Theresa Catharina de Góes Campos

  PERIGO NA NOITE
Perigo na Noite

(Someone To Watch Over Me - EUA, 1987 - de Ridley Scott - 106 min.)
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Uma atraente socialite de Nova York e um policial são envolvidos numa trama de paixão, neste filme com temas ( violência, infidelidade, nudez ) e linguagem para adultos, de suspense bem realizado.

Recém-promovido, o detetive Mike Keegan (Tom Berenger, de PLATOON e ATRAIÇOADOS) tem a sua vida complicada quando é designado para proteger Claire Gregory (Mimi Rogers, de O ESPELHO TEM DUAS FACES), a bela testemunha de um brutal assassinato. Seduzido pelo perigo e atordoado com o estilo de vida glamuroso de Claire, o policial Keegan luta para manter a linha divisória entre proteção e obsessão -enquanto tenta ficar " um passo à frente " do assassino psicótico.

O aclamado diretor Ridley Scott ( de BLADE RUNNER - O CAÇADOR DE ANDRÓIDES e CHUVA NEGRA ) oferece ao público, em PERIGO NA NOITE,
uma história com aquela qualidade exigida dos autores teatrais na Grécia Antiga: a mimese, isto é, a verossimilhança ou a recriação da realidade, pois a violência do crime está onipresente na atualidade e desafia a consciência das testemunhas, exigindo a coragem para não mentir, mesmo com o risco de se tornarem as próximas vítimas.

Os créditos iniciais são apresentados sobre uma visão noturna da cidade, em panorâmica aérea muito atraente, a evocar os primeiros momentos de “Blade Runner” e forçar uma comparação...

Logo em seguida, vemos dois tipos de festas , sendo cada uma, bem representativa dos anfitriões e seus convidados, pertencentes a duas classes sociais distintas que, no caso de se encontrarem eventualmente, demonstram em poucos instantes que pertencem a mundos também diferentes: policiais ( classe média ) e membros da chamada “alta sociedade” não se misturam (na teoria e/ou na prática?). As cenas festivas servem igualmente para dar uma idéia da vida particular dos protagonistas, antes do assassino agir; a linguagem é vulgar, chula; e o tema – explícito ou não – os hábitos sexuais dos personagens, apesar das reações e o contexto individual indicarem algumas diferenças.

Assim, paralelamente ao suspense da ocorrência criminosa, o público vai se interessar pela trama emocional: o adultério, acompanhado da angústia como conseqüência da entrega e da satisfação dos impulsos circunstanciais.

A história, em si, poderia ser considerada banal e recomendável apenas pela competência da direção, o ritmo da narrativa, a pontuação da trilha sonora ou a fotografia. Mas, assim como ocorreu em “Blade Runner - o Caçador de Andróides”, "Chuva Negra" e outros, este filme de Ridley Scott se destaca porque faz a tão hodiernamente necessária reflexão crítica e, por conseguinte, conduz os espectadores a pensarem além do que estão vendo...

Como o enredo se assemelha ao que costuma acontecer à nossa volta , provoca um questionamento, porém íntimo e pessoal, silencioso: "O que eu faria, em tal situação? Reconheceria o criminoso? Trairia meu cônjuge? Pediria que me aceitasse de volta ou começaria uma vida diferente? Afinal, o que é o amor? A fidelidade é dispensável ou essencial? Temos opções...ou estamos aprisionados numa espécie de beco sem saída, impedidos de tomar uma decisão ? "

Portanto, ao contrário dos outros filmes de Ridley Scott (“A Lenda”, “Blade Runner - O Caçador de Andróides” e “Os Duelistas”), o tempo é hoje, com personagens que são bem semelhantes a nós, enfrentando um sistema policial e judiciário que não consegue nos proteger dos assassinos, além de nos vermos também diante das opções que surgem em circunstâncias exigindo uma decisão quanto à fidelidade a valores do cotidiano: família, amor, responsabilidade profissional e nos laços afetivos.

Não há como fugir das perguntas, alegando que se trata de ficção ou de uma fantasia cinematográfica. Isso é muito bom: ir ao cinema para ver, ouvir, compreender, sentir e PERGUNTAR... remexendo no íntimo do que somos como pessoa, diante da consciência que é só nossa e não se deixa enganar pelas aparências, ilusões ou dissimulações travestidas de desculpas ou falsas justificativas, que possamos fabricar de forma intelectual, hipocritamente, diante do grupo e da sociedade da qual fazemos parte ( até a contragosto tentando, às vezes, de algum modo, ou em determinados momentos, rejeitar essa sociedade, mudá-la ou transformá-la em uma comunidade mais humana...).

Brasília-DF, 29 de julho de 1988.
Theresa Catharina de Góes Campos
 

Jornalismo com ética e solidariedade.