Theresa Catharina de Góes Campos

 

INDIGNAÇÃO PRODUTIVA

 

Tereza Halliday – Artesã de Textos

 

Em conversa de beira de calçada, um de meus interlocutores lamentou: “O brasileiro perdeu a capacidade de se indignar”. Com esta generalização, esqueceu dos protestadores que bagunçam o tráfego em ruas e rodovias para expressar sua indignação por justas causas, ao preço de fazer médicos atrasarem cirurgias, viajantes perderem avião, ou pobres trabalhadores exaustos chegarem muito mais tarde em casa. Não faltam motivos para indignação nesta cidade destrambelhada e neste planeta mal governado. O x da questão é: como indignar-se produtivamente?

 

No rolar do papo, o analista do nível de indignação nacional contou-me como arma um barraco no supermercado, voz possante atraindo a atenção dos demais frequentadores para sua reclamação pelo excesso de filas e escassez de caixas, ou por algum alimento estragado. Indignação é sentimento forte, possível gerador de mudanças. Mas carece de gerenciamento competente para dar bons resultados. Rodar a baiana, fazer escarcéu, só resulta em catarse do indignado(a): bota pra fora o que lhe é indefensável, usa os circunstantes como plateia de sua autoterapia e adquire reputação de encrenqueiro. O “não admito”, o “Isto é uma vergonha!” apenas revelam o estado dos hormônios do indignado(a). Daí para frente, a animosidade só faz atrapalhar. Indignar-se positivamente, ensinaria o prof. Gomes de Matos, Linguista da Paz.

 

  Peritos em protestos eficazes usam de mineirice: em voz baixa, sem ataques nem ironias, avançam, com jeito, até conseguir seu intento. Também artífices da indignação produtiva são: os seguidores da estratégia ghandiana – a resistência pacífica; os reclamantes que insistem sem perder a calma, até vencer pelo cansaço e pela argumentação equilibrada; e certos dirigentes tarimbados de entidades como a Associação dos Moradores do Pina, Boa Viagem e Setúbal, que apontam erros e propõem soluções.

 

Indignar-se é sinônimo de revoltar-se, encolerizar-se. E a cólera é má companheira na solução de problemas. É uma arte apresentar, serenamente, reclamações e boas propostas para consertar o que precisa ser consertado, sem inimizar os responsáveis pelo malfeito ou omissão. Num dos mais antigos e respeitáveis livros de autoajuda - a Bíblia - encontra-se esta dica: “Recolhe-te por alguns instantes até que a indignação passe” (Isaías 26,20). Desse recolhimento virá a luz para agir na medida certa. Só então poderemos lutar, com sabedoria, contra a  injustiça,  vilania ou desmantelo que nos indignou. (Diário de Pernambuco,13/02/2011, p.A9)

 

Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos

 

 
 

Jornalismo com ética e solidariedade.