Theresa Catharina de Góes Campos

  A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS


Quando o rompimento da comunicação -
em mágoas visíveis ou dissimuladas -
atinge os afetos mais profundos,
as relações em seu íntimo atingidas,
passamos a viver a travessia de um deserto.


Sentimos todo o peso da desolação,
porque os laços de súbito rompidos,
na verdade continuam a existir
nas relações de sangue, eternas.


Na amizade, o rompimento também
se faz chocante, porque somos
de repente jogados, arremessados
às areias de um deserto sufocante.
O rompimento não sangra, como
no sangue a ferir de morte os laços
do amor iniciado no primeiro segundo,
na primeira respiração de vida.


Trágico, doloroso resultado
da interferência de terceiros,
efeito danoso, sinal indisfarçável do mal!
Atingindo em cheio o seu alvo: o amor.
Permanece ali a realidade da dor ...
porque faltou uma voz bondosa
para argumentar em nosso favor.


Ninguém fez a minha defesa,
mesmo sabendo do meu amor!
Assim ocorre, também, pela inveja,
nas lutas que ferem tantas amizades.
Quanto mais antigas, mais expostas!
Porque talvez mais desprotegidas.


Sobreviver nesses desertos
às tempestades de nossa dor
como seres submissos,
eis uma difícil travessia.
Na ausência de vozes decididas
a falar ou gritar em nosso favor.


Porque faltou o depoimento de outros
para o meu amor ressaltar...
em tantas décadas, o mesmo amor
demonstrado e vivido como pérola,
a pedra mais preciosa, o meu tesouro.


Quase sucumbi, de vez...nas areias
movediças por traição e covardia
das muitas vozes silenciadas
pela incessante ousadia
do mal que me arrancava
aqueles por mim mais amados,
desde sempre e para sempre.


Como eu não pereci?
A chave, o segredo nesse enigma
de como por surpresa sobrevivi,
pulsa nas forças do coração,
ouvindo por fim a música divina
que até hoje me mantém firme,
pelo espírito sempre iluminada.


Se a eternidade interrompe, existe
a esperança de, no futuro, unir.


Perder quem mais se amou
com o afeto devido aos laços de sangue,
é rompimento marcado por traumas.
Sofro com essa recorrente dor,
embora não possa, por mais que tente,
a real extensão expressar dessa dor.


Nas lágrimas, sobrevive a mesma dor.
Na memória, que também sobreviveu,
preciso a todo momento resgatar as forças
que superam as perdas do amor.


Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF, 31 de janeiro de 2010

De: REYNALDO FERREIRA
Data: 21 de fevereiro de 2010 15:19
Assunto: RE: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: theresa


Prezada Theresa Catharina,

Belos e sentidos versos esses seus, escritos agora ao início deste ano. Em "A Memória dos Rompimentos de Afetos Profundos" há mágoas guardadas, mas há igualmente um sentido de superação dos rompimentos por uma chama de esperança que alimenta o seu coração. Parabéns. Forte abraço, Reynaldo


De: Luci Tiho Ikari
Data: 21 de fevereiro de 2010 17:11
Assunto: Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Theresa Catharina de Goes Campos


Theresa Catharina:

É muito bom para a saúde expor em palavras as dores do coração. Torna a pessoa e sua alma mais leves, para continuar a viver e enfrentar a vida. E, você sabe expor com muita competência o que vai no seu âmago. Verifiquei que os primeiros imigrantes japoneses expunham suas vivências e dificuldades, em seu tankas e haicais, em japonês, pois eles eram alfabetizados em japonês e não conseguiam comunicar-se em português. E, precisavam expor aquilo por que passavam e sentiam. Luci


De: Ana Falcão
Data: 21 de fevereiro de 2010 20:26
Assunto: Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Theresa Catharina de Goes Campos


Querida Theresa Catharina,

Somente pessoas de sensibilidade aguçada, como você, conseguem extrair palavras tão comoventes a respeito de fatos tão dolorosos. Aqui você reitera a "interferência de terceiros" que levam à destruição de afetos profundos. A falta de um "defensor" em momentos dificílimos talvez nem tenha sido percebida pela maioria dos que a cercam.
Você vai mais longe e lamenta a perda de quem mais amou. Somente a música divina permitiu sua superação , mas a lembrança da dor não pode ser esquecida. Theresa: exemplo de vida para muitos de nós.
Beijos
Ana


De: Tereza Lúcia Halliday
Data: 21 de fevereiro de 2010 20:03
Assunto: Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Theresa Catharina de Goes Campos


Therezita:

Para carregar e descarregar tantas perdas e dores, que você corajosamente partilha com seus leitores, é porque Deus a fez de "madeira de lei que cupim não rói" (verso de famoso frevo de Capiba).

Com carinho,
Tereza Lúcia


De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 25 de fevereiro de 2010 17:53
Assunto: Cheguei a mencionar, a algumas pessoas próximas, o meu sentimento de surpresa com o silêncio que me deixara ao abandono...elas disseram que...Fwd: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Ana Falcão


Amiga Ana:

Grata por sua compreensão, venho acrescentar que terminei escrevendo tais versos porque se impuseram a mim, cercando-me de forma sufocante, tendo eu chegado à conclusão de que estava sem um bom argumento para "engavetar" o que ocupava o meu ser emotivo-intelectual. Preferia esquecê-los, mas os poemas quase prontos me convenceram de que seriam de alguma utilidade para alguns leitores.

