Theresa Catharina de Góes Campos

 
CONTÁGIO DO BEM
 
Tereza Halliday – Artesã de Textos
 
Sete horas da noite, chuva por todo lado, tomo um táxi à porta do shopping center. Prefiro o assento dianteiro, à direita do motorista - mais confortável e com melhor visão da paisagem. Nas ruas encharcadas, o papo inicial só podia ser alagamentos, buracos e falta de prevenção dos efeitos desastrosos das certeiras chuvas anuais, desmantelo de muitas décadas. Expliquei por que não estava eu mesma dirigindo, vítima que fora de um buraco para pedestres, que resultou em fratura do pulso e longo período de fisioterapia. Nada extraordinário entre usuários das calçadas da cidade.
 
De repente, o motorista sorri e informa: “Estou felicíssimo!” .Saturada de desabafos e imprecações de cidadãos insatisfeitos e abufelados, assombrei-me. Ele prosseguiu, exultante: “Voltei a trabalhar!”. Aposentara-se depois de 30 anos numa empresa e passou algum tempo a zanzar, desconsolado, dentro de casa, “atrapalhando a patroa”.Resolveu ser taxista. “Faz dez anos que deixei de fumar, doze que deixei de beber. Meu vício é dançar”. Citou lugares que frequenta com a mulher, a fim de curtir um arrasta-pé. Dançam de tudo.
 
Passamos a falar das festas juninas. Dentro do clima, relembrei: já dancei muita quadrilha. Sorriu satisfeito. Seus sorrisos eram luminosos na penumbra do táxi. “Se a corrida fosse maior, eu ia mostrar pra senhora uma preciosidade”: certa gravação rara de Dominguinhos. No rádio, baixinho como eu gosto, nada menos que uma trilha sonora do velho Gonzagão: Olha pro céu, meu amor, Forró de Mané Vito, Xóte das Meninas; Luiz, respeita Januário, Açum Preto, Olha a palha do coqueiro quando o vento dá... Deu saudade.
 
Seu gosto por dança chega ao ponto de ter ido levar um passageiro até o forró Sala de Reboco e ter ficado por lá mesmo, para aproveitar o embalo. Toda semana comparece a uma dancinha. “Minha mulher é animada que nem eu”. Idade: 65 anos. Espera viver muito tempo ainda. Dei corda: sem fumar, sem beber e sem parar de dançar, o senhor chegará aos cem anos. Desci do táxi ainda sorrindo, de bem com a vida, contagiada.
 
Há assuntos importantíssimos que leitores sugerem para tema de artigo. Vão para a Pasta de Ideias à espera de que algo clique na alma e o tema dê samba, aliás, texto. Aí me chega um pé-de-valsa, entrado na terceira idade, contentíssimo da vida e, no tempo de uma curta bandeirada de taxímetro, o mote clicou na hora, para preencher este espaço.
(Diário de Pernambuco, 06/06/2011, p.A11).
 

Jornalismo com ética e solidariedade.