Theresa Catharina de Góes Campos

  Incinerador de lixo em São Bernardo do Campo

Blog lamparina Urbana - 23 de julho de 2011 - Por Valderez Coimbra

Alvo de protesto por parte de catadores de materiais recicláveis e ambientalistas, o projeto do prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho de implantar um incinerador de resíduos em área do Alvarenga agora está sendo contestado judicialmente. Ação popular, assinada por duas catadoras de materiais recicláveis, foi encaminhada ao Fórum do município na manhã desta quinta-feira (21/07) como parte da mobilização da categoria contra a proposta do chefe do Executivo. A manifestação, que contou com a participações de catadores e integrantes de cooperativas do segmento no Grande ABC e da Capital, partiu da Praça da Matriz com destino ao Paço e foi apoiada por representantes de entidades ambientais, técnicos e estudantes, que alertam para as conseqüências ambientais e sociais do projeto. Considerada de alto custo e classificada como alternativa poluidora e danosa ao meio ambiente, a iniciativa também é criticada por comprometer o futuro do segmento de trabalhadores que há cerca de 50 anos sobrevive da coleta e venda de materiais recicláveis.

Com o objetivo de barrar a implantação do incinerador, a ação judicial tem como autoras as catadoras Francisca Maria Lima Araújo, integrante da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis do Bairro Assunção – Refazendo, de São Bernardo, e Maria Mônica da Silva, representante da Associação Pacto Ambiental de Diadema. O ambientalista Virgílio Alcides de Farias, presidente do Movimento em Defesa da Vida (MDV) do ABC, advogado que representa as catadoras, explicou que a ação pede a suspensão do edital de licitação do projeto e também cita como rés as prefeituras de São Bernardo e Diadema. Isto porque, conforme informou, os dois municípios já constam como réus em processo que estabelece a responsabilidade de ambos na recuperação da área onde funcionou o lixão do Alvarenga, a mesma que está sendo indicada para abrigar o incinerador. Lembrando que a remediação dos danos no local ainda não aconteceu, a conclusão do advogado é de que a intenção das prefeituras é “transferir uma responsabilidade que é delas para a empresa que ganhar a licitação”.

Virgílio de Farias também sustenta que o projeto proposto pelo prefeito Luiz Marinho afronta a legislação, já que prevê a implantação do incinerador “às margens da Represa Billings”. “A lei da Billings proíbe indústrias poluentes, metais pesados, dioxinas de furanos, particulados e ultrafinos que não podem ser filtrados”, observa o advogado, lembrando ser o caso do incinerador, cujas atividades devem resultar em emissões dos denominados POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes). “É (o incinerador) uma indústria altamente poluidora e condenada também pela Convenção de Estocolmo, da qual o Brasil é signatário”, cita Farias.

“Trabalho Público” - O advogado considera ainda que a política de incineradores contraria também a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que “privilegia o trabalho dos catadores como atividade ambientalmente sustentável e que o Brasil todo tem que adotar”. O entendimento é de que esses trabalhadores têm um papel social e econômico na relação com os resíduos. “Os catadores contribuem para tirar o lixo das ruas, dos córregos, dos mananciais. E ainda fazem com que o trabalho seja público. Cada tonelada de resíduo que o catador tira das ruas, representa menos gastos da prefeitura com a destinação final do lixo”.

O edital de licitação do incinerador, segundo informa Farias, prevê que o empreendimento todo custará R$ 3,6 bilhões, não incluindo desapropriações e obras correlatas, como adaptações no sistema viário. Segundo informações da Prefeitura de São Bernardo, somente o incinerador deve custar entre R$ 450 milhões e R$ 600 milhões.

Ainda segundo Farias, a ação popular também visa impedir que a CETESB licencie as obras do incinerador, cujo projeto já se encontra em análise no órgão estadual.

Catadores e técnicos alertam para prejuízos ambientais e econômicos do sistema de incineradores

Co-autora da ação popular contra a implantação do incinerador em São Bernardo do Campo, Maria Mônica da Silva, representante da Associação Pacto Ambiental de Diadema reprova o projeto por desperdiçar recursos naturais ao “queimar matérias-primas” que podem “voltar à cadeia produtiva”. “Além disso, o incinerador queima também postos de trabalho”, protesta ela, que, aos 38 anos, lembra que desde que se “entende por gente”, ganha a vida como catadora. Além de não concordar com os incineradores como alternativas ambientalmente corretas para a questão dos resíduos, teme pelo destino dos catadores. “Queremos o catador interagindo com a população. O direito do catador de estar nas ruas ninguém pode tirar. Quem descobriu o lixo fomos nós; quem descobriu que isso gera renda fomos nós”, defende.

