vinha se consolidando nos últimos anos graças ao investimento dos
órgãos de fomento à pesquisa e das universidades. A exigência do
diploma é vital para manter viva a relação entre o trabalho e a
pesquisa.

Como se vê, além de errarem, os juízes do Supremo foram irresponsáveis
por não mediram as conseqüências da decisão tomada.

Mas há conserto. Tramitam no Congresso duas propostas de emenda
constitucional determinando a volta da exigência do diploma de nível
superior para o exercício da profissão. Não é fácil aprová-las dadas
as exigências regimentais. Na Câmara, por exemplo, precisam do voto
favorável de três quintos dos deputados (308 entre 513) e no Senado de
49 dos 81 senadores. Votos que só serão conseguidos com a mobilização
ampla da categoria e dos estudantes, o que aliás já vem ocorrendo em
todo o Brasil. Resta agora intensificar essa luta que já se mostrou
vitoriosa em outros momentos de nossa história.

* Sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É
autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade
ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Publicado pela Agência Carta maior em 07/07/2009
 

Jornalismo com ética e solidariedade.