Theresa Catharina de Góes Campos

  HOMILIAS para AGOSTO 2011

De: LMAIKOL
Data: 13 de julho de 2011 17:39
Assunto: Reflexões Homiléticas para Agosto 2011
Reflexões Homiléticas para Agosto de 2011


Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br

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DÉCIMO NONO DOMINGO COMUM (07.08.11)

Mt 14, 22-33

“Coragem! Sou eu! Não tenham Medo!”

É comum ler nos jornais e revistas os resultados de
pesquisas que apontam o medo e a insegurança entre as principais
preocupações do nosso povo, especialmente nas cidades - o medo da
violência, do desemprego, da pobreza, da solidão, da velhice e muitos
outros. O medo parece até tomar conta de uma boa parte de nossas
instituições - o medo de tomar as medidas necessárias para justas
reformas - agrária, política e econômica - por parte das autoridades
competentes; o medo de muitos líderes religiosos diante dos desafios
do mundo da pós-modernidade, pluralista e globalizada, levando até à
paralisia e ao fechamento; o medo de procurar novas soluções para
novos desafios. O medo parece ser a força motora da atividade - ou da
falta da mesma - de muitas pessoas, grupos e instituições.

A comunidade eclesial onde nasceu o Evangelho de Mateus
também sentia medo. Os seus membros (na sua maioria judeu-cristãos,
bem diferente etnicamente e de tradição religiosa, das comunidades
lucanas) enfrentavam oposição e perseguição por parte das autoridades
das sinagogas. A comunidade estava em luta com o chamado “judaísmo
formativo”, para definir o rumo que o judaísmo tomaria depois do
desastre de 70 d.C. quando foram destruídos Jerusalém e o Templo. Com
a eliminação, pela repressão romana ou por guerra civil, dos Saduceus,
dos Zelotas e dos Essênios, somente dois grupos organizados
sobreviveram para disputar a hegemonia dentro do judaísmo - o grupo de
cunho farisaico e o grupo judeu-cristão, representado pela comunidade
de Mateus. Era uma luta de muita radicalidade, como costuma acontecer
nas brigas fratricidas. O sofrimento da comunidade de Mateus é
retratado em Mt 10, 22: “Sereis odiados por todos por causa do meu
nome. Mas quem perseverar até o fim será salvo”.

É neste contexto que se entende o texto de hoje. Os
discípulos, ao verem Jesus, acham que é um fantasma e ficam
apavorados. A comunidade de Mateus era semelhante - diante da
perseguição e do sofrimento, Jesus parecia para eles um fantasma - uma
ilusão, uma fugacidade, incapaz de dar sustento à sua vida comunitária
de fé, no contexto da perseguição. Diante do medo dos discípulos,
Jesus é taxativo: “Coragem! Não tenham medo! Sou eu!” Mateus relata
essa história - acrescentando esses elementos em comparação com o
texto mais sóbrio de João 6, 16-21 - para ajudar a sua comunidade a
entender que Jesus não é um fantasma, mas uma presença real,
vivificante, fortalecedora e libertadora no meio da comunidade,
especialmente na hora das dificuldades e perseguições.

Tipicamente, o Evangelho de Mateus destaca a figura de
Pedro (como também em 16,13-20; 17, 24-27). Pedro era personagem muito
importante em Antioquia, talvez o local da última redação de Mateus.
Aqui Pedro é o protótipo do discípulo - cheio de amor, mas com uma fé
enfraquecida pela dúvida. O estender da mão de Jesus é um convite a
Pedro, à comunidade de Mateus, e a nós hoje para dar uns passos para o
desconhecido, para não nos fechar nas nossas seguranças,
frequentemente falsas, que nós mesmos construímos; mas, de ter a
coragem de enfrentar os ventos da vida, mesmo quando contrários, pois
Jesus está realmente conosco, e como disse Paulo “Se Deus está
conosco, quem estará contra nós?” (Rm 8, 31).

