Theresa Catharina de Góes Campos

  "VISITAR VOVÔ? É COMPLICADO.”

Tereza Halliday – Artesã de Textos

O avô não usa redes sociais, prefere a rede na varanda, onde o
beija-flor vem visitá-lo de olho na água oferecida junto às flores.
Houve tempo em que a avó atraía os netos pequenos com sorvete e
biscoitos feitos em casa. Exigia apenas que lavassem as mãos antes de
comer. Foi-se a avó, foram-se os biscoitos. Mas o avô ficou e
costumava convidar para uma partida de dominó.

O avô dava carona de moto no tempo em que era um idoso sarado.
Cumplicidade, sem o conhecimento da mãe, que desmaiaria só de pensar
no perigo do passeio. O avô ensinou a pescar, levou ao estádio de
futebol, mostrou como se corta laranja para chupá-la sem precisar
descascar, deu dicas para os deveres de casa. Nunca esquecia de pôr
“um agrado” sub-repticiamente no bolso dos netos, grande incremento à
mesada apertada. Hoje, esquece quase tudo. Nas reuniões de família,
pergunta: “Quem é você?” “Ah, Marquinhos...” repete, sorrindo, o nome
do neto. E pede esclarecimentos: “Você é filho(a) de quem?”. Pergunta
as mesmas coisas: “Quantos anos você tem? Está em qual série? Tem
namorada (o)?”.

O avô se refere a um lugar estranho e distante chamado Passado. Lá
moram as mesmas pessoas de sempre, cujos nomes os netos estão
saturados de ouvir. Conversar com ele, agora, não leva a lugar algum.
E é constrangedor vê-lo assim, meio leso, ele que era tão atento ao
noticiário político e dava conselhos inteligentes. Visitá-lo? “É
complicado”...

Quando a relação começou, o status de avô trouxe grandes alegrias ao
velho, não tão velho, que curtiu intensamente cada fase dos seus
descendentes. Para estes, o status de neto não traz alegria, com a
nova fase do avô. É duro ter de aguentar alguns minutos de visita sem
ter mais o que conversar. Um beijo na careca, um afago naquela mão tão
engelhada parecem agradar ao velho. Mas visitá-lo não é mais do agrado
dos netos.

Os netos estão no vuco-vuco da faculdade, estágios, networking para
arrumar emprego. Precisam balançar nas redes sociais, namorar, ir à
balada, assistir ao concerto da banda favorita, perder horas no
trânsito para ir e vir. A vida os chama a outras visitas, exige,
cobra. É o Facebook, o Orkut, a ficada, o estágio, o mundo que faz
sentido. Visitar Vovô não faz mais sentido. Ficou chato, triste. O
velhinho já não é o mesmo. E os tempos são outros. Não há tempo para
visitar Vovô. Mas, de uma coisa podem estar certos: nenhum neto
faltará ao velório.

(Diário de Pernambuco, 15/08/2011, p.A-11)

Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
www.terezahalliday.com
 

Jornalismo com ética e solidariedade.