Theresa Catharina de Góes Campos

 

O TRASTE E A DESGRAÇADA

Tereza Halliday – Artesão de Textos

            Estão separados há mais de 10 anos e ela ainda o chama “o Traste”. No dicionário e em seu coração, a palavra é sinônimo de imprestável, sem valor, pessoa de mau caráter. Ele jamais deu um desfalque, continua estimado pelos irmãos dela e pai assumido.   Um dia se apaixonou por outra mulher e queria ficar com as duas. A primeira rodou a baiana e deu o surrado ultimatum regulamentar: “Ou ela, ou eu!”. Ele optou pela “piranha”, termo até hoje usado pela ex-mulher do Traste para designar sua segunda esposa.

O Traste foi aquele bom rapaz por quem a primeira se encantou, varou mundos e fundos para ficar com ele. É o pai dos seus filhos. Com ele transou, fez os filhos, educou-os, teve bons momentos e desavenças, como todo casal. Mas, a separação transformou-o de príncipe em sapo, de marido trabalhador e pai cordão, em simplesmente Traste.  Na verdade, ela nunca se separou dele. Carrega o Traste dentro de si, conservado no formol do ressentimento – aquele veneno que a gente toma e espera que o outro morra.

 O ex-marido da Desgraçada, um dia, achou-a cheia de graça, teve filhos com ela, costumava apresentá-la a Deus e ao mundo como “minha mulher e companheira”.  Quando ela disse que não dava mais, queria seguir seu próprio caminho, ele não acreditou. Só podia haver outro homem na jogada. Não havia. Era questão de crescimentos diferentes. E sentimentos que já não convergiam.  Mas, para ele,  ia tudo bem. Por que arruinar a família? Acusada de provocar tal ruína, ela se tornou “a desgraçada”.

Tanto a ex- do Traste, quanto o ex- da Desgraçada praticaram uma das maiores sacanagens que se pode cometer contra um filho: o crime da alienação parental. Disseram cobras e lagartos do ex-parceiro(a),  ou sabotaram sutilmente a relação entre as crianças e o outro genitor.  Se os ex-parceiros são mesmo abomináveis, se têm algum defeito realmente grave, um dia, quando os filhos se entenderem de gente e entenderem de gente, vão perceber. Não precisa demonizar nem demolir a figura do outro genitor, pois não existe ex-pai nem ex-mãe. Existem, sim, ex-parceiros mesquinhos, covardes, ou patológicos o bastante para envenenar a relação entre um pai ou mãe e seus filhos e fazer estragos emocionais nos jovens pelo resto da vida.

Mas há também as boas almas que só semeiam bem querer, mesmo nas separações. São de paz, entendem de perdão e transcendência. Como o caso de um conhecido meu em cuja missa de sétimo dia estavam a viúva e as duas ex-mulheres, todas três chorosas, a recordar os bons anos vividos com ele.  Ou de uma amiga que, ao casar-se pela terceira vez, à festa compareceram os dois ex-maridos. Ela jamais os chamaria de trastes. Nem eles a apelidariam de desgraçada. Com decência e bom senso,  incluem no amor aos filhos, a paz com os ex-parceiros.  Bem-aventurados os mansos e mansas porque não estragam, com palavras acres,  a própria alma, a dos filhos e o ar que respiramos.

(Diário de Pernambuco, 13/09/2010, p;A-C-5)

Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.