Ter fé e não ter medo por causa de Jesus não quer dizer:
“Não tenham medo, confiem em Deus, e Ele garantirá que as coisas que
os amedrontam não lhes acontecerão”, mas antes: “Não tenham medo,
confiem em Deus. É bem possível que as coisas que os amedrontam vão
lhes acontecer, mas não devem ter medo disso, porque Deus estará ao
seu lado”!

A fé em Deus não tira os nossos sofrimentos e dificuldades, como
querem tantos hoje, mas nos dá as forças necessárias para vencê-los.
Deus não é um analgésico para as dores e dificuldades da vida, mas uma
presença amorosa que anima, fortalece e estimula, pois, como disse
Paulo “a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1, 25)



Vigésimo Domingo Comum (14.08.11)

Mt 15, 21-28

“Mulher, que fé tão grande tu tens”



As comunidades de Mateus, semelhantes às nossas de hoje,
viviam certas tensões provenientes das diferentes tendências
teológicas e pastorais no seu meio. Uma das tensões - que aliás causou
muita dificuldade na Igreja primitiva, como Atos e as Cartas Paulinas
testemunham - se referia à questão da integração de judeus e pagãos
nas comunidades cristãs, em pé da igualdade. É esta tensão interna que
está subjacente à história relatada pelo texto de hoje.

Os versículos anteriores (15,1-20) versaram sobre a questão do puro e
impuro, especialmente em referência aos alimentos. Mas, entre as
pessoas também havia classificação de puro e impuro - uma distinção
trazida para dentro da comunidade mateana pelos convertidos
provenientes da formação farisaica. Os judeus não podiam comer com os
pagãos para não se contaminar. Jesus veio abolir tal distinção,
tornando acessível a qualquer um o dom de Deus, pela fé na sua pessoa.
Que esse princípio foi muito difícil para os judeu-cristãos aceitarem
é bem ilustrado pela controvérsia que levou ao Concílio de Jerusalém
(At 15) e pela polêmica entre Paulo e Pedro na Igreja de Antioquia -
talvez o berço da última redação de Mateus - como relatado em Gl
2,11-14.

O local do relato é a região de Tiro e Sidônia - o atual Líbano. Jesus
é confrontado por uma mulher desesperada por causa da doença da sua
filha (“atormentada por um demônio”, na visão da época). Ela é uma
pessoa duplamente marginalizada - por ser mulher sozinha num mundo
machista e patriarcal e por ser pagã, considerada irreversivelmente
impura pelos judeus. Em um primeiro momento Jesus a ignora e nem
responde. Alguns autores, em uma tentativa de suavizar essa atitude do
Senhor, dizem que Ele estava testando a fé dela. Parece que o próprio
texto dá outra explicação - Jesus, nestas alturas, considera a sua
missão como sendo somente aos judeus, para restaurar a Aliança
quebrada. O diálogo parece-nos até chocante pelo termo que Jesus usa
para descrever as pessoas de origem pagã - “cachorrinhos”. Mas a
mulher usa este termo como gancho para reivindicar a sua atenção - e
acaba mudando a visão de Jesus. Diante da sua insistência, motivada
pela sua fé, Ele lhe dá um louvor que ninguém mais recebe em Mateus -
o de ter “grande fé”.

Este trecho nos traz uma grande surpresa - Jesus aprofunda o sentido
da sua missão através do contato com uma mulher pagã - uma pessoa
duplamente rejeitada e desprezada nas tradições da religião e cultura
dela. Jesus só deseja ouvir a voz do Pai - e aqui o Pai lhe fala
através da cananéia! Que lição para nós! Quantas vezes ficamos surdos
diante da voz do Pai porque nos fechamos diante de pessoas
consideradas pela sociedade vigente, ou pelo legalismo religioso, como
indignas, impuras, ou desprezíveis! O Pai normalmente não nos fala por
grandes revelações extraordinárias, mas através dos eventos, das
pessoas e dos relacionamentos do nosso dia-a-dia; mas, a surdez de
espírito nos torna indiferentes a esta revelação diária!

