Theresa Catharina de Góes Campos

 
 
CHUVA

 

É pouco o que acontece de novo, enquanto se desenrola o inesperado e inusitado encontro de dois seres solitários nas alagadas ruas de Buenos Aires, em Chuva, de Paula Hernández, premiada pela melhor direção no Festival de Heidelbelg (2008), na Alemanha. Desde os instantes iniciais, percebe-se que, sob o mesmo argumento, vários outros filmes já foram vistos.

 

A diferença que marca o trabalho de Hernández – também autora do roteiro – se observa principalmente na hábil utilização da imagem para definir as características das personagens, particularmente as de Alma (Valeria Bertuccelli), que, ainda sob o impacto da ruptura de uma longa relação amorosa, decide morar no próprio carro.

 

Em vista disso, nas primeiras sequências, sob muita chuva, Alma entra num supermercado para comprar produtos de higiene e utilizar o banheiro. Aos poucos, pelo procedimento subjetivo da narrativa, por meio da composição de planos, a ansiedade da personagem começa a aflorar. Ela sai do carro para comprar cigarro.

 

Num engarrafamento, Alma é surpreendida, quando um indivíduo, Roberto (Ernesto Alterio), entra abruptamente no carro, pedindo-lhe que não se apavore, pois nada de mal lhe vai acontecer. Refeita do espanto, ela observa que ele está muito tenso e exibe um corte na mão direita. Oferece-lhe então água quente da garrafa térmica e um sabonete para lavar o ferimento a fim de evitar que infeccione.

 

Embora Roberto não esteja disposto a revelar o que lhe aconteceu, ele se identifica como um engenheiro que vive em Madri, ausente da Argentina há mais de trinta anos. Da conversa corriqueira que mantêm enquanto a chuva continua a cair torrencialmente, emerge o conhecimento dela de que ele é casado, tem uma filha e acaba de perder o pai, um músico, que vivia sozinho, em Buenos Aires, sem ter qualquer contato com a família.

 

O jogo de sedução entre ambos prossegue – depois que ela o deixa no hotel, vai a uma festa na casa de uma amiga e, na manhã seguinte, o procura para tomarem café -, tendo como constantes bátegas de chuva sobre o pára-brisa do carro que, na verdade funcionam como metáfora de uma cortina que os protagonistas querem fazer descer, como no palco, sobre as figuras – ele, o pai; ela, o amante – que despacharam de suas vidas.

 

Sobre essa expressividade da chuva, no trabalho de Hernández, vale a pena observar a qualidade da fotografia de Guillermo Nieto – premiado em Gramado -, que, por sua tonalidade, confere sentido plástico aos universos pessoais de Alma e de Roberto, que se querem comunicar, mesmo que seja por momentos fortuitos. Outro elemento importante para a sustentação da narrativa é a trilha sonora de Sebastián Escofet, tão apropriada que, embora de natureza não-jazzística, faz lembrar, em termos de funcionalidade, a de Collateral, de Michael Mann.

 

Os atores estão irrepreensíveis. Como Alma, Valeria Bertuccelli expõe, com muito preparo técnico, a fragilidade em que se encontra a sua personagem, sentindo-se inferiorizada por não ter lugar na “ felicidade familiar”, que Roberto lhe quer fazer crer que ele vive em Madri. Ernesto Alterio, por sua vez, sabe demonstrar, com discrição, a dualidade de sentimentos que leva Roberto a ser, ao mesmo tempo, pragmático e sonhador. Ou também sedutor.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
CHUVA
LLUVIA

Argentina (2008)
Duração – 110 minutos
Direção – Paula Hernández
Roteiro – Paula Hernández
Produção – Juan Vera, Juan Pablo Galli e Alejandro Cacetta
Fotografia – Guillermo Nieto
Trilha Sonora – Sebastián Escofet
Edição – Rosário Suarez
Elenco – Valeria Bertuccelli (Alma), Ernesto Alterio (Roberto)

 

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