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													Publicado 
													na Revista ENCONTRO - 
													Gabinete Português de 
													Leitura de Pernambuco, 
													Edição 2010:  
													
													   
													
													
													A FORÇA DO 
													PORTUGUÊS
													 
													
													
													 
													 
													
													
													
													Tereza 
													Halliday  
													 
													
													
													
													 Analista 
													de discurso e Artesã de 
													textos. 
													
													
													 
													 
													
													  Um 
													professor norte-americano 
													perguntou-me à queima-roupa:
													 
													
													- O que a faz 
													sentir-se brasileira? 
													 
													
													Em 
													longuíssimos 60 segundos, 
													vasculhei os sentimentos e 
													respondi: a Língua 
													Portuguesa.  
													
													- Pensei que 
													fosse responder “a música”, 
													retrucou, surpreendido.
													 
													
													   
													
													 Samba, 
													frevo, baião e choro fazem 
													parte, sim, da minha 
													identidade brasileira. São 
													marcas da infância e da 
													adolescência, acervo da 
													idade adulta. E me 
													acompanharão pela velhice 
													afora, entranhados na alma. 
													Contudo, o marco lingüístico 
													veio em primeiro lugar na 
													resposta imediata àquela 
													pergunta abrupta. 
													 
													
													   
													
													 Durante 
													Seminário sobre Lusofonia, 
													conversei com um escritor 
													angolano e outro 
													moçambicano. Para um deles, 
													o português é a língua do 
													invasor que o proibia de 
													usar na escola o idioma 
													falado em casa. O outro a 
													definiu como a língua da 
													ciência, do progresso, da 
													unificação do seu país. 
													Verdades diferentes da 
													minha, nascida em uma 
													ex-colônia de Portugal onde 
													a independência (1822) foi 
													sem traumas nem tiros - um 
													“acerto” entre partes. Como 
													o Brasil estava a caminho da 
													ruptura com o colonizador, 
													dizem que D. João VI alertou 
													seu herdeiro: “Toma para ti 
													a coroa do Brasil antes que 
													algum aventureiro lance mão 
													dela”. E o príncipe Pedro 
													passou a defender os 
													interesses da elite 
													separatista, que o levariam 
													ao posto de Imperador do 
													Brasil. A prática do 
													conchavo na política 
													brasileira, vem, pois, de 
													longuíssima data. 
													 
													
													   
													
													Os mais de 
													quinhentos anos de Língua 
													Portuguesa no Brasil 
													explicam por que nós a temos 
													como ancestralmente nossa - 
													parte do eu individual e 
													coletivo.  “Minha pátria é a 
													Língua Portuguesa”, disse 
													Fernando Pessoa.  Não, minha 
													pátria é o planeta Terra. 
													Mas reconheço o português 
													como o cordão umbilical a 
													ligar-me a certo canto do 
													mundo onde nasci e me criei. 
													Falo e escrevo dois idiomas 
													estrangeiros, sou avessa a 
													bairrismos municipais e 
													ufanismos nacionais, mas a 
													Língua Portuguesa é o 
													substrato de minha 
													identidade brasileira. 
													Parafraseando Adélia Prado: 
													o português “atravessou 
													minha vida, virou só 
													sentimento”.  
													
													   
													
													Todavia, este 
													senso de pertença não se 
													compraz no sentir. Vejo 
													pragmaticamente a identidade 
													coletiva dos brasileiros: 
													nossa língua é matéria-prima 
													de todas as áreas de 
													capacitação profissional, 
													progresso tecnológico e 
													expressão cultural. Seu 
													domínio pelas novas gerações 
													precisa ser levado a sério.
													 
													
													   
													
													Não me abala 
													a porta escancarada para os 
													empréstimos lingüísticos. 
													Eles só fazem enriquecer o 
													idioma, tão forte que os 
													assimila e lhes dá carteira 
													de identidade de Verbete da 
													Língua Portuguesa. Basta 
													citar gol, menu, 
													alpercata, tchau, 
													maestro, esnobar, 
													performance e esta mais 
													recente importação 
													aculturada: o verbo 
													deletar como sinônimo de 
													apagar. Bendita 
													criatividade!  
													
													   
													
													O que me 
													preocupa realmente é o 
													treinamento em Língua 
													Portuguesa não fazer parte 
													das prioridades da educação 
													nacional; é o descuido no 
													uso do português, mesmo por 
													profissionais da palavra. 
													Constrange-me que alguns 
													estrangeiros - estudiosos e 
													enamorados do Brasil - 
													demonstrem mais empenho e 
													orgulho em bem usar o 
													português do que nós mesmos.
													 
													
													   
													
													Sem o devido 
													nível de competência 
													linguística, o pensamento 
													fica limitado e mal 
													construído – isto é alerta 
													antigo de psicopedagogos e 
													sociolinguistas. O uso 
													competente do português 
													precisa ser fomentado e 
													exigido com rigor a partir 
													do Ensino Fundamental. Sem 
													falar, escrever e entender 
													bem a língua de todo dia, 
													deixa-se de compreender 
													adequadamente tudo o mais. 
													Uma vez conseguida essa 
													competência lingüística, o 
													resto virá por acréscimo: 
													qualificação em qualquer 
													área do conhecimento, 
													inclusive idiomas 
													estrangeiros, acesso a 
													informações vitais, 
													exercício da cidadania. A 
													força do português não está 
													somente na minha formação 
													individual. Ela é um 
													patrimônio coletivo do qual 
													o Brasil não pode dar-se ao 
													luxo de descurar. 
													 
													
													   
													
													(In 
													ENCONTRO – Revista do 
													Gabinete Português de 
													Leitura de Pernambuco – Ano 
													21, n.26 – 2010, pp.29-30) 
													
														
															
															 
															Tereza Lúcia 
															Halliday, Ph.D. 
														
															
															
															
															Artesã de Textos 
														
													 
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