Para a professora canadense, Yuta Gutberlet, coordenadora do programa de Coleta Seletiva Brasil-Canada, também critica os processos de incineração, que, para ela, são “um beco sem saída” por conta dos danos ambientais que ocasionam, produzindo “dioxinas que são altamente tóxicas e cancerígenas”. Ela defende um manejo sócioambientalmente sustentável para o lixo. “Não queremos o desperdício de recursos e de gente. A coleta seletiva é uma forma maravilhosa de gerar inclusão. Isso beneficia o município porque gera renda local, engrossa a economia local”, pondera.

Por sua vez, Elisabeth Grimberg, representante do Insituto Polis e do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo disse ser contra os incineradores por “questão de saúde pública”. Alertou que os gases resultantes dessas atividades podem ser responsáveis por câncer e problemas fetais. “Empresas dizem que esses gases ficam confinados nas cinzas. Não é verdade. Esses gases têm remissões e se acumulam na atmosfera, porque são biocumulativos”. Também ela defende as atividades dos catadores. “Com esse trabalho é possível não se enterrar 95% dos resíduos”, disse ela, contando que 900 municípios que já realizam a coleta seletiva “Dizemos não aos incineradores também porque do ponto de vista econômico é um absurdo a quantidade de recursos públicos que vai se investir durante décadas e décadas para queimar resíduos que ainda têm um ciclo de vida útil para cumprir”, finalizou Elisabeth.

Prefeitura aguarda pronunciamento da Justiça

A Prefeitura de São Bernardo do Campo informou, por meio de nota de sua assessoria de imprensa, que agurada notificação da Justiça para se pronunciar sobre o caso da ação popular impetrada pelas catadoras contra a implantação do incinerador. Quanto ao projeto ao projeto propriamente dito, a informação é de que a iniciativa faz parte de um Sistema Integrado de Manejo e Gestão de Resíduos, cuja implantação aguarda o desfecho de processo de licitação para concessão da obra. A proposta é que a empresa vencedora ofereça serviços de limpeza urbana, implantação de programa de coleta seletiva e de gestão de resíduos de construção civil, além de implementar e operar o Sistema de Processamento e Aproveitamento de Resíduos e Unidade de Recuperação de Energia (SPAR-URE-SBC). O empreendimento, segundo a prefeitura, será instalado em uma área de cerca de 300 mil metros quadrados no antigo Lixão do Alvarenga. A nota da assessoria admite que o local representa passivo ambiental ainda pendente no município, mas não adianta detalhes sobre a recuperação.

Ainda segundo a assessoria, o projeto se dará por meio de uma PPP (Parceria Público Privada) com investimento estimado entre R$ 450 milhões e R$ 600 milhões. O incinerador terá capacidade para gerar de 26 a 30 mwh de energia, o que seria suficiente para a iluminação de todas as ruas e prédios públicos da cidade ou iluminar uma cidade de 200 mil habitantes, conforme previsões da prefeitura. A administração municipal admite também a possibilidade de “receber lixo, sim, de outras cidades”, mas afirma que ” isto ainda não está definindo”.

Quando indagado sobre o tratamento a ser dado pela prefeitura aos catadores, a reposta é evasiva: “o Sistema integrado de manejo e gestão de resíduos prevê a ampliação da coleta seletiva que hoje não chega a 1% para 10% até 2017, aumentando significativamente o número de trabalhadores nesta área”, diz a nota da assessoria.

Posicionamento de Diadema – Também procurada pelo Blog Lamparina Urbana, a Prefeitura de Diadema pronunciou-se também por meio de sua assessoria de imprensa, infomando que o município e o vizinho São Bernardo firmaram um convênio para realização de estudos e definição de projeto de recuperação ambiental do antigo Lixão da Alvarenga, que tem 0,03% de sua área em território de Diadema. Ainda segundo a assessoria, concluído o estudo por uma empresa contratada, o diagnóstico foi transformado em relatório, que seguiu os procedimentos para Gerenciamento de Áreas Contaminadas previstas pela CETESB.

Diz a assesoria que o “Plano de Recuperação Ambiental do Antigo Lixão do Alvarenga”, inclui medidas que visam recuperar e impedir os riscos. A proposta é garantir o isolamento dos resíduos, além de sistemas de controle, drenagem e tratamento de gases, líquidos percolados/chorume e águas superficiais. O plano prevê ainda a criação de um parque linear abrangendo a totalidade da área do lixão, de aproximadamente 300.000 m².

Referência no segmento de reciclagem, Diadema desenvolve programa de Coleta Seletiva desde 2002. denominado “Vida Limpa”. Política que já rendeu ao município o “Selo Amigo do Catador” na categoria “Prefeitura Amiga do Catador”, conferido pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Segundo informou a assessoria, “a premiação é graças à iniciativa em ser o primeiro município a remunerar os catadores pela tonelada de material coletado”.

No desenvolvimento do projeto, a Prefeitura de Diadema conta com parceria com Unisol, Uniforja, Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Instituto GEA, governo federal e Projeto Coleta Seletiva Brasil-Canadá. Além de cerder espaço para o desenvolvmento dos trabalhos, o município garante a infraestrutura e manutenção do local.
 

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