Theresa Catharina de Góes Campos

 
CLÁUDIO – ESTRELA CADENTE
 
Tereza Halliday – Artesã de Textos
 
Numa família de seis filhos talentosos, ele era o caçula e o mais dotado para a música. Daquele tipo que ainda nem alcançava os pedais do piano e já tocava muito bem. Claudio Pereira dos Santos aprendeu os primeiros bemóis e sustenidos com a irmã mais velha, Creuza, pianista de mão cheia e sua grande admiradora.
 
Cláudio tinha acesso ao que de melhor houvesse em cultura musical. Seu pai amava bons livros e boa música e incentivava as três moças e três rapazes por esse caminho. Era conhecido em Caruaru como “Seu João do Mosaico”, por possuir uma fábrica nesse ramo. Sua esposa, Dona Luísa tornava a casa um centro de acolhimento de amigos sedentos de cultura e boa comida.  Lá, tocava-se piano todos os dias e não faltavam discos de 78 rpm, com obras dos grandes mestres e grandes intérpretes da música “clássica”.
 
Aos 14 anos, Cláudio embarcou para o Rio de Janeiro a fim de participar de um concurso de piano. Não tirou o primeiro lugar, mas foi bem classificado. Sua performance agradou tanto que foi incentivado ali mesmo a concorrer a uma bolsa de estudos para impulsionar sua promissora carreira de concertista. Chance única em período de crise financeira na família.  O rapazinho trigueiro, compenetrado ao piano e sorridente no convívio, estava animado para mostrar mais uma vez o seu talento. Com grande senso de responsabilidade, na véspera do teste, relia as partituras das peças que iria tocar. Era grande a expectativa. De repente, enquanto esperava a água da banheira esquentar, partitura na mão, o gás sorrateiro do aquecedor o derrubou. Mais uma vítima fatal dos numerosos acidentes que esse antigo sistema de aquecimento costumava causar naquela cidade. 
 
Como um Pequeno Príncipe de cabelos escuros, Cláudio evolou-se. Mas, em vez do bando de pássaros que acompanhou o louro personagem pelos ares, foi uma nuvem de semínimas, colcheias e semicolcheias  que o conduziu para o infinito.  Está fazendo 50 anos desse evento incompreensível e eu conto o caso como ouvi contar. Ao chegar ao céu, um piano o esperava. Assim como o trio de professores que o levariam à perfeição: Franz Liszt, Clara Schumann e Frédéric Chopin. O acidente que devastou sua família levou-o a outra dimensão de grandeza.  Nós, pobres terráqueos, somos incapazes de enxergar além dos mistérios e queremos tudo do nosso jeito.
 
Nos saberes que me foram transmitidos na infância, uma estrela cadente é um meteoro de cadência própria, isto é, ritmo.  Sua faísca efêmera não se apaga ao cair. Fica na lembrança e, lá no além  cósmico,  torna a cintilar – assim, como Cláudio.
 
(Diário de Pernambuco, Recife, 21/11/2011, p.C-5)
 
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.