Theresa Catharina de Góes Campos

 
EM  DEFESA  DE  UM  PATRIMÔNIO  DO  BRASIL
 

De: Tereza Lúcia Halliday
Data: 3 de maio de 2010 21:29
Assunto: Em defesa de um patrimônio do Brasil

 

Publicado na Revista ENCONTRO - Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, Edição 2010:

 

A FORÇA DO PORTUGUÊS

 

Tereza Halliday 

 Analista de discurso e Artesã de textos.

 

  Um professor norte-americano perguntou-me à queima-roupa:

- O que a faz sentir-se brasileira?

Em longuíssimos 60 segundos, vasculhei os sentimentos e respondi: a Língua Portuguesa.

- Pensei que fosse responder “a música”, retrucou, surpreendido.

 

 Samba, frevo, baião e choro fazem parte, sim, da minha identidade brasileira. São marcas da infância e da adolescência, acervo da idade adulta. E me acompanharão pela velhice afora, entranhados na alma. Contudo, o marco lingüístico veio em primeiro lugar na resposta imediata àquela pergunta abrupta.

 

 Durante Seminário sobre Lusofonia, conversei com um escritor angolano e outro moçambicano. Para um deles, o português é a língua do invasor que o proibia de usar na escola o idioma falado em casa. O outro a definiu como a língua da ciência, do progresso, da unificação do seu país. Verdades diferentes da minha, nascida em uma ex-colônia de Portugal onde a independência (1822) foi sem traumas nem tiros - um “acerto” entre partes. Como o Brasil estava a caminho da ruptura com o colonizador, dizem que D. João VI alertou seu herdeiro: “Toma para ti a coroa do Brasil antes que algum aventureiro lance mão dela”. E o príncipe Pedro passou a defender os interesses da elite separatista, que o levariam ao posto de Imperador do Brasil. A prática do conchavo na política brasileira, vem, pois, de longuíssima data.

 

Os mais de quinhentos anos de Língua Portuguesa no Brasil explicam por que nós a temos como ancestralmente nossa - parte do eu individual e coletivo.  “Minha pátria é a Língua Portuguesa”, disse Fernando Pessoa.  Não, minha pátria é o planeta Terra. Mas reconheço o português como o cordão umbilical a ligar-me a certo canto do mundo onde nasci e me criei. Falo e escrevo dois idiomas estrangeiros, sou avessa a bairrismos municipais e ufanismos nacionais, mas a Língua Portuguesa é o substrato de minha identidade brasileira. Parafraseando Adélia Prado: o português “atravessou minha vida, virou só sentimento”.

 

Todavia, este senso de pertença não se compraz no sentir. Vejo pragmaticamente a identidade coletiva dos brasileiros: nossa língua é matéria-prima de todas as áreas de capacitação profissional, progresso tecnológico e expressão cultural. Seu domínio pelas novas gerações precisa ser levado a sério.

 

Não me abala a porta escancarada para os empréstimos lingüísticos. Eles só fazem enriquecer o idioma, tão forte que os assimila e lhes dá carteira de identidade de Verbete da Língua Portuguesa. Basta citar gol, menu, alpercata, tchau, maestro, esnobar, performance e esta mais recente importação aculturada: o verbo deletar como sinônimo de apagar. Bendita criatividade!

 

O que me preocupa realmente é o treinamento em Língua Portuguesa não fazer parte das prioridades da educação nacional; é o descuido no uso do português, mesmo por profissionais da palavra. Constrange-me que alguns estrangeiros - estudiosos e enamorados do Brasil - demonstrem mais empenho e orgulho em bem usar o português do que nós mesmos.

 

Sem o devido nível de competência linguística, o pensamento fica limitado e mal construído – isto é alerta antigo de psicopedagogos e sociolinguistas. O uso competente do português precisa ser fomentado e exigido com rigor a partir do Ensino Fundamental. Sem falar, escrever e entender bem a língua de todo dia, deixa-se de compreender adequadamente tudo o mais. Uma vez conseguida essa competência lingüística, o resto virá por acréscimo: qualificação em qualquer área do conhecimento, inclusive idiomas estrangeiros, acesso a informações vitais, exercício da cidadania. A força do português não está somente na minha formação individual. Ela é um patrimônio coletivo do qual o Brasil não pode dar-se ao luxo de descurar.

 

(In ENCONTRO – Revista do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco – Ano 21, n.26 – 2010, pp.29-30)


Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.