Surpreende o entusiasmo com que Jesus louva a mulher:
“Mulher, que fé tão grande ti tens!”. Em que consistia essa fé?
Certamente não em uma adesão aos dogmas do Judaísmo, da religião de
Jesus, pois ela era gentia, ou pagã. Muito mais consistia na certeza
de que Deus atende os gritos dos excluídos e sofridos desse mundo, que
Deus é o Deus da vida e da vida plena para todos/as (Jo 10, 10).

Nós temos o privilégio de termos essa verdade revelada em Jesus; mas,
embora adiramos aos dogmas e catecismos, cumpre-nos questionarmos se
realmente acreditamos na ação libertadora de Deus em favor dos
oprimidos. Ou, continuamos criando barreiras de “puros” e “impuros” na
sociedade e na Igreja de hoje? Que esse texto nos ajude para que
estejamos alertas aos sinais dos tempos, para ouvirmos a voz do Deus
vivo nos falando no dia-a-dia das nossas vidas e que tenhamos a
coragem de mudar as nossas estruturas mentais, tantas vezes
condicionadas por preconceitos raciais, de gênero ou de religião,
seguindo o exemplo revelador de Jesus.



Festa da Assunção de Maria (21.08.2011)

Lc 1, 39-56

“Olhou para a humilhação da sua Serva”



Pode-se dividir este texto em duas partes - a história da
visitação de Maria à Isabel; e, o “Canto de Maria” ou “Magnificat”.
Reduzir o sentido da Visitação a um simples gesto serviçal da parte de
Maria para com a sua parente idosa, seria empobrecer muito o
pensamento de Lucas. Esta cena é altamente simbólica - Lucas quer
mostrar o acolhimento do “Novo” (representado por Maria e Jesus) por
parte do “Antigo” (representado por Isabel e João). Isabel, símbolo de
todos os justos da Antiga Aliança, inspirada pelo Espírito Santo,
proclama Maria “bendita entre as mulheres”, usando uma frase aplicada
no Antigo Testamento para duas mulheres lutadoras, que ajudaram na
libertação do seu povo, Jael (Jz 5, 24) e Judite (Jt 13, 18). Assim,
apresenta Maria como mulher corajosa, que, animada pela fé em Javé
libertador, colabora na luta pelo mundo que Deus quer. Esse mundo, a
chegada do Reino de Deus, já é inaugurado com a chegada do seu Filho:
“Bendito o fruto do seu ventre”. Neste trecho é importante destacar o
motivo pelo qual Maria é bem-aventurada: “Feliz aquela que acreditou”.
Para Lucas, Maria é bendita não pelo simples fato da maternidade, mas
porque ela é o modelo da fé. Ela acreditou na promessa do Senhor - não
somente a promessa da gravidez, mas o projeto de Deus, desde Abraão,
de dar ao seu povo a terra, a descendência e a bênção. Enfim, a
promessa da realização do projeto do Reino.

O Magnificat, que Lucas põe na boca da Maria, é uma
composição literária magistral, inspirada no Canto da Ana (1Sm 2,
1-10) e outros trechos do Antigo Testamento. Expressa a
espiritualidade dos “Pobres de Javé”, os deserdados dessa terra, que
apesar de tudo acreditavam no projeto libertador do Deus da vida e na
chegada de uma sociedade justa. Maria exulta, pois experimentou que
Deus olhou para a sua pequenez e humilhação (não “humildade”!). Ela
celebra a mudança radical que o Reino traz - os poderosos, soberbos e
ricaços serão derrubados e os pobres, humilhados e famintos, serão
erguidos.

