Theresa Catharina de Góes Campos

  De: aureo Cesar do Valle
Data: 19 de julho de 2011 09:11

UM POUCO DE HISTÓRIA MILITAR

Por que a 148ª Divisão Alemã se entregou somente aos brasileiros na Itália?

Cel.Hiram Reis e Silva

“Foi em abril de 1945. Os alemães tinham retraído da Linha Gótica
depois da nossa vitória em Montese, e provavelmente pretendiam nos
esperar no vale do rio Pó, mais ao Norte. Nosso Esquadrão de
Reconhecimento, comandado pelo Pitaluga, os avistou na Vila de
Collechio, um pouco antes do rio. A pedido do General fui ver
pessoalmente e lá, por ser o mais antigo, coordenei à noite um pequeno
ataque com o esquadrão e um pelotão de infantaria, sem intenção maior
do que avaliar, pela reação, a força do inimigo. Sem defender
efetivamente o local, os alemães passaram para o outro lado do rio e
explodiram a ponte. Então observamos que se tratava de uma tropa muito
maior do que poderíamos ter imaginado. Eram milhares deles e nós
tínhamos atacado com uma dezena de tanques e pouco mais de cinquenta
soldados”.

“Informamos ao comando superior que o inimigo teria lá pelo menos um
regimento. O comando, numa decisão ousada, pegou todos os caminhões da
Artilharia, encheu-os de soldados e os mandou em reforço à pequena
tropa que fazia frente a tantos milhares.” Considerei cumprida a minha
parte e fui jantar com o Coronel Brayner, que comandava a tropa que
chegara” prosseguiu Dionísio. “Durante a frugal refeição de campanha,
apresentaram-se três oficiais alemães com uma bandeira branca, dizendo
que vieram tratar da rendição. Fiquei de intérprete, mas estava
confuso; no início nem sabia bem se eles queriam se entregar ou se
estavam pensando que nós nos entregaríamos, face ao vulto das tropas
deles, que por sinal mantinham um violento fogo para mostrar seu
poderio”.

“Esclarecida a situação, pediram três condições: que conservassem suas
medalhas; que os italianos das tropas deles fossem tratados como
prisioneiros de guerra (normalmente os italianos que acompanhavam os
alemães eram fuzilados pelos comunistas italianos das tropas aliadas)
e que não fossem entregues à guarda dos negros norte-americanos”.

“Esta última exigência merece uma explicação: à primeira vista parece
racismo. Que os alemães são racistas é óbvio, mas por que então eles
se entregaram aos nossos soldados, muitos deles negros? Bem, os negros
americanos naquela época constituíam uma tropa só de soldados negros,
mas comandada por oficiais brancos. Discriminados em sua pátria,
descontavam sua raiva dos brancos nos prisioneiros alemães, aos quais
submetiam a torturas e vinganças brutais. É claro que contra eles os
alemães lutariam até a morte. Não era só uma questão de racismo”.

“Eu perguntei ao intérprete do lado alemão (nos entendíamos em uma
mistura de inglês, italiano e alemão), por que queriam se render, com
tropa muito superior aos nossos efetivos e ocupando uma boa posição do
outro lado do rio. Ele me respondeu que a guerra estava perdida, que
tinham quatrocentos feridos sem atendimento, que estavam gastando os
últimos cartuchos para sustentar o fogo naquele momento e que estavam
morrendo de fome. Queriam aproveitar a oportunidade de se render aos
brasileiros porque sabiam que teriam bom tratamento”.

“Combinada a rendição, cessou o fogo dos dois lados. Na manhã seguinte
vieram as formações marchando garbosamente, cantando a canção ‘velhos
camaradas’, também conhecida no nosso Exército”.

“A cerimônia era tocante” – prosseguiu Dionísio. “Era até mais cordial
do que o final de uma partida de futebol. Podíamos ser inimigos, mas
nos respeitávamos e parecia até haver alguma afeição. Eles vinham
marchando e cada companhia colocava suas armas numa pilha, continuando
em forma, e seu comandante apresentava a tropa ao oficial brasileiro
que lhe destinava um local de estacionamento. Só então os comandantes
alemães se desarmavam. A primeira Unidade combatente a chegar foi o 36
Regimento de Infantaria da 9° Divisão Panzer Grenadier. Seguiram-se
mais de 14 mil homens, na maioria alemães, da 148° Divisão de
Infantaria e da Divisão Bessaglieri Itália que os acompanhava”.

“Entretanto houve um trágico incidente: Um soldado nosso, num impulso
de momento, não se conteve e arrancou a Cruz de Ferro do peito de um
sargento alemão. O sargento, sem olhar para o soldado, pediu licença a
seu comandante para sair de forma, pegou uma metralhadora em uma pilha
de armas a seu lado e atirou no peito do brasileiro, largou a arma na
pilha e entrou novamente em forma antes que todos se refizessem da
surpresa. Por um momento ninguém sabia o que fazer. Já vários dos
nossos empunhavam suas armas quando o oficial alemão sacou da sua e
atirou na cabeça do seu sargento, que esperou o tiro em forma, olhando
firme para frente. Um frio percorreu a espinha de todos, mas foi a
melhor solução” - concluiu Dionísio.

Ao ouvir esta história, eu já tinha mais de dez anos de serviço, mas
não pude deixar de me emocionar. Não foram as tragédias nem as
atitudes altivas o que mais me impressionaram. O que mais me marcou
foi o bom coração de nossa gente, a magnanimidade e a bondade de
sentimentos, coisas capazes de serem reconhecidas até pelo inimigo.
Capazes não só de poupar vidas como também de facilitar a vitória. É
claro que isto só foi possível porque os alemães estavam em situação
crítica; noutro caso, ninguém se entregará só porque o inimigo é
bonzinho, mas que a crueldade pode fazer o inimigo resistir até a
morte, isto também é real. Na História Pátria podemos ver como Caxias,
agindo com bondade, só pacificou, e como Moreira César, com sua
crueldade, só incentivou a resistência até a morte em Canudos.

O General Dionísio e o intérprete alemão – Major Kludge, se tornaram
amigos e se corresponderam até a morte do primeiro, no início dos anos
90. O General Mark Clark, comandante do 5° Exército norte-americano,
ao qual a FEB estava incorporada, disse que foi um magnífico final de
uma ação magnífica. Dionísio disse apenas que a história real é ainda
mais bonita do que se fosse somente um grande feito militar."
 

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