Theresa Catharina de Góes Campos

  From: LMAIKOL
Date: 2010/1/20
Subject: Reflexões Homiléticas para Fevereiro de 2010



Reflexões Homiléticas para Fevereiro de 2010
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QUINTO DOMINGO COMUM (07.02.10)
Lucas 5, 1-11
“Senhor, afaste-te de mim, porque sou um pecador”

A porta de entrada desse texto, que nos traz a versão Lucana da “pesca milagrosa” ( Jo 22) é o primeiro versículo: “Certo dia, Jesus estava na margem do Lago de Genesaré. A multidão se apertava ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.” Lucas deixa bem claro que o motivo de tanta gente buscar Jesus foi para “ouvir a Palavra de Deus”. Não para ver milagre, não para receber esmola, nem cura, mas simplesmente para “ouvir a Palavra de Deus”. E só se busca o que é agradável, o que faz bem!
A Palavra de Deus encorajava a multidão, fazia com que as pessoas se sentissem amadas, aceitas, valorizadas. A Palavra de Deus era realmente “Boa Notícia” para os humildes e sofridos. Nada deve - ou pode - substituir esta Palavra. A Igreja ainda corre atrás do prejuízo de ter privado o povo durante séculos do alimento da Palavra. O último Sínodo dos Bispos tratou do tema significante “O Lugar da Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”, e aguardamos ansiosamente a publicação do Documento Pós-Sinodal. Nenhuma palavra humana, por mais eloquente ou edificante que seja, pode igualar-se à Palavra de Deus. Oxalá não repitamos os erros do passado! Que saibamos ver a ação do Espírito Santo na grande procura da Bíblia entre as comunidades, especialmente entre os mais pobres. Devemos levar a sério o que proclamou o Concílio Vaticano II no seu documento dogmático Dei Verbum: “A Igreja sempre venerou as Sagradas Escrituras da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor” (DV 21). Infelizmente, nem sempre se verifica a prática dessa declaração!
Terminada a pregação, Jesus pede que Simão “avance para águas mais profundas” (v. 4), para lançar as redes. Pois, barca à beira-praia pesca nada! Como é tentador para nós - a Igreja, as comunidades, os indivíduos - ficarmos seguros nas águas rasas que não apresentam perigo, e tampouco frutos! Se quisermos ser realmente “pescadores de homens” (v. 10) teremos que enfrentar as águas profundas da vida, com todas as incertezas e inseguranças que isso acarreta. Muito mais cômodo é ficar nas águas calmas e tranquilas, sem risco – mas, fazer assim seria trair a nossa vocação batismal. Poderemos nos perguntar - o que quer dizer para mim, na prática da minha vida, “avançar para as águas mais profundas”?
Simão não se mostra muito entusiasmado diante do convite do Senhor, mas lança a barca “em atenção à Sua palavra” (v. 5). Aqui está o nó da questão - a atenção à Palavra de Deus. O Salmo 95 (94), 7 reza: “Oxalá vocês escutem hoje o que Ele diz” - pois Deus nos fala todos os dias. Mas, uma fala exige atenção para que seja captada. Deus nos fala sempre - mas, se não tivermos as antenas ligadas, não ouviremos. E continuaremos acomodados nas águas rasas e tranquilas, enquanto a missão exige que nos lancemos para águas profundas.
Pedro reage já: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” (v. 8). Como a luz cria a sombra, a proximidade da santidade põe em relevo o pecado humano. O que parece normal, segundo critérios humanos, fica claramente negativo diante dos critérios do amor divino! Mas, Jesus não atende o pedido de Pedro - foi porque somos pecadores que Ele veio! Pelo contrário, fala para Pedro não ter medo - nem da sua fraqueza, nem da sua natureza pecaminosa, nem das suas falhas. Jesus o chama tal como Ele é. E Ele nos ama, não como gostaríamos de ser, mas como somos de fato. Não devemos ter medo da nossa realidade humana e pecadora, pois todos nós carregamos “um tesouro em vaso de barro” (2Cor 4, 7), mas podemos caminhar com confiança porque “se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós?” (Rm 8, 1). Somos chamados a segui-Lo como somos. Porém, isso não pode nos acomodar, pois o Evangelho deixa claro que quando os apóstolos foram chamados, deixaram tudo para segui-Lo. O seguimento de Jesus sempre exige que deixemos algo. Resta perguntar a nós mesmos: “O que é que o seguimento de Jesus exige que eu deixe, neste momento na minha caminhada de discípulo/a”?