Esse retrato da Maria contrasta muito com a personalidade
passiva e pálida que muitas vezes inventamos para Ela. A Maria de
Lucas é uma figura pobre e humilhada, mas forte e batalhadora, como
tantas mulheres das nossas comunidades hoje. Diante das forças
opressoras do seu tempo (o abuso do poder religioso e econômico, o
machismo, o racismo) ela canta a experiência do Deus libertador, do
Deus da vida, do Deus que se encarna no meio dos oprimidos. Essa Maria
nos desafia para que nos unamos na luta pela construção do Reino, sem
pobres e ricaços, humilhados e soberbos, dominados e dominadores. No
nosso mundo, pelo menos tão opressor quanto naquela época, esse texto
questiona as nossas opções reais da vida. Seremos bem-aventurados na
medida em que nós acreditarmos e nos empenharmos na construção de um
mundo mais fraterno, justo e igualitário, conforme a vontade e o
projeto de Deus, celebrado por Maria no Canto do Magnificat e
demonstrado na pessoa e missão do seu Filho Jesus.



Vigésimo Segundo Domingo Comum (28.08.11)

Mt 16,21-27

“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!”



O nosso texto de hoje, na verdade, é uma continuação do Evangelho
proclamado na Festa Litúrgica de São Pedro e São Paulo e, para que
entendamos o texto mateano na sua integridade, torna-se necessário
completar a leitura do Evangelho da Festa com o texto de hoje. Pois,
ele mostra que, embora Pedro tivesse usado os termos certos para
descrever quem era Jesus, ele os entendia de modo errado. Para Jesus,
ser o Cristo significava assumir a missão do Servo de Javé, descrito
pelo profeta Segundo-Isaías, nos Cantos do Servo de Javé (Is 42, 1-9;
49, 1-9ª; 50, 4-11; 52, 13-53). Jesus deixa claro que ser o Cristo não
significava triunfo nos termos desse mundo, mas o contrário: “O Filho
do Homem deve sofrer muito ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes
dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar no
terceiro dia”.

Essa visão que Jesus tinha da missão do Messias, não era comum - em
geral o povo esperava um messias triunfante e glorioso. Mateus nos
mostra que Pedro partilhava essa visão errada, a ponto de tentar
corrigir Jesus, e de ganhar de Jesus uma correção dura: “Fique longe
de mim, Satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos
homens” (Mc 8, 33).

Não basta usar os termos certos - temos que ter o conteúdo certo. A
Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a mulher na sua imagem e
semelhança, mas na verdade muitas vezes nós criamos Deus na nossa
imagem e semelhança, para que Ele não nos incomode. A nossa tendência
é de seguir um messias triunfante e não o Servo Sofredor. Mas, para
Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem que andar nas pegadas do seu
mestre: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia
a sua cruz, e me siga” (Lc 9, 23).

O seguimento de Jesus leva à cruz, pois a vivência das
atitudes e opções d’Ele vai nos colocar em conflito com os poderes
contrários ao Evangelho. Carregar a cruz, não é aguentar qualquer
sofrimento passivamente. Se fosse assim, a religião seria masoquismo!
Carregar a cruz é viver as consequências de uma vida coerente com o
projeto do Pai, manifestado em Jesus. Segui-Lo não é tanto fazer o que
Jesus fazia, mas o que Ele faria se estivesse aqui hoje. E como Ele
foi morto, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem definidos
“os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei” (a elite
dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), os seus
seguidores entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os
mesmos interesses. Por isso, sempre haverá a tentação de criarmos um
Jesus “light”, sem grandes exigências, limitado a religião a uma
religião intimista e individualista, sem consequências sociais,
políticas, econômicas ou ideológicas.

A nossa resposta à pergunta “E você, quem diz que eu sou?” se dá, não
tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é
Jesus para nós, pela nossa maneira de viver, pelas nossas opções
concretas, pela nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da
história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus não exigente, que não
traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma
sociedade mais justa. Pois o Jesus real, o Jesus de Nazaré, o Jesus do
Evangelho, não foi assim, e deixou claro: “Se alguém quer me seguir,
renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem
quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por
causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24)

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Pe. Tomaz Hughes, SVD

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