Theresa Catharina de Góes Campos

 

VINCERE

O que Marco Belocchio – um dos mais eminentes cineastas italianos da atualidade – deseja mostrar em Vincere é que Benito Mussolini (Filippo Timi), ditador fascista da Itália, na primeira metade do século passado, deu início à sua liderança política à custa do sacrifício de sua primeira mulher, Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), internada, num hospício, por ordem sua, para morrer como louca.

Com base nas cartas deixadas por Dalser, Bellocchio e Daniela Caseli escreveram um roteiro nada objetivo, que comporta vários tipos de leitura, principalmente no que diz respeito à fixação da multifacetada personalidade de Mussolini. Na primeira fase, ele se mostra aos olhos dela como um verdadeiro sedutor. Militante do partido socialista, ele é ateu e tem ideias efervescentes na cabeça, abeberadas em Nietzsche e Maquiavel.

Nessa fase, Mussolini participa de passeatas, de conflitos de rua e de palestras em que procura provar, ao espanto de seus ouvintes, entre outras coisas, que Deus não existe. Fascinada pelo espírito idealista, livre e revolucionário daquele macho vigoroso que ela conhecera num canto de praça, em Milão, durante a fuga de uma perseguição policial, Dalser decide vender tudo o que tem para apurar dinheiro a fim de financiar, para ele, o jornal Il Popolo di Italia, que seria o núcleo do Partido Fascista.

Eclode a Primeira Guerra Mundial, Mussolini se alista no exército e não mais dá notícias a Dalser, que já tivera dele um filho, Benito Albino. Quando, em 1917, ele é convidado de honra da Mostra Futurista, os dois se reencontram. Ele, porém, a rejeita, pois já está casado com Rachele Guidi (Michela Cescon ), com quem tem vários filhos. A partir de então, sem deixar perder o tom operístico da narrativa, Bellocchio faz a transposição da imagem subjetiva (a da personagem) para a pessoal (a sua, como autor) a fim de registrar os acontecimentos políticos ocorridos sob a tutela do ditador, como a reaproximação dele com a Igreja Católica.

Por meio da diversidade de linguagem – que pode ter dado causa ao fato de a película não haver conquistado nenhum dos grandes prêmios a que se candidatou -, o cineasta de De Punhos Cerrados procura compor o real, de forma direta, por uma exorbitância de imagens de arquivo, para focalizar a figura de Il Duce, o todo poderoso dono da nação e, reconstituída, no que tange às desventuras de Dalser, que continua a insistir, sem poder provar, ser sua primeira esposa e mãe de seu primeiro filho, criado num asilo. Assim, o distanciamento que Bellocchio cria, de ordem formal, entre os dois protagonistas, elimina por completo as relações, entre ambos, de sentido psicológico, que deveriam ter sido exploradas de maneira mais detalhada pela direção.

Tal seria o caso, por exemplo, do raciocínio lógico, a que se poderia chegar sobre o motivo que teria levado o pragmático Mussolini a não querer mais se relacionar com Dalser: ela era uma mulher culta, inteligente, avançada para a época, que lhe tomava muito espaço em sua atividade política. Ele preferiu ficar com Rachele, que correspondia mais ao padrão da mulher italiana da década de vinte, ignorante, vinda do meio rural, submissa e sem ambição. Nada disso, entretanto, fica suficientemente explícito – se o fosse, ganharia mais realce a ideia do título de “vitória” de Dalser -, em virtude da arbitrária supressão de Mussolini na parte reconstituída da história. Para tentar suprir o vazio, Bellocchio usa Filippo Timi como intérprete de Benito Albino, já adulto, um joão-ninguém, a imitar o pai famoso, numa cena grosseira e pouco convincente. Menos convincente é ainda - e demagógica também - a reação popular que se esboça em defesa de Dalser, quando ela, tendo fugido do hospício, para lá é levada novamente após ser localizada na casa de sua família.

As emoções artísticas que se sentem durante a ação se devem mais ao trabalho dos dois atores – Giovanna Mezzogiorno e Filippo Timi -, que representam, com muita intuição, os papéis de Ida Dalser e de Benito Mussolini. Mezzogiorno principalmente está esplêndida, usando sua força interior para atingir a alma da personagem, esmagada pela alternância de paixão e de ódio que sente pelo ditador. Nada é exagerado em sua composição. Há sempre um propósito em cada um de seus movimentos em cena. Graças a ela o filme não despenca de vez. Quanto a Timi, é lamentável, como já ficou dito, que o roteiro faça desaparecer sua personagem na segunda parte. O ator tem, entretanto, na primeira fase, oportunidade de mostrar um trabalho de muita envergadura profissional.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

VINCERE

França, Itália (2009)
Duração – 128 minutos
Direção – Marco Bellocchio
Roteiro – Marco Bellocchio e Daniela Caseli
Produção – Instituto Luce, Eurimages, Rai Cinema, Província Autônoma de Trento
Fotografia – Daniele Cipri
Trilha Sonora – Ricardo Giagni
Edição – Francesca Cavelli

Elenco – Giovanna Mezzogiorno (Ida Dalser), Filippo Timi (Benito Musolini/Benito Albino), Fausto Russo Alessi (Ricardo Paicher), Michela Cescon (Rachele Guidi), Píer Giorgio Bellocchio (Pietro Fedele), Paolo Pierobon (Giulio Bernardi).

 

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