Sexto Domingo Comum (14.02.2010)
Lucas 6,17.20-26
“O Reino de Deus lhes pertence”

As pessoas que buscavam Jesus eram o retrato de um povo que sofre as consequências de uma sociedade injusta - pobre, abandonado, sem saúde. Mas, além de buscar a cura, Lucas salienta que eles foram “ouvir Jesus”. Foram porque a mensagem d’Ele falava aos seus corações, os animava, dava-lhes coragem, fazia que eles se sentissem valorizados e sentissem de perto a presença do Deus que ama os pobres. Acostumadas com o desprezo, o abandono, o legalismo religioso, achavam em Jesus um aconchego, uma aceitação, a dignidade, o ânimo. Hoje, será que se acha esses elementos em nossas celebrações e pregações?
Jesus olhou para os seus discípulos e falou: “Felizes de vocês, pobres, porque o Reino de Deus lhes pertence. Felizes de vocês que agora têm fome, porque serão saciados. Felizes de vocês que agora choram, porque hão de rir. Felizes de vocês se os homens os odeiam, se os expulsam, os insultam e amaldiçoam o nome de vocês, por causa do Filho do homem. Alegrem-se nesse dia, pulem de alegria, pois será grande a recompensa de vocês no céu, porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas” (Lc 6, 20-23). Enfatizando o termo “vocês”, Lucas salienta que as qualidades dos que são considerados “bem-aventurados” devem existir nos/as discípulos/as.
Diante de um grupo de pobres, famintos, tristes, sem-terras, sem-teto, teríamos coragem, a partir do nosso bem-estar, de pronunciar estas palavras: “Felizes de vocês, os pobres, os famintos, os aflitos, os odiados”? Não seria uma ofensa aos sofredores? Sim, seria - a não ser que proclamadas por alguém que, como Jesus, esteja realmente empenhado na luta por um mundo mais justo, onde os injustiçados sejam libertados das correntes de opressão. Seria ofensiva, a não ser que pronunciadas por alguém que realmente sentisse compaixão diante do seu sofrimento - e não somente “pena”. Jesus podia pronunciar essas palavras, pois tinha assumido a condição de um pobre, estava solidário com eles, e se dedicava a eles. Devolvia-lhes o seu valor e a sua dignidade, e revelava-lhes o verdadeiro rosto do Deus da libertação, ofuscado pela religião legalista oficial do tempo. Ele não romantizava a pobreza - os pobres não são felizes por serem pobres (a miséria, a falta do necessário para uma vida digna nunca é coisa boa), mas porque o Reino de Deus é deles! O verbo aqui está no tempo presente - nas outras bem-aventuranças está no futuro. O Reino já é deles, pois a sua única esperança, na sua pobreza na sua impotência, é Deus, e diante do seu sofrimento, Ele opta por eles.
Mas, a palavra de Jesus não é somente para confortar os aflitos - é também para afligir os confortáveis! Ai de nós, os discípulos, se nós somos acomodados, fechados no egoísmo e na fartura, elogiados e aceitos por uma sociedade injusta, porque não a questionamos nem a incomodamos: “Mas ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação! Ai de vocês, que agora têm fartura, porque vão passar fome! Ai de vocês que agora riem, porque vão ficar aflitos e irão chorar! Ai de vocês, se todos os elogiam, porque era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas.” (Lc 6, 24-26). Não é negativo ter o suficiente, ter alegria, mas se torna pecado quando nos fechamos em nosso mundo de auto-suficiência e ficamos insensíveis diante do sofrimento alheio.
Nas Bem-aventuranças, Lucas é mais contundente do que Mateus. Não dá trégua - quer que fique claro que o seguimento de Jesus exige opção pelos pobres e marginalizados, independentemente da sua condição moral, religiosa ou legal, e também desligamento da sociedade materialista e consumista, que procura esconder a realidade da opressão e exclusão, anestesiando a consciência. Ai de nós, os discípulos, se isso acontecer! Teria eu coragem para proclamar este trecho diante de pobres - e diante de ricos? Como diz a Bíblia Pastoral: “Não é possível abençoar o pobre sem libertá-lo da pobreza. Não é possível libertar o pobre da pobreza sem denunciar o rico para libertá-lo da riqueza.”


PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA (21.02.09)
Lucas 4,1-13.
“Você adorará o Senhor seu Deus e somente a Ele servirá”

O texto expressa a luta interna de Jesus em discernir o caminho a seguir depois de assumir a sua missão no batismo. A experiência de Jesus é como a nossa - entre o nosso compromisso com o projeto de Deus e a prática d’Ele, existem muitas tentações!
Jesus estava “repleto do Espírito Santo”, e era “conduzido pelo Espírito através do deserto”. O Espírito Santo não o conduz à tentação, mas é a força sustentadora d’Ele, durante as suas tentações. Como o Espírito dava força a Jesus, Lucas ensina às suas comunidades que elas também poderão contar com este apoio nos momentos difíceis da vivência da sua fé!
As tentações são as mesmas que enfrentamos na nossa caminhada da fé hoje! Primeiro, Jesus é tentado para mandar que uma pedra se torne pão. Aqui é a tentação do “prazer” - logo que enfrenta sofrimento por causa da sua missão, Jesus é tentado a escapar dele! Uma tentação das mais comuns hoje, num mundo que prega a satisfação imediata dos nossos desejos, numa sociedade que cria necessidades falsas através de sofisticadas campanhas de propaganda. Uma sociedade de individualismo, onde a regra é “se quiser, faça!”, onde o sacrifício, a doação e a solidariedade são considerados como ladainha dos perdedores! Jesus é contundente: “Não só de pão vive o homem”. (v. 4). Vivemos de pão; mas, não só! Jesus não é contra o necessário para viver dignamente. Mas, salienta que não é somente a posse de bens que traz a felicidade, mas a busca de valores mais profundos, como a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade com os sofredores. Não faz contraste falso entre bens materiais e espirituais - precisa-se de ambos para que se tenha a vida plena! Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade na simples posse de bens, como os que dispensam a luta pelo pão de cada dia para todos!
A segunda tentação pode ser visto como a do “ter”. Algo atual! Vivemos na sociedade pós-moderna da globalização do mercado, do neo-liberalismo, do evangelho do mercado livre. Diariamente a televisão traz para dentro das nossas casas a mensagem de que é necessário “ter mais”, e que não importa “ser mais”! A tentação vem em forma atraente - até a Igreja pode cair na tentação de achar que a simples posse de bens, que podem ser usados em favor da missão, garantirá uma atuação mais evangélica. Somos tentados a não acreditar na força dos pobres, de não seguir o caminho do carpinteiro de Nazaré. Jesus também enfrentou esta tentação - Ele que veio para ser pobre com os pobres, para mostrar o Deus que opta preferencialmente pelos marginalizados, é tentado a confiar nas riquezas! Para o diabo - e para o nosso mundo que idolatra o bem-estar material e o lucro, mesmo às custas da justiça social - Jesus afirma: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá”(v. 8).
A terceira tentação podemos entender como a do “poder”. Uma tentação permanente na história das Igrejas e dos cristãos. Quantas vezes as Igrejas confiavam mais no poder secular do que na fragilidade da cruz, para “evangelizar”. Quanta aliança entre a cruz e a espada - a América Latina que diga! Ainda hoje enfrentamos esta tentação - não de ter poder para servir, mas de confiar no poder aparente deste mundo, mais do que na fraqueza aparente de Deus, assim contradizendo o que Paulo afirmava: “A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1, 25), e “Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte” (1Cor 1, 27). Jesus, que veio para servir e não para ser servido, que veio como o Servo de Javé e não como dominador, teve que clarear a sua vocação e despachar o diabo com a frase: “Não tentarás o Senhor seu Deus”. Realmente, podemos nos encontrar nas tentações de Jesus! São as do mundo moderno - o ter, o poder e o prazer! Todas coisas boas em si, mas, altamente destrutivas quando tomam o lugar de Deus em nossas vidas! Jesus teve que enfrentar o que nós enfrentamos - o “diabo” que está dentro de nós, o tentador que procura nos desviar da nossa vocação de discípulos. O texto nos coloca diante da orientação básica para quem quer vencer: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a ele servirá” (v. 8)


SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA (28.02.2010)
“Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutem o que ele diz!”
Lucas 9, 28-36

O nosso texto de hoje vem logo após o diálogo com Pedro e os discípulos, na estrada de Cesaréia de Filipe, sobre quem era Jesus e como deveria ser o seu seguimento: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga” (9,23). Começando a passagem com as palavras: “oito dias após dizer essas palavras”, Lucas quer ligar estreitamente o texto com a mensagem anterior sobre o seguimento de Jesus até a cruz.
O texto destaca um aspecto de Jesus que é muito caro a Lucas - o fato que Ele era um homem de oração. Neste momento Ele “subiu à montanha para rezar” (v. 28). Durante a oração, aparecem Moisés e Elias, símbolos da Lei e dos Profetas, duas das figuras mais importantes do Antigo Testamento. Assim, Lucas mostra que Jesus está em continuidade com as Escrituras, isso é, o caminho que Jesus segue está de acordo com a vontade de Deus. Os dois personagens, tanto Moisés como Elias, eram profetas rejeitados e perseguidos no seu tempo - Lucas aqui vislumbra o destino de Jesus, de ser rejeitado, mas também de ser vindicado por Deus. Pedro, ao despertar do sono, faz uma sugestão descabida: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, uma outra para Moisés e outra para Elias” (v. 33). Claro, era bom ficar ali, num momento místico, longe do dia-a-dia, da caminhada, das dúvidas, dos desentendimentos, da luta. Quem não iria querer? Mas, não era uma sugestão que Jesus pudesse aceitar. Terminado o momento de revelação, “Jesus estava sozinho” e no dia seguinte “desceram da montanha” (v. 37). Por tão gostoso que seja ficar no Monte Tabor, é precisa descer para enfrentar o caminho até o Monte Calvário! A experiência da Transfiguração está intimamente ligada com a experiência da Cruz! Quem sabe, talvez a experiência do Tabor desse a Jesus a coragem necessária para aguentar a experiência bem dolorida do Calvário!
Aplicando o texto e a sua mensagem a todos os cristãos, podemos deduzir que todos precisam subir o Monte Tabor para serem transfigurados, para depois descerem para “lavar os pés” dos irmãos e irmãs! Todos nós - seja qual for a nossa vocação - precisamos de momentos de oração profunda, de união especial com Deus. Isso torna-se cada vez mais importante no mundo atual de ritmo quase frenético, de estresse e correria. Temos que descobrir como criar espaços de tempo para respirarmos mais profundamente a presença de Deus, para renovarmos as nossas forças e o nosso ânimo. Estas experiências não devem ser “intimistas”; pelo contrário, devem aprofundar a nossa fé e o nosso seguimento, para que possamos seguir o exemplo d’Aquele que lavou os pés dos discípulos: “Eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros” (Jo 13,14).
Esse trecho pode nos ensinar a valorizar os momentos de “Tabor”, os momentos de paz, de reflexão, de oração. Pois, se formos coerentes com a nossa fé, teremos muitas vezes de fazer a experiência de “Calvário”! Somos fracos demais para aguentar esta experiência, contando somente com as nossas próprias forças e recursos humanos - por isso, busquemos forças na oração, na Palavra de Deus, na meditação – mas, sempre para que possamos retomar o caminho, como fizerem Jesus e os três discípulos! Para os momentos de dúvida e dificuldade, o texto nos traz o conselho melhor possível, através da voz que saiu da nuvem: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutem o que ele diz!” (v. 35). Façamos isso, e venceremos os nossos Calvários!

Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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