Embora haja detalhes que eu não consiga explicitar, porque me envergonho da extensão e profundidade dessa incompreensão que precisei viver, não me posso impedir de revelar um fato: cheguei a mencionar, a pessoas próximas, em determinadas ocasiões, o meu sentimento de surpresa com o silêncio delas, que me deixara ao abandono... Explicaram que "não adiantaria discutir" com a personalidade dominante, a vontade mais poderosa, ainda que não tivessem dúvidas de que a minha palavra era verdadeira... A morte, porém, levou com sua mão firme, inexorável, alguns familiares, sem que fossem esclarecidas situações fundamentais para rompermos barreiras maldosamente levantadas. Quem se foi, demonstrou carregar mágoas pelo que eu não fiz, deixando meu coração sem poder mais tentar se defender. Para mim, restou a memória de um desenlace total: o silêncio que seria eterno, uma ausência de palavras a ferir minha presença ignorada até no último instante. Como esquecer isso, sem enlouquecer? Só com o amparo de Deus!

Com toda a certeza, há muitos outros que viveram experiências semelhantes e, como acontece comigo, sentiram dores assim, como eu.

Espero que tenham recebido, igualmente, o carinho da solidariedade, semelhante ao que você não me deixou faltar. Muito obrigada.

Abraços afetuosos de
Theresa Catharina

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De: Ana Falcão
Data: 21 de fevereiro de 2010 20:26
Assunto: Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Theresa Catharina de Goes Campos


Querida Theresa Catharina,

(...)

A falta de um "defensor" em momentos dificílimos talvez nem tenha sido percebida pela maioria dos que a cercam. (...)

Ana


De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 22 de fevereiro de 2010 20:29
Assunto:Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: Tereza Lúcia Halliday


Agradeço, Tereza Lúcia, o seu comentário com o belo e original verso do criativo Capiba. Com o meu muito obrigada pela gentileza de sua mensagem, cito as palavras que encerram "Terra dos Homens", de Saint-Exupéry: "Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode formar o homem."

Therezita


De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 22 de fevereiro de 2010 19:58
Assunto: Re: A MEMÓRIA DOS ROMPIMENTOS DE AFETOS PROFUNDOS
Para: artemis coelho


Caríssima Artemis:

Obrigada pela generosidade de suas palavras...conhecendo você, como amiga, uma parte de toda "ESSA DOR", entretanto, você não conhece "toda a extensão dessa dor" (equivalente a: essa dor em sua extensão total). E você não conhece porque, em nenhuma das conversas que mantivemos, eu consegui reunir as forças necessárias para lhe contar todas as peças que compõem o enigma dessa dor não-ficcional. Eis o motivo pelo qual você também não conhece: porque jamais revelei, ou jamais consegui colocar em palavras, para ninguém, TODA A EXTENSÃO DESSA DOR.

(Deus conhece, Ele sabe, porque tudo conhece, sendo onipresente e onisciente. Por isso não preciso colocar em palavras para Ele. Porque Deus conhece toda a minha vida e o meu coração em toda a sua extensão...desde sempre, sempre.)

EU PENSO CONHECER ESSA DOR EM TODA A SUA EXTENSÃO. No poema, contudo, minha idéia para o verso foi ressaltar que NÃO SEI EXPRESSAR TODA A EXTENSÃO DESSA DOR.

Devido ao ritmo que escolhi dar a meus versos nas estrofes, sobretudo repetindo, intencionalmente, muitas vezes, o vocábulo "dor", numa palavra-rima propositalmente escolhida para o tema geral da poesia em questão , aqui não cabe, porém, escrever "essa dor", "expressar essa dor" porque, no poema, eu afirmo ser capaz de expressar essa dor, mas quero enfatizar o fato de, mesmo eu conhecendo uma realidade de sofrimento maior: eu (ainda? ou definitivamente?, só Deus sabe, eu não sei!) não ser capaz de expressar "toda a extensão dessa dor" . Eis a diferença do pensamento e da regência gramatical necessária para o ordenamento das palavras usadas na transmissão dessa idéia.
Observe a diferença que existe, talvez uma nuança, porém, segundo os estudiosos literários, tais sutilezas têm a sua utilidade para os poetas...

Expressar a dor, expressar essa dor....no entanto, expressar a extensão inteira dessa dor, toda a extensão dessa dor (essa dor em toda a sua profundidade não foi colocada nos versos, porque toda a extensão dessa dor existe ,apenas, gravada na sua totalidade, em toda a sua extensão está conhecida somente no âmago do sujeito que escreve a poesia e talvez ainda se acanhe de revelar a verdade em toda a sua extensão, porque toda a extensão dessa verdade talvez não seja expressa porque atingiria o sentimento de dignidade pessoal, colocando o narrador em situação por demais humilhante...
Afinal, ser vítima, incapaz de desfazer o mal, é uma situação muito humilhante.

Ainda bem que, na fé cristã, a humilhação, segundo os valores do mundo, assume um valor de nobreza, estando a qualificação negativa reservada para aqueles que humilharem o seu próximo. Ainda bem que, no cristinianismo, a fé nos orienta a esperar a realização da justiça divina, quando o bem sairá vitorioso!

Agradecendo, mais uma vez, o seu incentivo e a sua colaboração, envio abraços afetuosos.
Theresa Catharina

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Em 22 de fevereiro de 2010 18:34, artemis coelho escreveu:

Muito lindo - muito 'seu'.
Se me permite a correção ou sugestão no penúltimo verso:"expressar essa dor" ou "expressa dessa dor" ou ainda "a real expressão dessa dor".

 

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